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sexta-feira, 24 de abril de 2020

Moro no impasse - Merval Pereira

O Globo 

Mais uma caçada de Bolsonaro


O presidente Jair Bolsonaro está fazendo movimentos bruscos como se estivesse tentando desmontar um esquema que objetiva tirá-lo da presidência da República. Mesmo que esse esquema só exista na sua cabeça conturbada, e na de seus filhos. Suas ações são muito semelhantes às de presidentes que acabaram impedidos de continuarem seus mandatos, como Collor ou Dilma. Tudo começa e termina com a difícil relação com o Congresso. Como Collor, eleito por um partido nanico, o PRN, decidiu governar sem o apoio de uma base parlamentar.

Até  mesmo a ministra da Agricultura, Teresa Cristina, uma unanimidade, está sendo perseguida pelas milícias digitais. Talvez o segredo de toda crise seja essa, a unanimidade. Ministros com boa aceitação popular são alvos das redes sociais, não são confiáveis ao núcleo duro do bolsonarismo. Muitos militares também não, e pode acontecer com eles o mesmo que já aconteceu com Santos Cruz, por exemplo, derrubado por uma campanha de Olavo de Carvalho.


[a situação do Collor era bem diversa da condição de Bolsonaro:
- Collor era alvo de denúncias de irregularidades, no popular 'tinha o rabo preso' - denúncias das quais foi absolvido pelo Supremo.
O parágrafo abaixo mostra bem a situação do atual senador e também a da Dilma, que estava complicada e a menor acusação contra ela, era: incompetência e corrupção.
A ministra Teresa Cristina, permanece firme e forte, tendo o presidente Bolsonaro a inteligência de se manter fora do assunto.
Inteligência que também faz com que saiba que as investigações da PF não dependem da vontade presidencial, do ministro da Justiça ou do diretor-geral da instituição Polícia Federal - condição que a reveste quando investiga.]


Quando tudo já estava perdido, com denúncias de irregularidades de todos os lados, ele tentou se aproximar do Congresso com acordos de última hora e montando um ministério de notáveis para lhe dar credibilidade. O ministério funcionou tão bem que seus integrantes atravessaram a crise política sem macular suas biografias. Mas o apoio do Congresso não veio, e Collor caiuDilma, que passou seu primeiro mandato gastando o crédito de popularidade que seu mentor Lula deixou de legado, herdou também o escândalo do petrolão e, unindo corrupção e incompetência, caminhou para o patíbulo. 
Tentou ainda distribuir cargos aos parlamentares que teoricamente formavam sua base de apoio, mas já não havia escapatória. Interessante notar que Lula montou uma super base partidária, justamente com o propósito de evitar o impeachment, mas a base era de vidro e se quebrou na primeira oportunidade.

Bolsonaro vai pelo mesmo caminho, embora não exista nenhum processo de impeachment a ameaça-lo, apenas no mundo virtual em que vive, fora da realidade. Ainda mais agora, em meio a uma pandemia. Mas Bolsonaro começou a caçar seus potenciais adversários de 2022, disposto a acabar com superministros, ou com a ala técnica de seu ministério, fortalecendo a ala ideológica e seus pares militares.
Foi-se Luiz Henrique  Mandetta, que havia se transformado em superministro pela atuação no combate à Covid-19. [comícios diários. cujos aspectos positivos eram sempre maximizado pelo imprensa e falhas ou mesmo críticas, passíveis de serem interpretadas como negativas, eram minimizadas.
Sem esquecer que Mandetta chegou ao ponto de trombar com o Presidente da República  e  jactar-se  do feito.
O ministro Guedes além da oposição sistemática alguns parlamentares, teve a pouca sorte de uma pandemia a sustentar medidas desfavoráveis ao seu liberalismo.
Moro, ao defender a manutenção do  subordinado e tornar público seu aviso ao presidente de que se Valeixo saísse ele também sairia, deixou ao presidente Bolsonaro duas alternativas:
exonerar Valeixo;
ou exonerar Valeixo e o próprio ministro.
O delegado da PF teve a lealdade para com o ministro de pedir demissão - algumas matérias veiculadas hoje dizem que não houve pedido, mas o Decreto publicado no DF cita claramente que foi a pedido.
Neste caso vale o que está escrito.]  O liberaLismo de Paulo Guedes anda em baixaO guru da família Bolsonaro, aliás, acha que os militares, de maneira geral, são inconfiáveis. Mas há outra razão, tão ou mais forte, para que o presidente Jair Bolsonaro tenha a Polícia Federal na alça de mira: é ela que investiga as denúncias contra seu filho, senador Flávio Bolsonaro, e ao mesmo tempo o gabinete do ódio, origem as fake News disparadas nas redes sociais sob a coordenação de outros filho, o vereador Carlos Bolsonaro.

A irritação de Bolsonaro chegou ao máximo com o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, quando soube que, a pedido do Supremo Tribunal Federal (STF), ele manteria no novo inquérito sobre as manifestações antidemocráticas aberto pelo Procurador-Geral da República a mesma equipe que já investigava o inquérito de fake news, ambos tendo como relator o ministro Alexandre de Moraes. O ministro da Justiça, Sérgio Moro, reage, ameaçando demitir-se, por sentir que perderá o poder que tem, e sobretudo o poder que acham que tem. Provavelmente não conseguirá nomear o próximo diretor-geral, nem evitar que uma substituição política seja feita.

Moro não tem nem a saída de fazer um acordo com Bolsonaro para ir para o Supremo Tribunal Federal na vaga de Celso de Melo pois, além de esse escambo ferir definitivamente sua imagem política, não há como acreditar na palavra de Bolsonaro. Tanto Moro quanto Bolsonaro meteram-se em um impasse de difícil solução. Se for para deixar que Moro indique o próximo diretor-geral da Policia Federal, por que Bolsonaro fez tamanha confusão? Será que seu problema é pessoal com Mauricio Valeixo? Claro que não.

Se Moro aceitar a saída de Valeixo, mesmo que indique o novo diretor-geral da PF, estará desmoralizado. Caso tenha que pedir demissão, só tem uma saída política: cair atirando, para manter sua popularidade e, sobretudo, sua credibilidade. Se sair e se retirar para um magistério no exterior, por exemplo, terá feito um mau negócio ao trocar o papel de juiz da Lava Jato pelo ministério da Justiça.

Merval Pereira, jornalista - O Globo