Todo mundo já leu em algum lugar a famosa frase do francês Frédérik Bastiat:
“O Estado é a grande ficção pela qual todo mundo se esforça para viver à custa de todo mundo”.
Ele escreveu essa frase sarcástica no final do século XIX e a realidade
desde então só piorou. Nos albores do século XX no mundo todo o Estado
não se apropriava de mais do que 4% do PIB e, mesmo nos EUA, hoje em dia
já leva para mais de 30% do PIB. No entanto, essa frase não é
verdadeira por um simples motivo: o Estado é mais do que uma realidade
distribuidora de renda. Muito mais. É o Poder. Temos, para explicar o
Estado, que sair do sarcasmo de Bastiat e penetrar nas suas entranhas.
Quando digo que o Estado é o Poder
quero dizer que ele tem em si um elemento numinoso que não pode ser
esquecido. O Estado tem a função legisladora e aqui começa a trama
infernal. Os antigos sabiam que a lei brotava essencialmente de sua
fonte transcendente, daí falarem em lei natural e em direito natural.
Os modernos transpuseram e esqueceram essa realidade e fizeram da razão
humana a fonte legisladora, construindo um sistema legislativo
inteiramente idealista. Aqui começa toda a confusão. Antes havia um
balizamento claro e a lei nascia diretamente de Deus; agora o arbítrio
do governante do dia e suas idiossincrasias é que legislam,
transformando o Estado em fábrica de injustiça. São os novos tempos de
Maquiavel e Gramsci.
É
o Estado moderno (diferente do Estado antigo) um usurpador das coisas
divinas e a tentação de querer produzir maná como Deus e de eliminar os
problemas existenciais é mais do que um discurso. Os sacerdotes estatais
(sim, o Estado é uma igreja de Satanás e tem a sua liturgia. Basta ver
uma sessão do nosso STF) fazem o discurso seriamente e tentam de todas
as formas alcançar suas metas impossíveis colocadas nas promessas vãs ao
populacho. Quanto mais tentam superar a escassez, sua velha inimiga
invencível, mais atolam o mundo em crises econômicas e políticas. Não
conseguem superar a realidade de que o homem tem que ganhar a vida com o
suor do próprio rosto. O Estado distributivista é um ladrão que sufoca
aqueles que trabalham em nome do suposto bem estar social. Do vício
jamais poderá brotar qualquer virtude ou bondade.
Eu quero dar minha própria definição de Estado. Ele é uma realidade organizacional (não uma ficção) que legisla e faz valer sua vontade sobre todos.
A magia da legislação estatal acaba quando vemos que suas leis falsas e
injustas só valem porque têm atrás de si polícias para todos os gostos,
a começar pelas Forças Armadas que enquadram os recalcitrantes,
passando pelos fiscais da Receita, Polícia Federal, Agências
Controladoras, pelos fiscais das prefeituras até a delegacia de Polícia
da esquina. É uma enorme máquina de repressão que não deixa brecha para a
liberdade ou, melhor dizendo, a liberdade virou uma concessão em
respiros estreitos naquilo que o Estado ainda não quis estender seu
poder organizacional.
Essa realidade de organização repressora
permite ao Estado manter a unidade de vontade de cima para baixo,
aparecendo o legislador impessoal no topo da pirâmide. A Constituição é
uma espécie de Bíblia que norteia seus movimentos como se lei sagrada
fosse. A legislação ordinária também segue a trilha numinosa do poder
transcendente. Qualquer esbirro da lei, seja militar, fiscal, delegado,
juiz ou o que seja, se sente muito feliz de fazer valer sua letra, mesmo
que mais das vezes se trate de uma flagrante injustiça e cassação plena
da liberdade individual. A começar pelo escorchante sistema tributário,
que sufoca e tunga aqueles que ganham a própria vida.
{É
bom lembrar que, querendo ou não, há que se cumprir a lei natural, que
desaba sobre a cabeça dos rebeldes como uma tijolo na cabeça. A isso
chamamos de crise, econômica, política e social ou qualquer nome que a
ela se queira dar. Guerras são o desdobramento mais catastrófico do
império da lei natural contra os rebeldes. A natureza sempre irá agir.}
É
claro que a classe política e a vasta burocracia se locupletam com a
massa de impostos. Claro também que o sistema de legitimação impõe o
discurso populista, que o povo miúdo em geral não compreende mas aceita,
ansioso por receber um quinhão das verbas estatais. Bolsa família,
aposentadoria, Saúde e Educação supostamente de graça, assim como
Transporte estão na ordem do dia do discurso dos que querem se fazer
governantes. A campanha eleitoral em curso é um resumo laboratorial
dessa enorme loucura nascida da mentira.
Obviamente
que o Estado não gera recursos e, antes de dar algo a alguém, precisa
tirar de outro. É a fábrica de crises. No Estado antigo apenas uma
pequena elite militar vivia às custas do contribuinte; agora é uma vasta
chusma de parasitas que grita em praça pública pelo direito de viver às
custas dos outros. Foi isso que Bastiat viu, um relance apenas de uma
realidade mais vasta. Toda
uma produção supostamente teórica foi criada para justificar essa
pletora estatal. Um exemplo é a obra de Karl Marx e seus discípulos, que
radicalizaram na proposta de exercitar o poder no limite de todos
virarem servos do Estado, renunciando à própria individualidade. Onde se
construiu Estado sob a ótica marxista, eliminando o elemento natural da
organização social, a sociedade das livres trocas, produziu-se a mais
profunda escassez, a fome artificial, a pobreza desnecessária e por isso
mais cruel. O caso atual da Venezuela é eloquente demais, fazendo
lembrar o que houve na antiga URSS, em Cuba, na Coréia do Norte e em
toda parte em que o credo marxista se fez presente. Sem esquecer a China
de Mao Tse Tung, que matou muita gente de fome pelo artificialismo
econômico.
Outra
linha é a proposta por Keynes e seus apaixonados seguidores. Keynes se
fez de sonso, esquecendo-se das lições que recebeu dos economistas
clássicos. Viu falsamente que o Estado poderia interferir legitimando-se
para combater as crises econômicas recorrentes. Crises são dados da
realidade humana e não podem ser eliminadas com o voluntarismo, mas
podem ser agravadas. No Ocidente, Keynes foi muito mais pernicioso do
que Marx, pois sua obra influenciou a administração de praticamente
todos os Estados nacionais contemporâneos. É o teórico preferido dos
socialistas que empolgaram o poder em toda parte. Se tivesse um mínimo
de senso não teria proposto a emissão de moeda falsa como caminho para
superar a escassez. Moeda falsa nunca será transformada em maná. O
keynesianismo é uma doença que está carcomendo todo o Ocidente.
O
Estado se move como Poder e seus administradores querem apenas o poder.
Se apossar de rendimentos é apenas uma consequência da posse do poder.
Ocorre que os tempos de golpes de Estado para empossar novos príncipes
já foram superados, com o triunfo da democracia moderna. Para se chegar
ao poder é necessário cortejar as massas, que sempre invejaram aqueles
que tinham renda estatal. Então os novos príncipes não têm pejo de
propor a elas mais e mais serviços e rendimentos grátis, como se
isso fosse possível. Estamos vendo agora a discussão sobre a Previdência
Social no Brasil. A superação da sua crise se dará por cortes nos
benefícios, pela elevação de contribuições e pela elevação da idade
mínima, ou seja, seu financiamento só pode acontecer às custas dos
próprios beneficiários. É simples assim.
O
Estado é essa realidade organizacional construída verticalmente, que só
sobrevive pelo poder de polícia e pelo poder militar. O braço estatal é
sempre impiedoso contra aqueles que não cumprem a sua vontade, vale
dizer, contra aqueles que infringem a lei. As distopias que visualizam o
futuro próximo com a mais completa escravidão das pessoas relatam uma
ameaça real. As novas tecnologias deram os meios para que o controle
estatal alcance os recantos mais íntimos da vida das pessoas. As frestas
de liberdade tendem rapidamente a desaparecer. Satã é o governante de
fato dos reinos desse mundo.
Quem viver verá.