O Globo
Permitir uso político foi erro da Lava-Jato
O pior erro cometido pela Lava-Jato foi deixar-se usar politicamente e
parecer bolsonarista. Isso foi ótimo para o grupo que chegou ao
Planalto, mas prejudicial aos objetivos da operação. O movimento
anticorrupção é amplo, e o presidente Jair Bolsonaro não é um modelo de
ética. A manipulação política ficou mais fácil quando o juiz Sergio Moro
tirou a toga e foi para o Ministério da Justiça, onde, como diz seu
atual chefe, vive a “angústia” de não ter o poder que tinha. Em favor da
Lava-Jato, o procurador Deltan Dallagnol deveria pedir para sair da
força tarefa.
Moro deveria saber, mas não soube, que como foi da caneta dele que saiu a
sentença que acabou afastando o candidato que estava em primeiro lugar
nas pesquisas, ele jamais poderia ir trabalhar com o que estava em
segundo e acabou beneficiado, vencendo a eleição. Desde que assumiu, só
se enfraqueceu. Esta semana foi fritado pelo presidente: “Entendo a
angústia do Moro, mas ele não julga mais ninguém”. Moro entregou sua
toga e agora tem que ouvir isso do governante ao qual aderiu. Como cidadão, Moro pode ter preferência política. Como juiz, não
deveria. [curioso é que a sentença de Moro condenando o presidiário petista, já foi examinada com lupa, checagem de DNA, etc, por mais de 100 juízes, e NÃO FOI ENCONTRADO nada que comprometesse a lisura do juiz, a robustez das provas.
Agora, parte da imprensa insiste - ainda que ciente de que não vai colar - em contestar Moro, usando como fundamento o conteúdo de material roubado, sem nenhum valor como prova, e sem autenticidade comprovada.] Alguns integrantes da Lava-Jato deixaram claras suas
inclinações durante a eleição, favorecendo o uso político da operação.
Esse é o erro original. Se a Lava-Jato quiser reparar os estragos terá
que se mostrar acima das divisões partidárias.
O procurador Deltan Dallagnol permanece silencioso sobre o seu voto,
como mostrou na entrevista a Guilherme Amado na “Época” deste fim de
semana. Mas nela ele defende de novo a tese de que qualquer crítica aos
seus atos ou às suas palavras faz parte da reação do “sistema corrupto”.
Como se criticá-lo fosse defender a corrupção.
Mais do que uma ou outra frase, a visão geral que fica dos diálogos
divulgados pelo “The Intercept” é a de que havia uma camaradagem entre a
acusação e o juízo, o que é inaceitável dentro do devido processo
legal. O MP tem que fazer o máximo para condenar aqueles que acusa
diante da Justiça, como a defesa tudo faz na proteção do seu cliente.
Mas não se pode cruzar a linha que separa o juiz das partes. Nessa
travessia, a culpa maior é do juiz, se ele escolhe um lado antes de
julgar.
Adianta pouco alegar que houve crime de invasão dos aplicativos. Houve, e
isso está sendo investigado. O trabalho da imprensa, do site e depois
de outras publicações, é o de informar o que estava ali. Não
conversavam, Deltan e Moro, sobre assuntos da vida privada, mas sim da
vida pública. O coordenador da Lava-Jato em Curitiba foi essencial no trabalho de
divulgar a importância do combate à corrupção. Isso vacinou a operação
contra riscos que derrubaram outras investigações, como artimanhas de
acusados e a nulidade diante de qualquer pequeno pretexto. Assim, a
operação foi adiante e tem hoje um volume de contribuições ao país
inegável: esquemas desbaratados, criminosos punidos, delações que
revelam entranhas do país, dinheiro devolvido aos cofres públicos.
Quando Moro assumiu, disse que estava cansado de levar bola nas costas. É
o que mais tem feito atualmente. Se foi para o governo de olho numa
vaga no STF, calculou errado: o tempo de espera é longo e para ele ter o
prêmio terá que sempre fechar os olhos para os inúmeros fatos que antes
condenava: o laranjal do ministro do Turismo, a rachadinha no gabinete
do filho do presidente, as inúmeras vezes em que o presidente feriu o
princípio da impessoalidade. Para Bolsonaro, tudo é pessoal. Todas as
decisões que toma, ele mesmo anuncia que têm razões pessoais: do filé
mignon para os filhos ao ataque aos jornais. Para quem, como Moro, fez
uma carreira combatendo a improbidade administrativa fica incoerente.
Para dizer o mínimo. A Lava-Jato é admirada por combater uma velha chaga nacional. Inúmeros
políticos foram atingidos, além do ex-presidente Lula. Quem ajudou a
criar a confusão foram integrantes da própria operação, com os seus
erros. É isso que a ameaça, e não as eventuais críticas feitas a algumas
ações dos seus integrantes. A ordem da juíza da 13ª Vara Federal esta
semana, por exemplo, foi um despropósito e pareceu perseguição a Lula. [a juíza apenas cuidou de atender ao principio constitucional da LEGALIDADE, já que inexiste qualquer lei que estabeleça que ex-presidente da República condenado
à prisão tenha direito a prisão especial.
Juntar os partidos políticos no Brasil é questão de vento ou de flutuação; e a decisão do Supremo foi tomado ao arrepio do princípio da legalidade - ser 'guardião' da Constituição, não inclui o poder de modificar o texto constitucional.
Afinal, uma PEC pode ser inconstitucional, mas um mandamento constitucional não pode ser inconstitucional.]
De tão equivocada, conseguiu a proeza de juntar, contra ela, 12 partidos
e 10 ministros do Supremo. O maior perigo da Lava-Jato é interno.
Míriam Leitão - O Globo