Seu Nicanor, Rosa e Ivanette, tudo
bem?
Conto aqui as sandices que o SUS fez ao longo deste ano com vocês. E
vou comentar os seus avanço e retrocessos na batalha por um tratamento
decente em 2015.
Os
fatos ocorridos ao longo do último ano com o seu Nicanor e dona Rosa,
sua companheira de mais de quatro décadas, e dona Ivanette são exemplos
de que a falta de acesso aos serviços do SUS ameaça ser insolúvel, e não
só fruto das dificuldades inerentes à complexa implementação do
atendimento universal, como argumentam os que tentam justificar o
injustificável.
O condutor aposentado Nicanor, morador do bairro de São Mateus, em São
Paulo, 76 anos, espera há mais de um ano o agendamento do exame de
ressonância magnética pedido pelo neurologista do SUS para mostrar as
dimensões e gravidade do acidente vascular cerebral que sofreu (AVC).
Sem a ressonância, o médico diz que não pode prescrever a fisioterapia
que, em hospitais de primeira linha, começa tão logo o paciente consiga
abrir os olhos depois do AVC. Até hoje Nicolau não fez sequer uma
sessão.
Dona Rosa, 68 anos, casada com seu Nicanor, é uma guerreira. Há cerca de
vinte anos, quando a conheci em um ponto de ônibus perto da marginal
Pinheiros, ela contou que a PM tinha matado a tiros um dos seus filhos
nas ruas do bairro, perto de casa. “Ele era trabalhador, não era quem
procuravam. Mas mataram para perguntar depois.” Nos nossos encontros no
ponto de ônibus – ela era cozinheira de uma casa abastada e eu voltava
do trabalho na Editora Azul – dona Rosa dizia que um dia levaria os PMs
que assassinaram seu filho ao banco dos réus. Assim o fez, com a ajuda
da Pastoral dos Direitos Humanos. Mas a dona Rosa, tão batalhadora, uma
mãe-coragem, me disse que não sabe mais o que fazer e nem de onde tirar
forças para conseguir o agendamento o tal exame para o marido. As
consequências dessa demora para o seu Nicanor, sabemos, podem ser
irreversíveis. A fala piora, os movimentos ficam mais difíceis, a visão
se esvai, a depressão e a desesperança aumentam.
A outra história é a da dona Ivanette, 66 anos, que espera desde janeiro
por atendimento especializado para uma dor insuportável causada por
fragmentos de ossos alojados nas extremidades dos seus pés. A origem do
problema é uma deformação nos pés em consequência de graves queimaduras
sofridas na infância, o que teria criado condições para o aparecimento
de uma doença chamada osteomielite.
Pela
complexidade do caso, nenhum médico de Unidade Básica de Saúde quer
tratá-la. Depois de muitas tentativas, dona Ivanette foi encaminhada a
um ortopedista do Hospital Santa Marcelina. Foi tão maltratada que a
família decidiu fazer uma reclamação formal à Ouvidoria contra o
hospital. Em novembro, ela foi finalmente encaminhada a uma triagem no
Hospital das Clínicas de São Paulo (HCSP). Mas, em vez da ortopedia, a
consulta foi marcada no setor de Cirurgia Plástica! Dona Ivanette foi
lá, é claro. Foi muito bem atendida, mas saiu dessa consulta com mais um
encaminhamento para outra consulta.
De
volta ao Santa Marcelina, para pedir ao hospital que remarcasse a
consulta com os especialistas certos, soube que, na verdade, não havia e
não há vagas no Grupo de Pé do Hospital das Clínicas de São Paulo. Sua
dor, portanto, teria que esperar. A
esperança de dona Ivanette é aguentar até 28 de abril de 2015, dia para
o qual conseguiu, com muito esforço e ajuda de conhecidos, uma consulta
no ambulatório de Fisiatria do Instituto de Ortopedia do Hospital das
Clínicas. Até lá, corre riscos de ter uma infecção grave e muitas outras
complicações. Por que não vai ao médico particular? Além de uma
consulta com especialista custar, em média, mais de R$ 700,00, ela e sua
família não têm como pagar o tratamento.
O que se diz depois de ouvir o seu Nicanor, a dona Rosa e a dona Ivanette? "Paciência, o SUS é assim mesmo. É muita gente". Para
muitos, são histórias chatas e que podem ser vista em cada esquina.
Raciocínio capcioso esse - melhor deixar pra lá as mazelas que se
repetem tanto que a gente cansou de ouvir e nem tem o poder de resolver.
Pensando nisso, vou contar os avanços e retrocessos deles aqui no blog
na sua procura pelo atendimento universal garantido pelo SUS. Uma saga que depende de sorte, coragem, paciência, persistência...
Depois
de revisitar essas histórias, leio que as autoridades do Maranhão
concederam uma pensão vitalícia de R$ 24.000 reais por mês para a
Roseana Sarney, que deixou o cargo com medo de ser presa após seu nome
aparecer na operação Lava Jato. O que liga um fato ao outro? Um
sentimento de vergonha e indignação pelo desrespeito com que somos
tratados no País.
Fonte: Mônica Tarantino- Repórter de Saúde ISTOÉ