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domingo, 7 de maio de 2023

Os inquéritos do fim do mundo - Opinião do Estadão

STF usa inquéritos sobre ‘fake news’ e milícias digitais como pretexto para investigar até suspeita sobre cartão de vacinação de Bolsonaro. Nenhum juiz dispõe de competência universal

Se ainda havia espaço para alguma dúvida, nesta semana ficou patente que os Inquéritos 4.781/DF e 4.874/DF, do Supremo Tribunal Federal (STF), estão servindo a propósitos muito distantes de seus objetivos originais. O primeiro foi aberto para apurar fake news e ameaças contra o Supremo, e o segundo, para investigar atuação de milícias digitais contra o Estado Democrático de Direito. 
No entanto, foram usados agora para remover da internet conteúdo sobre projeto de lei em tramitação no Congresso e para investigar falsificação de cartão de vacinação do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Observa-se, nos dois casos, uso rigorosamente irregular dos inquéritos, descumprindo regras básicas do ordenamento jurídico. Além de prazo para terminar, toda investigação deve ter objeto certo e determinado. E nenhum juiz dispõe de competência universal.

Acertadamente, anos atrás, o STF rejeitou o entendimento expansivo da Lava Jato, no sentido de que todo indício criminoso envolvendo governo federal e partidos políticos deveria ser investigado e julgado pela 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba. No julgamento, o ministro Alexandre de Moraes ressaltou o absurdo de transformar uma única vara em “juízo universal de combate à corrupção”. 
De fato, a interpretação do então juiz Sérgio Moro e dos procuradores da Operação fez parecer, em determinado momento, que todos os grandes casos de corrupção do País ficariam concentrados em um único magistrado. Sob pretexto de combater a impunidade, burlou-se o princípio do juiz natural, que, como Moraes lembrou na ocasião, “é importante garantia de imparcialidade”.
 
Agora, o País assiste a uma situação similar. Sob pretexto de defesa da democracia em circunstâncias excepcionais, o STF mantém abertos inquéritos que, na prática, estão conferindo uma espécie de competência universal à Corte e, em concreto, ao relator, o ministro Alexandre de Moraes. Os limites foram ultrapassados.  
O que era para investigar fake news contra o Supremo foi usado para arbitrar debate sobre projeto de lei.

O STF agiu corretamente ao abrir os inquéritos. Existia fundamento jurídico a justificar a competência da Corte nessas investigações. No entanto, não existe fundamento jurídico para tornar esses inquéritos perpétuos, menos ainda para, servindo-se deles, transformar o ministro Alexandre de Moraes em “juízo universal de defesa da democracia”.

Essas investigações tiveram papel fundamental. Em momentos especialmente difíceis, elas representaram a eficaz reação do Estado brasileiro contra quem queria vandalizar o regime democrático. Precisamente por isso, devem ser concluídas, como dispõe a lei. Manter os inquéritos abertos, além de ser ocasião para novas medidas irregulares, coloca em risco o bom trabalho feito antes. 
A Lava Jato não foi um aprendizado suficiente? 
Não há apoio popular, nem circunstância política, capaz de legitimar métodos ilegais. Transigir com tais práticas é fazer um tremendo desserviço ao País.
 
Sem ingenuidade, é preciso reconhecer a oportunidade. Os dois episódios desta semana – arbitrar debate público por meio de inquérito policial e pendurar apuração de falsificação de cartão vacinação contra covid em procedimento relativo a crimes contra o Estado Democrático de Direito – facilitaram o trabalho do colegiado do Supremo. 
Eles são muito acintosos para serem relevados. Não se pode tapar o sol com peneira. A condução atual dos Inquéritos 4.781/DF e 4.874/DF não está de acordo com a lei e a jurisprudência do Supremo.
 
O Judiciário tem pela frente um enorme trabalho em defesa da lei e das instituições democráticas; em concreto, o processamento das investigações e denúncias do 8 de Janeiro e o vasto campo de indícios relacionados a Jair Bolsonaro. Não há dúvida de que o caso do cartão de vacinação é apenas o começo. Diante desse cenário, o STF tem o dever de respeitar a lei e sua jurisprudência. A intransigência da Corte com o erro é o que assegura a tão necessária autoridade do Judiciário, especialmente nestes tempos conturbados.

Notas & Informações - O Estado de S. Paulo 
 

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Milícias jornalísticas - Percival Puggina

“Não confie em todas as pessoas, mas nas pessoas de valor; o primeiro caminho é insensato, o segundo é sinal de prudência”. Demócrito (Sec. V a.C.)

         Chico Alves, colunista do UOL, escreveu no dia 27, sob o título “Milícias digitais atacam Pacheco e agitam corrida à presidência do Senado”:

Em tempos de polarização política, a caça aos votos para a eleição à presidência do Senado, marcada para o início da nova legislatura, em 1º de fevereiro, ganhou um inédito tom de agressividade. Bolsonaristas adeptos da candidatura de Rogério Marinho (PL-RN) fazem duros ataques ao candidato à reeleição Rodrigo Pacheco (PSD-MG) nas redes sociais e tentam constranger os senadores que anunciaram votos no atual presidente da Casa.

Rezando pelo mostruário de etiquetas que a militância esquerdista usa para desqualificar quem não se ajoelha para rezar na sua capelinha, o jornalista autor da matéria apresentada como “reportagem” (aqui) deixa claro não ver razões racionais para que as ”milícias digitais” dos “bolsonaristasse mobilizem contra a reeleição do omisso senador Pacheco. Dá-me forças para viver!

Essa visão sobre o poder político no Brasil assume um ponto de vista extremamente confortável. É uma poltrona fofa, com banqueta para os pés. Dali, as instituições de Estado se tornam autossuficientes porque têm a representação constitucional da sociedade, cabendo às “milícias jornalísticas” do consórcio a representação pontual da opinião pública. Feito! Toda mobilização da sociedade assume, a priori, um aspecto criminoso, marginal, análogo ao bando de malfeitores e seus responsáveis que a 08/01 se infiltrou no vácuo de lideranças em que foi enfurnada a atual oposição brasileira.
 
Os senhores da República não veem a si mesmos por falta de espelho nos salões do poder e das redações. Nada do que fazem passa pelo crivo de consciências bem formadas. 
Dezenas de milhões de cidadãos que perderam a confiança nas instituições e em tal jornalismo são tratados como desprezíveis e ironizados manés. 
Não obstante, esses bons cidadãos entendem, como o filósofo grego citado acima,, que só podem confiar em quem revelar valor! E aí, os senhores do poder ficam em situação extremamente deficitária.
 
Quanto lhes é necessário Rodrigo Pacheco presidindo o Senado! Ele é a garantia de que não haverá freio nem contrapeso. Significará mais dois anos de formalização dessa “democracia” encomendada pelos donos do poder. 
Com ele, preservam-se os objetivos de silenciar a nação, de impedir as pessoas de sentir o que sentem, de expressar emoções e efetuar cobranças a quem faz política, quer esteja num parlamento ou numa Corte de justiça.

Sim, as Cortes fazem política. Em O Globo de hoje (aqui), sob o título “O temor do STF com a votação para a presidência do Senado”, lê-se (mantidos os erros gramaticais de praxe):

Não à toa, alguns ministros do Supremo tem telefonado para senadores para sondar o ambiente e pedir que votem em Pacheco, com o argumento de que a reeleição do atual presidente do Senado seria fundamental para o distensionamento da crise política e a pacificação entre os poderes.

Essa pax de Brasília não é a paz do Brasil. É a paz que preserva a censura, ressuscita o cala-boca, criminaliza a divergência e opera o imenso aparelho persecutório agilizado na Esplanada.

No Brasil, a justiça é lenta, mas a arbitrariedade anda em ritmo acelerado, sem freio nem contrapeso.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


sábado, 7 de janeiro de 2023

Missão impossível: explicar meu caso aos americanos - Rodrigo Constantino

Gazeta do Povo 

Deu na Gazeta e na Oeste: Após ter os perfis nas redes sociais suspensos, o jornalista e colunista da Gazeta do Povo, Rodrigo Constantino, também teve as suas contas bancárias bloqueadas e o passaporte cancelado por uma determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito do inquérito das fake news (4.781). As informações foram confirmadas pela defesa de Constantino, porém o próprio jornalista achou melhor não comentar o caso, devido ao inquérito estar em sigilo.

Além de Constantino, o empresário e jornalista Paulo Figueiredo, também teve suas contas bancárias no Brasil bloqueadas e seu passaporte cancelado. Os advogados dos envolvidos creem que os jornalistas estão incluídos tanto no inquérito das fake news como no das milícias digitais (4.874) e reclamam da falta de acesso aos autos - integralmente.

Sobre as decisões de Moraes, o STF informa que não tem acesso às decisões dos inquéritos que tramitam em sigilo. E por isso mesmo o meu advogado recomendou que eu não comentasse detalhes do inquérito - até porque nem ele tem acesso aos detalhes! Mas vamos supor que seja isso mesmo, que minhas contas bancárias tenham sido congeladas e meu passaporte cancelado (e tanto a Gazeta do Povo como a Oeste são veículos sérios de jornalismo): como explicar meu caso aos americanos?

Preciso da ajuda dos universitários. Como explico nos Estados Unidos o que estou sofrendo no Brasil se existe aqui a Primeira Emenda, que rejeita o bizarro "crime de opinião" criado por Alexandre de Moraes? Como digo que sou alvo de um inquérito sigiloso do STF sem qualquer provocação do MP, basicamente por tuítes inocentes como elogio às Forças Armadas, se a Corte Suprema americana jamais poderia fazer isso ou qualquer coisa similar?

Eis a triste verdade: trata-se de uma missão impossível explicar como um jornalista pago para emitir opiniões pode ser tratado como um criminoso perigoso pelo governo só por... emitir opiniões!  
Terroristas do MST e do MTST são tratados como manifestantes legítimos, mesmo quando agem com violência. Eu, que nunca matei uma mosca, sou tratado como bandido. Como pode isso?

Claro, quando lembramos que todos os valores estão invertidos no Brasil fica mais fácil compreender: o ladrão voltou à cena do crime! Não é que o crime compense no Brasil; ele está no poder! O buraco é mais embaixo. Logo, as pessoas honestas serão tratadas como marginais, e os marginais como cidadãos de primeira classe. A partir de agora, quem for pego com arma na rua e não for ladrão será preso!

Para o gringo médio, isso é impensável. Ele não vai acreditar em mim! Já tentei conversar com alguns, com jornalistas, com advogados, e eles quase debocham de mim: "isso não é possível". Mais foi! E não sou a única vítima. Quando era Allan dos Santos ou Daniel Silveira, este com imunidade parlamentar, muita gente virara a cara pois eram "radicais demais", pois "provocaram". Mas eu? O Guilherme Fiuza?  O Paulo Figueiredo? E quem será o próximo?  
E onde isso vai parar? Dica: olhe para a Venezuela.
 
E aqui vai meu resumo: para tentar explicar o Brasil de hoje para os americanos, preciso constatar uma obviedade ululante para nós, brasileiros: nosso país já vive sob uma ditadura!  
Quando menciono que estou banido das redes sociais por canetada, sem qualquer condenação, eles duvidam. 
Aí menciono Cuba, China, Venezuela, e eles compreendem. 
O Brasil é como esses países agora, e precisa de VPN para acompanhar a opinião dos jornalistas independentes, se não quiser ficar só na mão dos militantes petistas que ocupam a maioria das redações.
 
O pior é que tem muita gente em silêncio ainda, achando que a sanha autoritária ficará restrita aos "bolsonaristas". Tadinhos! Nunca leram nada sobre tiranias! Falta-lhes bagagem cultural, conhecimento histórico. Alimentam um monstro que não poupará vítimas, pois o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente. 
Se um ministro, em sigilo, de forma monocrática, com um inquérito ilegal, pode banir das praças públicas modernas, congelar contas bancárias, cancelar passaporte, tudo isso sem qualquer processo legal e transparente ou sem condenação, então esse sujeito é o imperador absolutista do país. Parabéns aos envolvidos!

Rodrigo Constantino, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

PGR se manifesta contra afastamento de ministro da Defesa e chefe da PRF

A Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou nesta quinta-feira (17) contra os pedidos de investigação e afastamento do diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Silvinei Vasques, e do ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira. 
 O parecer, assinado pela vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, foi encaminhado ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

O diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Silvinei Vasques.

O diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Silvinei Vasques.| Foto: Alan Santos/Presidência da República. [o diretor-geral da PRF precisa fazer urgentemente um acordo com DEUS - o DEUS verdadeiro, Uno e Trino e não os que pensam ser deuses para ganhar condições que permitam trabalhar por mais uns 100 anos só para pagar as absurdas multas de R$ 100 mil/hora (afinal apenas 24 horas de multa totalizam 
R$ 2.400.000,00); para felicidade dele e de centenas de brasileiras tais multas nunca serão cobradas.]

As ações foram protocoladas na Corte pelo senador Randolfe Rodrigues    [ vulgo o 'estridente'] (Rede-AP) e pelo deputado federal Marcelo Calero [esse deputado foi eleito em 2019, nunca foi notado no Congresso, não foi reeleito = aquele que nunca existiu - e agora tentou uma manobra para atrair holofotes.] (PSD-RJ). Lindôra solicitou a rejeição dos pedidos e argumentou que eles não apresentam conexão com o inquérito 4874, que apura a existência de milícias digitais antidemocráticas, informou o jornal O Globo.

"As novas notitias criminis em questão também não trazem fatos a serem contemplados por esta investigação, já que não veiculam elementos concretos e reais de inserção em uma organização criminosa que atenta contra a democracia e o estado de direito", escreveu a vice-procuradora-geral.

Randolfe solicitou a investigação de Vasques após as operações realizadas pela PRF no dia do segundo turno das eleições. O diretor-geral da PRF também é alvo de outro pedido de afastamento, feito pelo Ministério Público Federal (MPF). Já Calero pediu que o general fosse investigado por suposto crime de responsabilidade por “exercício ilegítimo de suas funções” ao questionar a lisura do processo eleitoral brasileiro. [até para ser idiota é preciso algum resquício de inteligência.]

E-book 1984
Tradução inédita e gratuita da obra de George Orwell

Um presente da Gazeta do Povo para você refletir sobre o autoritarismo nos tempos atuais.

Eu quero! - E-book 1984

Gazeta do Povo 

 

terça-feira, 26 de julho de 2022

AS MILÍCIAS DA BONDADE - Guilherme Fiuza

Renan Calheiros parabenizou Renan Calheiros por um post no Twitter: “Boa, senador!” Se não foi um caso extremo de delírio narcísico, foi um flagrante de que há algo inautêntico na forma como o senador usa sua rede social. 
A equipe de Calheiros forjou um elogio a ele, com o descuido de usar a própria conta do senador – o que evidenciou a falsificação. 
Onde estão os obstinados caçadores de fake news do TSE e do STF? Ninguém contou a eles o que aconteceu?
 
Se o elogio foi forjado, quem tentou se fazer passar por um admirador de Renan Calheiros? Um assessor? Alguém que usaria uma identidade postiça e se descuidou? Um robô? 
Quem pode fazer um elogio fake, pode fazer um ataque fake? 
Pode espalhar boato? Pode “desinformar” (a palavrinha da moda dos supremos checadores)?
 
Sim, pode fazer tudo isso. Como essa questão se resolveria num ambiente mais ou menos saudável?  
Com a lei: quem se sentisse atacado, ofendido, difamado ou constatasse uma informação falsa que prejudicasse alguém, acionaria a Justiça e puniria o infrator fosse ele autêntico ou impostor. 
Isso já aconteceu inúmeras vezes e a justiça foi feita. Quanto a robôs ou claques programadas, é questão de controle da plataforma ou denúncia de usuários que suspeitem, e ponto final.
'
Mas o que se passa hoje no Brasil é algo bem diferente. 
Supostos depuradores do debate público criaram expedientes de perseguição à livre expressão – baseados exatamente nessa literatura fajuta que não tem nada a ver com Direito: gabinete do ódio, fake news, desinformação, milícias digitais, etc. 
Qualquer assunto que esteja em terreno de controvérsia pode ser marcado por esses senhores da verdade como delinquência, baseados nos conceitos alegóricos acima. É um expediente reacionário.
 
Pois bem. Se é assim, onde está a investigação de Renan Calheiros? Um senador usando flagrantemente uma falsificação das funções da rede social para forjar a manifestação de alguém que não existe.  
Quem fez isso? Quantos fazem isso rotineiramente para o senador, com que tipo de mensagens? 
Isso não pode ser uma milícia digital? 
Uma brigada de robôs? 
Um gabinete do ódio? 
Ou em homenagem à harmonia entre Renan Calheiros e o STF isso pode ser no máximo um gabinete do amor? 
Aliados de Lula têm habeas corpus permanente, em homenagem ao passado glorioso do ex-presidente?
 
Hackers tentaram invadir o site do PL e forças ocultas da “oposição” tentaram reservar as vagas para o público na convenção do partido do presidente da República, para esvaziá-la.

Os xerifes da eleição já começaram a instituir até censura prévia, decretando que determinados assuntos não podem sequer ser abordados. É um abuso autoritário escandaloso. 
Infelizmente, aquela multidão de amantes da liberdade de expressão que passaram décadas fazendo discursos, músicas e poesias contra o autoritarismo saiu de férias. Logo agora…
 
Guilherme Fiuza, colunista - Gazeta do Povo - VOZES
 
 

 

segunda-feira, 16 de maio de 2022

No escurinho da transparência - Revista Oeste

Guilherme Fiuza

Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

Confiante na eleição?

— Totalmente.

— O que te faz confiante?

O combate à onda de ódio.

— Esse negócio de festejar facada, né? E jogar futebol com réplica de cabeça humana…

— Não. O que ameaça mesmo são as milícias digitais.

— Ah, é? Como é isso?

— O gabinete do ódio tem uma rede de milicianos invisíveis que espalham incitação a agressões à democracia e às instituições da República.

— Caramba. Isso é grave. E essas agressões são consumadas?

— Claro. Cada vez mais. Não está vendo? Em que planeta você vive?

— É, devo ter me distraído. Como são essas agressões?

— São ostensivas, na cara de todo mundo. As milícias vão trabalhando nos subterrâneos digitais, carregando os espíritos de ódio, espalhando a propensão à violência contra os guardiões do estado de direito. Uma hora isso transborda e a democracia fica encurralada.

Já transbordou?

Vou repetir a pergunta: em que planeta você vive? Não só transbordou, como foram diversas vezes nos últimos anos.

— Jura? Eu devo estar vivendo numa bolha mesmo, não vi nada disso.

— Você é o típico alienado. Saiba que alienação não é inocência. A sua indiferença é uma forma de cumplicidade.

— Poxa… Não foi a minha intenção.

— De boas intenções o inferno está cheio.

— Já ouvi falar nisso. Você tem razão, preciso calibrar minha observação das coisas ao meu redor.

— Observação só, não. Compreensão.

Sem dúvida. Pode me ajudar?

— Claro. Mas saiba que, se você não se ajudar, nenhuma ajuda externa vai resolver o seu problema.

— Entendi. Então você me ajuda a me ajudar?

— Ajudo.

— Obrigado. Pra começar, queria ter uma ideia de como é o aspecto visual de um desses transbordamentos de ódio contra a democracia. Você conseguiria descrever?

— É a coisa mais fácil do mundo. Esses atentados se materializam na forma de multidões tomando as ruas do país de verde e amarelo. É assustador.

— Isso eu já vi. Só não sabia que era explosão de ódio contra a democracia. Eles disfarçam bem, né?

— São dissimulados. Mas não cola. A atmosfera de intolerância e inclinação fascista é evidente.

— Me enganaram direitinho. Eu vi sim essas multidões no Primeiro de Maio, no Sete de Setembro e em outras ocasiões. Pessoas sorridentes, tranquilas, com muitos idosos e até bebês de colo. Nunca ia imaginar…

Tudo fachada. Bastaria você ter prestado atenção às manchetes do noticiário e veria a verdade estampada na sua cara: atos antidemocráticos.

— Tem razão. E mesmo com esses graves atentados à democracia você permanece confiante na eleição deste ano?

— Plenamente. A onda de ódio está sendo corajosamente enfrentada pelos que são do bem.

— Ótimo. Me ajuda a compreender essa parte também?

— Conta comigo.

— Obrigado. Quem é do bem?

O TSE.

Onde só existe a verdade, não há espaço para a mentira

Tribunal Superior Eleitoral?

— Isso.

Tá. E como ele faz o bem?

— Combatendo as fake news que alimentam a onda de ódio contra a democracia.

— Interessante. Fake news é notícia falsa, né?

— Muito mais que isso. Fake news é o crime organizado em forma de corrupção intelectual.

— Eita! O negócio é mais sério do que eu pensava. E o que faz o TSE para combater esse mal?

— Muitas coisas. Uma das principais é dizer que o sistema eleitoral brasileiro é totalmente seguro. Desencoraja os que querem fraudar a eleição.

Mas se o sistema é seguro, por que se preocupar com fraude?

— Porque quem é do mal consegue o impossível.

— Isso é verdade.

Você mesmo não estava crente que os atos antidemocráticos eram manifestações pacíficas?

— Estava mesmo.

— Então? Com o gabinete do ódio é assim. Você piscou, eles aprontam.

— Vou ficar atento. A propósito, o TSE já resolveu aquele problema da invasão ao sistema eleitoral em 2018?

— Já.

Quem bom. O que ele fez?

Encerrou o assunto e mandou apagar os arquivos do sistema.

— Isso resolve?

— Claro. Acaba com a polêmica. Polêmica é combustível para fake news.

— Faz sentido.

Onde só existe a verdade, não há espaço para a mentira.

— Interessante, não tinha pensado nisso.

— Não precisa pensar. Basta compreender.

Estou me esforçando.

— Está sim, e eu sou testemunha.

— Obrigado. Me ajuda então a entender uma última coisa.

— Manda.

Como o TSE vai fazer para guarnecer a verdade absoluta?

— Já fez.

— Jura? O quê?

Declarou que as dúvidas sobre o sistema eleitoral brasileiro levantadas pelos técnicos da Comissão de Transparência são nulas.

Como assim?

— Simples: informou que normas e procedimentos para a eleição deste ano já estão consolidados e não serão alterados. E que a garantia do devido cumprimento das regras de segurança do sistema é da competência exclusiva do TSE. [o fato do TSE ser uma repartição pública e TODOS - membros e servidores são empregados do povo brasileiro - que lhes paga o salário é sem importância.]

Por que então o TSE criou uma Comissão de Transparência?

Essa pergunta prova que o seu nível de compreensão das coisas à sua volta ainda está deficiente. Cuidado.

— Obrigado pelo alerta. Vou me esforçar mais.

— Conta comigo.

Leia também “Não olhe agora”

domingo, 13 de fevereiro de 2022

Entrevista: ‘Bolsonaro facilitou a vida das milícias digitais’, diz Barroso - O Globo

Ministro avalia que a suspensão do aplicativo de mensagens Telegram é uma medida viável durante as eleições deste ano 
 
Ao longo de um ano e nove meses à frente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso teve de conviver com ataques do presidente Jair Bolsonaro à confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro e com insinuações, menos ou mais explícitas, de que poderia não respeitar uma derrota nas urnas. Para o ministro, as investidas do titular do Planalto contra as urnas eletrônicas revelam “limitações cognitivas e baixa civilidade”, enquanto favorecem a atuação de milícias digitais — uma relação investigada pela Polícia Federal. O ministro afirma que Bolsonaro facilitou a vida desses grupos ao divulgar dados sigilosos do inquérito que apurava um ataque hacker à Corte.

Antes de passar o bastão ao seu colega Edson Fachin no próximo dia 22, Barroso avalia que a suspensão do aplicativo de mensagens Telegram é uma medida viável durante as eleições deste ano. A plataforma, criada por russos e com sede em Dubai, tem ignorado as tentativas de notificação feitas pelo TSE para cooperar no combate à desinformação. Ao GLOBO, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) afirma que “o Brasil não é casa da sogra para ter aplicativos que façam apologia ao nazismo, ao terrorismo, que vendam armas ou que sejam sede de ataques à democracia”.

É realmente viável a possibilidade de o Telegram ser banido do Brasil?
Nenhum ator relevante no processo eleitoral pode atuar no país sem que esteja sujeito à legislação e a determinações da Justiça brasileira. Isso vale para qualquer plataforma. O Brasil não é casa da sogra para ter aplicativos que façam apologia ao nazismo, ao terrorismo, que vendam armas ou que sejam sede de ataques à democracia que a nossa geração lutou tanto para construir. [curiosidade curiosa: apologia ao comunismo pode? e os mais de 100.000.000 de mortos por aquele regime?] Como já se fez em outras partes do mundo, eu penso que uma plataforma, qualquer que seja, que não queira se submeter às leis brasileiras deva ser simplesmente suspensa. Na minha casa, entra quem eu quero e quem cumpre as minhas regras.

Esse é um papel do TSE?
Eu penso que essa é uma decisão que preferencialmente cabe ao Congresso, onde já há um projeto de lei específico dizendo que, para operarem aqui, as plataformas têm de ter um representante específico e se subordinar à legislação brasileira. É simples assim. Conversei pessoalmente com o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do projeto (das fake news), e enfatizei a importância de que qualquer plataforma que opere no Brasil tenha representação aqui.[esperamos que na conversa o eventual consumo de tapioca não tenha sido bancado com dinheiro público; a China é bem exigente quanto à atuação das plataformas digitais.] 

Na ausência de uma ação do Congresso, o TSE pode adotar alguma medida em relação ao Telegram?

De modo geral, o Poder Judiciário não age de ofício, sem que haja uma provocação adequada. Acho muito possível que este pedido venha em alguma demanda ou perante o TSE ou o Supremo. Nesse caso, o tribunal não pode deixar de decidi-la por supostamente inexistir uma lei específica. [um dos partidecos de ... produzirá a demanda e uma vez demandado o Poder Judiciário assume PODERES LEGISLATIVOS - fica a impressão que um partideco qualquer passa a ter poderes de pautar o Poder Legislativo,com um ultimato ao Congresso,tipo: "ou vocês legislam sobre isso ou nós pedimos ao Judiciário para legislar.]  Portanto, teremos que decidir, na forma da Constituição e das leis, se alguém pode operar no Brasil fora da lei.
 
Como o senhor responde às críticas de que eventual suspensão do aplicativo afetaria a liberdade de expressão?
Liberdade de expressão não é liberdade para vender arma. Não é liberdade para propagar terrorismo, para apologia ao nazismo. Não é ser um espaço para que marginais ataquem a democracia. Portanto, ninguém quer censurar plataforma alguma, mas há manifestações que não são legítimas. É justamente para preservar a democracia que não queremos que estejam aqui livremente plataformas que querem destruir a democracia e a liberdade de expressão.[repetindo a pergunta: apologia ao comunismo pode? seria mais simples que o ministro respondesse à pergunta do repórter assumindo:"nós decidimos o que afeta ou não a liberdade de expressão."]
 
Na última quinta-feira, Bolsonaro voltou a "lançar dúvidas sobre a transparência das eleições e, sem apresentar provas, disse que foram levantadas supostas “vulnerabilidades” do sistema eleitoral. Como lidar com esses novos ataques?
O presidente tinha dado a palavra de que esse assunto estava encerrado. [em nossa opinião  e do alto de nossa notória ignorância jurídica entendemos que quem não concordar com uma decisão judicial tem o direito de recorrer;
Não houve, ao que sabemos, nenhuma decisão judicial estabelecendo que as urnas eletrônicas são seguras - nos parece que o ministro Barroso é que tem convicção da inviolabilidade das citadas urnas - e, novamente nos socorremos da nossa inconteste ignorância jurídica para expressar a opinião que um entendimento, não exarado em um processo judicial,  não tem força de decisão judicial???
Nos parece ser  um atentado à liberdade de expressão impedir que qualquer cidadão  manifeste opinião que contrarie a expressa por um magistrado fora de um processo judicial.
Só que na matéria fica a impressão que o ministro considera que alguém expressar opinião contrária a dele, é crime grave,hediondo.] Chegou a elogiar o sistema de votação eletrônico brasileiro. O filme é repetido, com um mau roteiro. Não há nenhuma razão para assistir à reprise. Antes, o presidente dizia que tinha provas de fraude. Intimado a apresentá-las, (ficou claro que) não havia coisa alguma. Essa é uma retórica repetida. É apenas um discurso vazio.
 
(...)

Em O  Globo - MATÉRIA COMPLETA

 

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Vírus do faz de conta - Luís Ernesto Lacombe

VOZES - Gazeta do Povo 

Não acaba nunca. Eles inventam inquéritos, reinventam, prorrogam apurações, mas nada provam... Já avisaram, aliás, que não precisarão mais de provas, eles sabem, eles sabem de tudo. Criam tipos penais e, num coro desafinado, ficam repetindo “fake news, desinformação, discurso de ódio”! Apoiam milícias digitais, agências de checagem, uma “polícia de conteúdo” que escolhe a dedo o que “investigar”. 
Apoiam covardes que organizam linchamentos e cancelamentos de quem ousa desconfiar, questionar, expor dúvidas, pedir explicações. É proibido o debate, é proibida a discordância. É obrigatório aceitar a verdade oficial.

Estamos há muito tempo nisso. Os arrogantes donos da verdade vão corroendo as liberdades, destruindo a democracia que juram defender. Censuram, calam, banem das redes sociais, prendem quem tem a certeza de que, como nos Estados Unidos, no Brasil não há crime de opinião. E ainda recebem aplausos por isso! Artistas, intelectuais, jornalistas, um grupo considerável dá apoio aos desmandos, à perseguição, à imbecilidade. A ditadura que criam é tão mal disfarçada. Essa gente que tenta se apropriar da bondade, da fraternidade, da luta pela liberdade, essa gente é recordista mundial de falsidade, de hipocrisia.

Os candidatos fingem que suas propostas são positivas para o país, que suas comparações são legítimas. Os magistrados fingem que suas togas são capas de super-heróis

Todo apoio à libertação dos verdadeiros bandidos... E ninguém diz nada! Nem mesmo quem combateu o maior esquema de corrupção já montado no Brasil. Transmutado em pré-candidato à Presidência da República, ele anda por aí, comparando a inflação de agora com a gerada pelo desgoverno Dilma e com a hiperinflação das décadas de 1970 e 1980. Ele compara mensalão e petrolão com rachadinha... E ninguém diz nada! 
Claro, a velha imprensa tem sua guerra particular e continua vendo a miragem do fascismo num deserto em que não há sequer um oásis de honestidade.
 

Ninguém diz nada também quando outro candidato fala em regulamentar a mídia, a internet, em revogar uma reforma trabalhista, acabar com o teto de gastos, rever privatizações, a autonomia do Banco Central. É como se fosse um “vírus do faz de conta”. Os candidatos fingem que suas propostas são positivas para o país, que suas comparações são legítimas. Os magistrados fingem que suas togas são capas de super-heróis. A velha imprensa os apoia, magistrados e candidatos de oposição, e finge que o pior presidente da história é o atual. E, nesse caso, também parece não haver ainda uma vacina salvadora, segura e eficaz. Há, sim, um caldeirão em que podem arder aqueles que apontarem a infecção generalizada.

Luis Ernesto Lacombe, colunista - Gazeta do Povo - VOZES 

 

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

“CRIMES” E “CRIMINOSOS” QUE MAIS PREOCUPAM O STF Percival Puggina

Outro dia resolvi listar crimes inexistentes em nosso Código Penal e que, apesar disso, tiram o sono dos nossos ministros do STF. Medidas drásticas são tomadas contra quem caia na desgraça de ser enquadrado numa dessas condutas que tanto perturbam suas excelências.

Comparados à sinistra criminalidade real e à maldita corrupção, os fatos, em si, são de pouquíssima monta, nada é sério, mas enérgicas ações de contenção são adotadas. Há gente presa preventivamente por “crimes” em virtude dos quais ninguém vai para a cadeia. Muitos comunicadores tiveram suas vidas e suas empresas devassadas por caça-fantasmas. Instalou-se no país um clima de insegurança e medo, infeliz combinação que não infunde respeito. Apresento a seguir um resumo dessas condutas que excitam a imaginação de vários ministros do nosso Supremo. Observe que todos esses supostos crimes recebem denominações com efeito publicitário, sendo fartamente utilizadas nos sites e entre a militância de esquerda.

- Milícias Digitais
A palavra “milícia” remonta à campanha de 2018 e “miliciano” foi uma das etiquetas que lhe tentaram colar no candidato Bolsonaro. Posteriormente, ressurgiu num desses inquéritos aberto no STF, que a Corte faz questão de manter aberto como intimidador cadafalso erguido na praça.

- Atos Antidemocráticos
Atos antidemocráticos são manifestações propondo o fechamento do STF ou do Congresso, são os fogos de artifício sobre o prédio do Supremo. Um povo a quem os poderes de Estado voltam as costas, sem vislumbrar saída pelo curso da política, talvez expresse assim sua inconformidade. Penso que os poderes de Estado, bem antes de abrir inquéritos, deveriam ponderar as razões desse desalento. Elas não estão na população.

- Discursos de Ódio
Discursos não são tramas de bastidores.
Existem bastidores onde se instalou um ódio que raramente aparece em discurso. É convenientemente sutil a diferença entre indignação e ódio. Tratar a tudo como “discurso de ódio”, algo criminoso, tem o poder de inibir a justa e necessária manifestação de indignação, própria das democracias.

- Desconfiança nas instituições
O sujeito que ainda hoje deposita estrita confiança nas instituições legadas pela Constituinte de 1988 pode até ser brasileiro, mas imigrou e hoje é cidadão honorário do mundo da lua.

- Negacionismo e recusa ao mandamento vacinal
O que ainda hoje não se sabe sobre a origem do vírus SARS-CoV-2, permite severas desconfianças, suspeitas e até mesmo especulações. Não é diferente em relação às vacinas. 
Por que seria visto como “ato criminoso” manifestar em público o que tanto se discute em ambiente privado? 
Afinal, não são os próprios laboratórios que mudam, eles mesmos, suas avaliações sobre eficácia e durabilidade? 
O que estão a ensinar-nos os navios de cruzeiro que chegam ao litoral brasileiro com doentes a bordo?

- Apostasia à Nobre Ordem dos Guardiões das Urnas
Se você ainda acha inusitada a pressão do STF/TSE sobre o Congresso para evitar a aprovação das urnas eletrônicas com votos contáveis na eleição deste ano, você entrou em conflito com a Nobre Ordem dos Guardiões das Urnas. E fez isso na mais radical versão desse confronto, aquela que não aceita as garantias juradas pelo grão-mestre da ordem.

***

Você tem razão. Nada há a ser dito sobre combate à corrupção. Está fora da pauta.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Moro no impasse - Merval Pereira

O Globo 

Mais uma caçada de Bolsonaro


O presidente Jair Bolsonaro está fazendo movimentos bruscos como se estivesse tentando desmontar um esquema que objetiva tirá-lo da presidência da República. Mesmo que esse esquema só exista na sua cabeça conturbada, e na de seus filhos. Suas ações são muito semelhantes às de presidentes que acabaram impedidos de continuarem seus mandatos, como Collor ou Dilma. Tudo começa e termina com a difícil relação com o Congresso. Como Collor, eleito por um partido nanico, o PRN, decidiu governar sem o apoio de uma base parlamentar.

Até  mesmo a ministra da Agricultura, Teresa Cristina, uma unanimidade, está sendo perseguida pelas milícias digitais. Talvez o segredo de toda crise seja essa, a unanimidade. Ministros com boa aceitação popular são alvos das redes sociais, não são confiáveis ao núcleo duro do bolsonarismo. Muitos militares também não, e pode acontecer com eles o mesmo que já aconteceu com Santos Cruz, por exemplo, derrubado por uma campanha de Olavo de Carvalho.


[a situação do Collor era bem diversa da condição de Bolsonaro:
- Collor era alvo de denúncias de irregularidades, no popular 'tinha o rabo preso' - denúncias das quais foi absolvido pelo Supremo.
O parágrafo abaixo mostra bem a situação do atual senador e também a da Dilma, que estava complicada e a menor acusação contra ela, era: incompetência e corrupção.
A ministra Teresa Cristina, permanece firme e forte, tendo o presidente Bolsonaro a inteligência de se manter fora do assunto.
Inteligência que também faz com que saiba que as investigações da PF não dependem da vontade presidencial, do ministro da Justiça ou do diretor-geral da instituição Polícia Federal - condição que a reveste quando investiga.]


Quando tudo já estava perdido, com denúncias de irregularidades de todos os lados, ele tentou se aproximar do Congresso com acordos de última hora e montando um ministério de notáveis para lhe dar credibilidade. O ministério funcionou tão bem que seus integrantes atravessaram a crise política sem macular suas biografias. Mas o apoio do Congresso não veio, e Collor caiuDilma, que passou seu primeiro mandato gastando o crédito de popularidade que seu mentor Lula deixou de legado, herdou também o escândalo do petrolão e, unindo corrupção e incompetência, caminhou para o patíbulo. 
Tentou ainda distribuir cargos aos parlamentares que teoricamente formavam sua base de apoio, mas já não havia escapatória. Interessante notar que Lula montou uma super base partidária, justamente com o propósito de evitar o impeachment, mas a base era de vidro e se quebrou na primeira oportunidade.

Bolsonaro vai pelo mesmo caminho, embora não exista nenhum processo de impeachment a ameaça-lo, apenas no mundo virtual em que vive, fora da realidade. Ainda mais agora, em meio a uma pandemia. Mas Bolsonaro começou a caçar seus potenciais adversários de 2022, disposto a acabar com superministros, ou com a ala técnica de seu ministério, fortalecendo a ala ideológica e seus pares militares.
Foi-se Luiz Henrique  Mandetta, que havia se transformado em superministro pela atuação no combate à Covid-19. [comícios diários. cujos aspectos positivos eram sempre maximizado pelo imprensa e falhas ou mesmo críticas, passíveis de serem interpretadas como negativas, eram minimizadas.
Sem esquecer que Mandetta chegou ao ponto de trombar com o Presidente da República  e  jactar-se  do feito.
O ministro Guedes além da oposição sistemática alguns parlamentares, teve a pouca sorte de uma pandemia a sustentar medidas desfavoráveis ao seu liberalismo.
Moro, ao defender a manutenção do  subordinado e tornar público seu aviso ao presidente de que se Valeixo saísse ele também sairia, deixou ao presidente Bolsonaro duas alternativas:
exonerar Valeixo;
ou exonerar Valeixo e o próprio ministro.
O delegado da PF teve a lealdade para com o ministro de pedir demissão - algumas matérias veiculadas hoje dizem que não houve pedido, mas o Decreto publicado no DF cita claramente que foi a pedido.
Neste caso vale o que está escrito.]  O liberaLismo de Paulo Guedes anda em baixaO guru da família Bolsonaro, aliás, acha que os militares, de maneira geral, são inconfiáveis. Mas há outra razão, tão ou mais forte, para que o presidente Jair Bolsonaro tenha a Polícia Federal na alça de mira: é ela que investiga as denúncias contra seu filho, senador Flávio Bolsonaro, e ao mesmo tempo o gabinete do ódio, origem as fake News disparadas nas redes sociais sob a coordenação de outros filho, o vereador Carlos Bolsonaro.

A irritação de Bolsonaro chegou ao máximo com o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, quando soube que, a pedido do Supremo Tribunal Federal (STF), ele manteria no novo inquérito sobre as manifestações antidemocráticas aberto pelo Procurador-Geral da República a mesma equipe que já investigava o inquérito de fake news, ambos tendo como relator o ministro Alexandre de Moraes. O ministro da Justiça, Sérgio Moro, reage, ameaçando demitir-se, por sentir que perderá o poder que tem, e sobretudo o poder que acham que tem. Provavelmente não conseguirá nomear o próximo diretor-geral, nem evitar que uma substituição política seja feita.

Moro não tem nem a saída de fazer um acordo com Bolsonaro para ir para o Supremo Tribunal Federal na vaga de Celso de Melo pois, além de esse escambo ferir definitivamente sua imagem política, não há como acreditar na palavra de Bolsonaro. Tanto Moro quanto Bolsonaro meteram-se em um impasse de difícil solução. Se for para deixar que Moro indique o próximo diretor-geral da Policia Federal, por que Bolsonaro fez tamanha confusão? Será que seu problema é pessoal com Mauricio Valeixo? Claro que não.

Se Moro aceitar a saída de Valeixo, mesmo que indique o novo diretor-geral da PF, estará desmoralizado. Caso tenha que pedir demissão, só tem uma saída política: cair atirando, para manter sua popularidade e, sobretudo, sua credibilidade. Se sair e se retirar para um magistério no exterior, por exemplo, terá feito um mau negócio ao trocar o papel de juiz da Lava Jato pelo ministério da Justiça.

Merval Pereira, jornalista - O Globo




sábado, 1 de fevereiro de 2020

Melhor para Bolsonaro - Merval Pereira

O Globo

Regina Duarte tem todas as condições para assumir a Secretaria de Cultura, e integrará a parte tecnicamente competente do governo Bolsonaro. Ela conhece bem o ambiente cultural brasileiro, é séria e sensata, e acredito que não seja adepta dessa política de bateu, levou, e de ficar falando mal das pessoas pelas redes sociais.  Até agora, foi a melhor indicação do governo Bolsonaro para a Cultura. Ela enfrentará muitas dificuldades, mas acredito que terá condições de fazer um acordo na área cultural, pois uma parte influente já se convenceu que ajudar Regina Duarte a fazer um trabalho de apaziguamento é mais benéfico para a classe como um todo do que permanecer nessa guerra ideológica que só leva ao isolamento.

O problema maior será mesmo o próprio presidente Bolsonaro e seu entorno, especialmente os filhos, que não têm uma visão do que seja cultura, e atiçam sus milícias digitais para derrubar qualquer ministro que se coloque acima dessa radicalização patética que rege o governo Bolsonaro. O exemplo do General Santos Cruz é autoexplicativo. Um militar sensato, sensível, que entendeu a grandeza da presidência da República, amigo do presidente há mais de 40 anos, foi abatido por intrigas palacianas de quinta categoria, e até mesmo mensagens falsas de WhatsApp foram montadas para inviabilizar sua presença no Palácio do Planalto, onde era das poucas vozes sensatas a aconselhar o presidente da República.

Na verdade, Bolsonaro emprenha-se pelo ouvido, como se diz popularmente. Qualquer intriga tem boa acolhida no perfil paranóico do presidente Bolsonaro, que acha que esta sendo sabotado por todos à sua volta, com exceção dos filhos, quando, na verdade, são os filhos que o boicotam involuntariamente O governo começou defendendo “filtros” nos financiamentos públicos de filmes e peças de teatro, o que provocou a demissão do primeiro secretário de Cultura, Henrique Pires, em protesto contra a vedação de financiamentos para filmes de temática LGBT.  Regina Duarte já se manifestou a favor de financiamentos de filmes como Bruna Surfistinha, que o presidente Bolsonaro já disse que não deveria ter sido financiado com dinheiro público. Como se coubesse ao governo definir que tipo de filme o cidadão deve assistir.

Usar o dinheiro público para financiar filmes de cunho religioso, ou que enalteçam os valores da família cristã é que não é papel de um governo laico e republicano. [da mesma forma não é papel de um governo laico e republicano,  financiar filmes  pornôs, atentatórios a todos os valores que norteiam uma sociedade digna.
Ou governo laico e republicano é sinônimo de pró pornografia?] Regina Duarte já deu entrevistas onde revelou, mesmo antes de ser nomeada, e também muito antes de essa hipótese ser aventada, que considerava, por exemplo, que a Lei Rouanet não deveria ser utilizada por pessoas famosas, que encontram patrocínios com facilidade.  Ela, no entanto, já fez uso da tal lei de incentivo à cultura, e tem uma prestação de contas em disputa na secretaria de cultura. Regina também já criticou essa polarização política que domina a área cultural, reflexo da disputa entre esquerda e direita também aqui.

Regina Duarte já se disse respeitadora dos que pensam diferente dela, se define como um conservadora, mas não distrata os de esquerda. Mas recentemente retuitou um vídeo de crítica ao que chamam de “marxismo cultural”, dando apoio integral.
Tem sido atacada com leviandade e grosserias por um tipo de esquerdista que se considera dono da verdade, que não admite que ela tenha aceitado o cargo. Aceitar ser parte do governo Bolsonaro seria uma prova de que ela é uma fascista, o que por si só é uma bobagem histórica. Ser de direita não é ser fascista. Querer participar de um governo ideologicamente afinado com seu pensamento é um sinal de dedicação à cultura, ainda mais Regina Duarte, que não precisa mais de prestígio popular. Ao contrário, a incorporação dela ao seu ministério ajuda muito mais a Bolsonaro. Espanta-me a alegria com que Regina Duarte está assumindo cargo tão espinhoso, parece que ela não tem ideia do que Bolsonaro pensa sobre a área que vai comandar. É uma fria assumir a Cultura, mas Regina Duarte tem todas as qualificações. Inclusive tamanha popularidade que pode constranger eventuais arroubos autoritários na área. 

Merval Pereira, colunista - O Globo


sexta-feira, 9 de novembro de 2018

O novo contra o velho

 Na política, o velho resiste a morrer


O cientista político Antonio Gramsci, fundador do Partido Comunista Italiano, cunhou uma frase que pode bem definir o momento que estamos vivendo: “O velho resiste em morrer, e o novo não consegue nascer”. Gramsci se referia a outros tempos, mas os que estamos vivendo aqui no Brasil hoje tem as mesmas características. Pode ser que o novo que apareceu não seja a melhor solução, mas é o que temos no momento.  O povo, através do voto, fez uma limpa quase geral na classe politica tradicional, e sobreviveram apenas uns poucos caciques, que manobravam o cenário político nos últimos 25 anos em benefício próprio e dos seus próximos. Mas parece que não entenderam o recado das urnas.

Um dos que não sobreviveram foi o ainda presidente do Senado, Eunício de Oliveira, que aproveitou para ir à forra, com o dinheiro público. Botou para votar, do nada, o aumento do Judiciário que estava congelado depois de aprovado na Câmara, por questões de economia.  Não há dúvida de que os juízes merecem ganhar bem, assim como toda carreira do sistema judicial tem que ser bem remunerada. Mas, como disse o presidente eleito, não era o momento. Um Senado já superado pelas urnas, com a maioria de votos de senadores não reeleitos pelo povo, resolveu fazer uma benesse ao Supremo Tribunal Federal, que tem efeito cascata.

O presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, agradeceu a decisão do Senado, cujos ocupantes receberam telefonemas de ministros e juízes para aprovarem o aumento, um lobby legítimo mas temerário no momento em que diversos senadores têm processos correndo na última instância do Judiciário.  O argumento dos ministros é correto, pois os salários estão defasados mesmo. E argumentam que o auxilio moradia será extinto, compensando o choque do aumento no orçamento. Bom argumento, mas seria mais republicano, digamos assim, que o Conselho Nacional de Justiça acabasse primeiro com as distorções desse auxílio, que na maior parte das vezes é usado como uma compensação salarial justamente para repor a defasagem.

Se dessem o exemplo, cortando vantagens que são estranhas ao cidadão comum, não poderiam ser acusados de pensarem apenas em seus interesses. Também os senadores usaram o caso para mandar um recado ao presidente eleito Jair Bolsonaro, que fez um apelo para que o aumento não fosse dado nesse momento.  Quando o superministro da Economia Paulo Guedes disse que o Congresso precisaria de “ uma prensa” para aprovar as reformas, inclusive a da Previdência, ainda no governo Temer, o ainda presidente do Senado deu uma risada e comentou: “Ele não sabe como a coisa funciona”. E tratou de demonstrar, na prática, como a banda toca.

É uma banda antiquada, que já saiu de moda, mas ainda tem o controle da programação e insiste em não sair do palco, mesmo com os convidados não gostando, não dançando, e vaiando. Outras surpresas virão devido a uma incongruência de nosso calendário eleitoral.  O novo Congresso só toma posse em fevereiro, e os que foram, na maioria, cassados pelo voto popular, continuam com a caneta na mão até janeiro. O futuro presidente governará quase um mês com um Congresso com prazo de validade prestes a expirar, e com o orçamento feito por um governo que está de saída.

Há maneiras de amenizar a situação, mas a falta de coerência é evidente. Vários projetos, que não tiveram o apoio da sociedade, voltam à pauta nos derradeiros instantes, para pagar dívidas ou, sobretudo, para tentar salvar a pele dos que perderam o foro privilegiado com o fim do mandato.  Há de tudo um pouco: proposta para reduzir os efeitos das delações premiadas, para acabar com a prisão em segunda instância, para reduzir o poder de fogo dos que hoje combatem a corrupção com formidável êxito. E amanhã estarão mais que nunca no poder, com a chegada do Juiz Sergio Moro como também superministro da Justiça e Segurança Pública.

Não será fácil para o novo governo aprovar reformas que são impopulares, ou reforçar a legislação de combate ao crime organizado e à corrupção. Mas não será também com “prensas” ou “tratoramento” que os congressistas se curvarão.  Sempre será preciso negociar com o Congresso e com as corporações. Tentar pressionar com milícias digitais se tornará uma maneira antidemocrática de persuasão. Pode até ser que o novo que tenta nascer não seja tão novo assim, e repita os velhos hábitos. Mas é preciso virar a página e recomeçar em novas bases esse jogo político.  O cidadão já deu seu recado. Se os políticos fizerem ouvidos moucos, teremos crise em cima de crise e só aprofundaremos nossos problemas.

Merval Pereira - O Globo