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domingo, 30 de junho de 2019

Querem lustrar a medicina de quem pode pagar à custa da Viúva

A privataria com o Sírio no Canecão 

É deboche ceder terreno da UFRJ para Sírio-Libanês - Conceder terreno da UFRJ é debochar da História 

Cozinha-se no andar de cima do Rio de Janeiro a possibilidade de concessão do terreno da Universidade Federal (UFRJ), onde funcionou a casa de shows Canecão, na boca do túnel que leva a Copacabana, para a instalação de uma filial carioca do Hospital Sírio-Libanês. Seria a privataria debochando da história. No século passado, quando o Rio tinha a elite médica do país, a Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil funcionava ali perto e grandes doutores como Oswaldo Cruz, Paulo Niemeyer e Ivo Pitanguy associavam sua fama à medicina pública.

A essa época a Faculdade de Medicina de São Paulo começava a crescer, associada ao seu Hospital das Clínicas (público). Do HC irradiou-se uma competência que ajudou a produzir hospitais como o Sírio, o Albert Einstein e a Beneficência Portuguesa (BP). No Rio, o Hospital da Clínicas claudica há mais de 50 anos e a grande medicina privada ficou para trás, junto com a pública. Conceder o terreno da Canecão ao Sírio, ou a qualquer hospital de endinheirados, é debochar da história. Se o Sírio entrar no negócio e quiser fazer um hospital para atender sobretudo a pacientes do SUS, parabéns.

Se a universidade precisa de dinheiro, deve conceder o terreno a quem pagar melhor. Se um hospital abonado precisa de espaço, pode comprá-lo, onde bem entender. Fora disso, é pura privataria, lustrando a medicina de quem pode pagar, à custa do patrimônio da Viúva. O andar de cima do Rio ressente-se da falta de um bom hospital, mas deve resolver esse problema no mercado. A plutocracia de São Paulo, como a de Nova York, tem bons hospitais porque patrocinou-os.

O Sírio nasceu na casa de Adma Jafet, o Einstein teve o amparo da comunidade judaica e de Joseph Safra. A Beneficência foi a menina dos olhos do bilionário Antônio Ermírio de Moraes. Quando o Memorial Sloan-Kettering de Nova York precisou de mais terreno, John D. Rockefeller Jr. doou-o. Quando precisou de mais dinheiro, ele veio de Alfred Sloan e Charles Kettering. Eram dois magnatas da General Motors.Qundo a GM acabar, eles serão lembrados pelo hospital.
(...)

Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e durante dez anos foi filiado ao sindicato dos garçons, sem nunca ter entrado num restaurante. O cretino exultou com uma recente decisão do Tribunal de Contas da União. Os doutores decidiram que se um cidadão formou-se em direito e durante dez anos pagou suas anuidades para a Ordem dos Advogados do Brasil sem jamais ter contribuído para a Previdência, esses dez anos contam como tempo de serviço, caso ele tenha se tornado um magistrado e queira se aposentar.

Eremildo tem certeza de que os doutores do Tribunal de Contas não quiseram criar uma gambiarra para favorecer juízes e acredita que eles poderão estender o benefício aos garçons e aos sapateiros. Afinal, o dinheiro da contribuição de garçons e sapateiros ajuda a pagar a aposentadoria dos juízes.

(...) 
 

Recordar é viver
Em 1976, no regresso da comitiva de uma viagem do presidente Ernesto Geisel à Inglaterra, os militares de um avião de apoio não queriam que a Alfândega inspecionasse as bagagens dos passageiros e, por isso, os agentes da Polícia Federal não queriam carimbar seus passaportes. Um oficial deu voz de prisão a três agentes e o avião taxiou para a área da Base Aérea do Galeão, onde se deu o desembarque.

(...)

Elio Gaspari, jornalista  - Folha de S. Paulo e O Globo



quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Recado para o seu Nicanor, dona Rosa e dona Ivanette


Seu Nicanor, Rosa e Ivanette, tudo bem?  

Conto aqui as sandices que o SUS fez ao longo deste ano com vocês. E vou comentar os seus avanço e retrocessos na batalha por um tratamento decente em 2015.


Os fatos ocorridos ao longo do último ano com o seu Nicanor e dona Rosa, sua companheira de mais de quatro décadas, e dona Ivanette são exemplos de que a falta de acesso aos serviços do SUS ameaça ser insolúvel, e não só fruto das dificuldades inerentes à complexa implementação do atendimento universal, como argumentam os que tentam justificar o injustificável.

O condutor aposentado Nicanor, morador do bairro de São Mateus, em São Paulo, 76 anos, espera há mais de um ano o agendamento do exame de ressonância magnética pedido pelo neurologista do SUS para mostrar as dimensões e gravidade do acidente vascular cerebral que sofreu (AVC).

Sem a ressonância, o médico diz que não pode prescrever a fisioterapia que, em hospitais de primeira linha, começa tão logo o paciente consiga abrir os olhos depois do AVC. Até hoje Nicolau não fez sequer uma sessão.

Dona Rosa, 68 anos, casada com seu Nicanor, é uma guerreira.
Há cerca de vinte anos, quando a conheci em um ponto de ônibus perto da marginal Pinheiros, ela contou que a PM tinha matado a tiros um dos seus filhos nas ruas do bairro, perto de casa. “Ele era trabalhador, não era quem procuravam. Mas mataram para perguntar depois.” Nos nossos encontros no ponto de ônibus – ela era cozinheira de uma casa abastada e eu voltava do trabalho na Editora Azul – dona Rosa dizia que um dia levaria os PMs que assassinaram seu filho ao banco dos réus. Assim o fez, com a ajuda da Pastoral dos Direitos Humanos. Mas a dona Rosa, tão batalhadora, uma mãe-coragem, me disse que não sabe mais o que fazer e nem de onde tirar forças para conseguir o agendamento o tal exame para o marido.  As consequências dessa demora para o seu Nicanor, sabemos, podem ser irreversíveis. A fala piora, os movimentos ficam mais difíceis, a visão se esvai, a depressão e a desesperança aumentam.

A outra história é a da dona Ivanette, 66 anos, que espera desde janeiro por atendimento especializado para uma dor insuportável causada por fragmentos de ossos alojados nas extremidades dos seus pés. A origem do problema é uma deformação nos pés em consequência de graves queimaduras sofridas na infância, o que teria criado condições para o aparecimento de uma doença chamada osteomielite. 


Pela complexidade do caso, nenhum médico de Unidade Básica de Saúde quer tratá-la. Depois de muitas tentativas, dona Ivanette foi encaminhada a um ortopedista do Hospital Santa Marcelina. Foi tão maltratada que a família decidiu fazer uma reclamação formal à Ouvidoria contra o hospital. Em novembro, ela foi finalmente encaminhada a uma triagem no Hospital das Clínicas de São Paulo (HCSP). Mas, em vez da ortopedia, a consulta foi marcada no setor de Cirurgia Plástica! Dona Ivanette foi lá, é claro. Foi muito bem atendida, mas saiu dessa consulta com mais um encaminhamento para outra consulta.

De volta ao Santa Marcelina, para pedir ao hospital que remarcasse a consulta com os especialistas certos, soube que, na verdade, não havia e não há vagas no Grupo de Pé do Hospital das Clínicas de São Paulo. Sua dor, portanto, teria que esperar. A esperança de dona Ivanette é aguentar até 28 de abril de 2015, dia para o qual conseguiu, com muito esforço e ajuda de conhecidos, uma consulta no ambulatório de Fisiatria do Instituto de Ortopedia do Hospital das Clínicas. Até lá, corre riscos de ter uma infecção grave e muitas outras complicações. Por que não vai ao médico particular? Além de uma consulta com especialista custar, em média, mais de R$ 700,00, ela e sua família não têm como pagar o tratamento. 

O que se diz depois de ouvir o seu Nicanor, a dona Rosa e a dona Ivanette? "Paciência, o SUS é assim mesmo. É muita gente". Para muitos, são histórias chatas e que podem ser vista em cada esquina. Raciocínio capcioso esse - melhor deixar pra lá as mazelas que se repetem tanto que a gente cansou de ouvir e nem tem o poder de resolver. Pensando nisso, vou contar os avanços e retrocessos deles aqui no blog na sua procura pelo atendimento universal garantido pelo SUS. Uma saga que depende de sorte, coragem, paciência, persistência...

Depois de revisitar essas histórias, leio que as autoridades do Maranhão concederam uma pensão vitalícia de R$ 24.000 reais por mês para a Roseana Sarney, que deixou o cargo com medo de ser presa após seu nome aparecer na operação Lava Jato.  O que liga um fato ao outro? Um sentimento de vergonha e indignação pelo desrespeito com que somos tratados no País.  

Fonte: Mônica Tarantino- Repórter de Saúde ISTOÉ