Outro dia, antes do início da guerra na Ucrânia, o jornalista americano Thomas Friedman escreveu que o melhor lugar para se acompanhar a crise é tentando entrar “na cabeça de Vladimir Putin”.
Diversas pessoas já tentaram mapear essa cabeça, da alemã Angela Merkel à ex-secretária de Estado americana Madeleine Albright. O presidente russo é frio como cobra.
Em dezembro de 1989 ele estava na sede da KGB, em Dresden, na falecida Alemanha Oriental, quando uma multidão se aproximou da casa. Ele foi para o portão, disse que era um intérprete e recomendou que fossem embora, do contrário seus compatriotas atirariam. Deu certo, mas não havia atiradores.
Dois anos depois a Alemanha Oriental se acabara, a União Soviética derretera e a Rússia perdera cerca da metade de seu Produto Interno. Putin havia voltado para São Petersburgo e trabalhava com o prefeito da cidade. Para fechar o orçamento familiar, fazia bicos como motorista. Lembrando essa época numa entrevista, foi breve: “É desagradável falar sobre isso, mas infelizmente foi o caso”.
Em dezembro de 1989 ele estava na sede da KGB, em Dresden, na falecida Alemanha Oriental, quando uma multidão se aproximou da casa. Ele foi para o portão, disse que era um intérprete e recomendou que fossem embora, do contrário seus compatriotas atirariam. Deu certo, mas não havia atiradores.
Dois anos depois a Alemanha Oriental se acabara, a União Soviética derretera e a Rússia perdera cerca da metade de seu Produto Interno. Putin havia voltado para São Petersburgo e trabalhava com o prefeito da cidade. Para fechar o orçamento familiar, fazia bicos como motorista. Lembrando essa época numa entrevista, foi breve: “É desagradável falar sobre isso, mas infelizmente foi o caso”.
Folha de S.Paulo - O Globo
Putin é frio como uma cobra
Esse anônimo burocrata, que viu o fim do império soviético e a exaustão do Estado russo, governa o país há 22 anos com mão de ferro.
Vendo-se a figura de Putin nos salões da Rússia imperial, vale a pena lembrar que Vladimir já teve que trabalhar como chofer para fechar as contas.
A referência do vice-presidente Hamilton Mourão ao xadrez diplomático de 1938, quando o primeiro-ministro inglês Neville Chamberlain e muita gente do andar de cima inglês defendiam uma política de “apaziguamento” com Hitler, ecoa um livro que saiu em 2019 nos Estados Unidos. Chama-se “Appeasement” (“Apaziguamento”), do historiador inglês Tim Bouverie. Magnificamente pesquisado, ele mostra friamente como e porque Chamberlain construiu a política que o levou a Munique, onde entregou parte da Tchecoslováquia aos alemães. Tinha o apoio da cúpula militar e dos principais jornais ingleses.
Faltava-lhe a simpatia de um leão: Winston Churchill. Ele assumiria o cargo de primeiro-ministro em 1940. [De Churchill sobre o apaziguamento: Diante da política de “apaziguamento” com os nazistas, Churchill profetizou: “Entre a desonra e a guerra, eles escolheram a desonra, e terão a guerra”. Churchill sabia que “um apaziguador é alguém que alimenta um crocodilo esperando ser o último a ser devorado”. Essa percepção se aplica perfeitamente ao caso atual envolvendo a Ucrânia.]
Com o tempo, a conta do apaziguamento foi toda para Chamberlain. Bouverie mostra que não foi bem assim. Em julho de 1938, Lord Halifax, ilustre conservador e ministro das Relações Exteriores, disse a um ajudante de ordens de Hitler que gostaria de ver o Führer em Londres, sendo aplaudido ao lado do rei George VI. Em setembro, Chamberlain foi a Munique e acertou-se com Hitler.
Dias depois a tropa alemã ocupou parte da Tchecoslováquia e em março de 1939 tomou o resto.
Problemas para amanhã
Na melhor das hipóteses, a invasão da Ucrânia criou dois problemas para amanhã. Cada um para um lado da questão:
Putin deverá lidar com o movimento de resistência dos nacionalistas ucranianos.
Os países europeus deverão lidar com centenas de milhares, senão milhões, de refugiados em busca de fronteiras que estiverem abertas para recebê-los.
(...)
Vendo-se a figura de Putin nos salões da Rússia imperial, vale a pena lembrar que Vladimir já teve que trabalhar como chofer para fechar as contas.
Mourão e 1938
A referência do vice-presidente Hamilton Mourão ao xadrez diplomático de 1938, quando o primeiro-ministro inglês Neville Chamberlain e muita gente do andar de cima inglês defendiam uma política de “apaziguamento” com Hitler, ecoa um livro que saiu em 2019 nos Estados Unidos. Chama-se “Appeasement” (“Apaziguamento”), do historiador inglês Tim Bouverie. Magnificamente pesquisado, ele mostra friamente como e porque Chamberlain construiu a política que o levou a Munique, onde entregou parte da Tchecoslováquia aos alemães. Tinha o apoio da cúpula militar e dos principais jornais ingleses.
Faltava-lhe a simpatia de um leão: Winston Churchill. Ele assumiria o cargo de primeiro-ministro em 1940. [De Churchill sobre o apaziguamento: Diante da política de “apaziguamento” com os nazistas, Churchill profetizou: “Entre a desonra e a guerra, eles escolheram a desonra, e terão a guerra”. Churchill sabia que “um apaziguador é alguém que alimenta um crocodilo esperando ser o último a ser devorado”. Essa percepção se aplica perfeitamente ao caso atual envolvendo a Ucrânia.]
Com o tempo, a conta do apaziguamento foi toda para Chamberlain. Bouverie mostra que não foi bem assim. Em julho de 1938, Lord Halifax, ilustre conservador e ministro das Relações Exteriores, disse a um ajudante de ordens de Hitler que gostaria de ver o Führer em Londres, sendo aplaudido ao lado do rei George VI. Em setembro, Chamberlain foi a Munique e acertou-se com Hitler.
Dias depois a tropa alemã ocupou parte da Tchecoslováquia e em março de 1939 tomou o resto.
Problemas para amanhã
Na melhor das hipóteses, a invasão da Ucrânia criou dois problemas para amanhã. Cada um para um lado da questão:
Putin deverá lidar com o movimento de resistência dos nacionalistas ucranianos.
Os países europeus deverão lidar com centenas de milhares, senão milhões, de refugiados em busca de fronteiras que estiverem abertas para recebê-los.
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Elio Gaspari, colunista - Folha de S.Paulo e o Jornal O Globo