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Mostrando postagens com marcador Miriam Leitão e Marcelo Loureiro. Mostrar todas as postagens
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quinta-feira, 23 de junho de 2016

Da fartura à calamidade

O economista Paulo Tafner foi subsecretário geral da Fazenda do Rio até outubro de 2015 e viu de perto alguns dos erros do estado. Houve um forte aumento de gastos, ou mesmo farra em algumas situações. A queda do preço do petróleo e o “descalabro na Petrobras", como define, tiveram sério impacto na economia fluminense. O socorro da federação alivia, mas o estado ainda tem um problema estrutural para resolver.

A receita bruta total do Rio cresceu 46% em termos reais entre 2008 e 2014, para R$ 91 bi, de acordo com dados da Fazenda. Em 2015, o montante caiu 15%. A despesa liquidada total subiu mais no período de bonança e caiu menos na tempestade. Até 2014, a alta foi de 50%, para R$ 90 bi. No ano seguinte, ela recuou 10%, e foi maior que a receita. O Rio fez escolhas erradas e criou despesas permanentes. Os gastos com pessoal e encargos subiram 59% entre 2008 e 2015.

Segundo Tafner, o estado adotou uma política de aumentos reais para os servidores da Saúde, Educação e Segurança. Os reajustes tiveram impacto também nos gastos previdenciários porque os ganhos são repassados aos inativos. Com essa regra, cada R$ 1 de aumento no salário do servidor gera despesa de R$ 4. O governo manejava a receita do petróleo para bancar os gastos com benefícios. Cerca de 95% dos recursos de royalties e participações especiais eram usados para cobrir a previdência do estado. Com a queda na arrecadação, o déficit previdenciário saltará de R$ 8 bi em 2015 para R$ 13 bi neste ano, previsão revisada recentemente. As despesas com pessoal foram tomando espaço cada vez maior no Orçamento. Hoje, quase 100% da receita com ICMS é destinada ao pagamento da folha salarial.  — No Rio, talvez tenha havido um exagero na recomposição de salários, especialmente na saúde, educação e segurança, que representam quase 90% da folha. Na previdência, a regra que corrige as aposentadorias pelo salário dos ativos precisa ser discutida, mas os estados têm pouca ingerência sobre a legislação — diz Tafner, que é especialista em sistema previdenciário.

A renegociação da dívida dos estados e municípios era necessária e precisava ser feita, mas demorou tempo demais. Ela começou em 2013, para dar um socorro ao município de São Paulo. Na visão de Tafner, a carência evitará um movimento generalizado de calotes dos estados. Mas a capacidade financeira da União, que vai ficar um período sem receber os pagamentos, também tem que ser preservada. O acordo vai custar ao Tesouro R$ 50 bi em três anos.

O efeito imediato da renegociação é “suavizar” a delicada situação financeira dos estados. Os governadores ganharam um fôlego, mas a solução para o desequilíbrio financeiro é mais complexa. Além da definição sobre a dívida, Tafner defende que os estados façam sua parte. No caso do Rio, o governador Francisco Dornelles adiantou que vai tomar “medidas muito duras” após decretar o estado de calamidade. Com exceção da Cedae, o Rio tem poucos ativos interessantes para privatizar. Tafner acredita que alguns benefícios terão que ser revogados. O estado ainda concede adicional por tempo de serviço ao funcionalismo. É uma regra sem sentido, diz ele, já abolida por alguns governos. Universidades de alta qualidade têm um custo elevadíssimo e são usufruídas pelos mais ricos, na maioria dos casos. O programa Aluguel Social, conta o economista, deveria ser revisto para focar nas pessoas que realmente precisam. O mesmo vale para o Bilhete Único e o Renda Melhor.

O Rio paga cerca de R$ 6 bi ao ano em dívidas à União e terá pelos próximos seis meses um espaço maior no Orçamento para cumprir com suas obrigações. A preocupação com a Olimpíada não é apenas pelas obras, mas também com o pleno funcionamento dos serviços. Seria um desastre para o país, explica Tafner, se a saúde e a segurança no Rio ficarem paralisadas durante o evento. O acordo e a injeção direta de recursos vão garantir a sensação de normalidade na operação do estado nos próximos meses, acredita o economista, mas o problema estrutural persiste.

Tafner lembra que no setor privado as dívidas também são renegociadas. O que preocupa é que não é a primeira vez que estados são beneficiados. Ele acredita que o efeito dessa crise nas contas vai fortalecer a importância de ter políticas públicas responsáveis. Algumas são impopulares, mas o respeito às boas práticas fiscais é uma forma de responsabilidade social.

Fonte: Coluna da Míriam Leitão -  Com Marcelo Loureiro - O Globo



sexta-feira, 18 de março de 2016

País em chamas

Com o país conflagrado, a presidente Dilma fez um discurso incendiário, usando o Palácio do Planalto como se fosse escritório partidário e o clima, obviamente, se elevou mais. A presidente Dilma falou em “conjuração” e afirmou que “é assim que começam os golpes”. O vocábulo “golpe” serve como palavra de ordem para militância, mas na boca de um chefe de governo passa a ter extrema gravidade.

A reação dos juízes e procuradores foi imediata, com a leitura de manifestos em que explicaram que a Operação Lava-Jato não é apenas o juiz Sérgio Moro, mas o Judiciário ao qual se pode recorrer das decisões do próprio Moro, além do Ministério Público. Eu entrevistei em Curitiba para meu programa na GloboNews os procuradores Deltan Dallagnol e Carlos Fernando Lima. Eles mostraram que já esperavam este tipo de reação às investigações. — Estamos vendo aumentar as acusações de abusos nas investigações exatamente como aconteceu na Itália depois de três anos da Operação Mãos Limpas. Essas acusações nunca se comprovaram, mas serviram para reduzir o apoio da opinião pública à operação e permitir uma reação do sistema corrupto. Foram aprovadas leis contra a investigação. Uma delas proibia a prisão preventiva por corrupção, que foi chamada de ‘salva ladrões’. Este é o risco que nós corremos, de que surjam acusações infundadas que tirem o prestígio da operação para permitir a reação do sistema.

Ontem Deltan e os outros procuradores foram para a frente do Ministério Público Federal no Paraná para ler um manifesto em defesa da operação. A Associação dos Juízes Federais também fez leituras de manifesto. A presidente disse que o país está atravessando a perigosa fronteira do estado de exceção. Os juízes e procuradores responderam que estamos sob o império da lei.

Dilma chamou de grampo ilegal o que foi escuta autorizada. Chamou de vazamentos o que é suspensão do sigilo. O juiz Sérgio Moro tem explicado, a cada momento que, nos processos, a publicidade tem que ser a regra, a menos que seja decretado segredo de justiça. Se Dilma considerar que seus direitos constitucionais foram feridos pode e deve recorrer à própria Justiça, e não usar o Palácio do Planalto para uma posse-comício em que ataca como inconstitucionais atos que estão sendo referendados nas instâncias superiores.

Há uma batalha judicial em curso e o país vai travá-la porque o sistema político polarizado não tem sido capaz de organizar suas desavenças. Cada lado coloca seus argumentos. Dilma pode fazer a defesa ardorosa do seu ponto de vista, mas com algumas ressalvas. Se está convencida de que começou um "golpe" precisa alertar todos os poderes constituídos. Não pode falar apenas para a sua militância e dentro da sede do governo.
O Palácio é do povo. O governante é um mero inquilino que lá é colocado temporariamente pelo eleitor. A posse de Lula transformou o Planalto em um palanque extemporâneo no qual Dilma fez um discurso inadequado no tom e no conteúdo.

A Operação Lava-Jato completou dois anos ontem, dia 17 de março, e nesse meio tempo ela conseguiu mais do que qualquer outra investigação em valores tangíveis e intangíveis. O país recuperou R$ 2,9 bilhões, a maior parte disso devolvido à Petrobras, da qual foi surrupiado um valor muito maior com o conluio de políticos do atual governo. No plano intangível o Brasil está construindo, a duras penas, a barreira moral que impedirá os absurdos que o país tem visto e ouvido nos últimos tempos. Até agora foram acusadas 180 pessoas, 70 já foram condenadas a penas que somam 900 anos de prisão. Já foram cumpridas 500 ordens de busca e apreensão e fechadas 100 cooperações internacionais com 30 países.

O dia terminou com duas derrotas para o governo. A posse de Lula foi suspensa por liminar e a Câmara elegeu a Comissão do Impeachment. Como sinal dos turbulentos tempos atuais, no comando desse processo, nesta primeira etapa, está um réu da Lava-Jato e na segunda etapa estará um investigado da Lava-Jato. O procurador Deltan me disse que o que mais o preocupa é que "personalizem" o combate à corrupção em uma pessoa ou um partido. "Se queremos mudar essa realidade temos que nos concentrar nas mudanças das leis".

Blog da Miriam Leitão - Com Marcelo Loureiro, interino