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domingo, 20 de março de 2022

COMO SE NÃO HOUVESSE OUTUBRO! - Percival Puggina

Às vezes penso que o ministro Alexandre de Moraes considera a unção editorial do Grupo Globo equivalente a um referendo social às suas tropelias. Não é. Nada a ver.

O ministro se tornou um incômodo souvenir da passagem de Michel Temer pela presidência da República. Essa habitualidade, porém, não é suficiente para que sua conduta deixe de ofender a parcela da sociedade que não jogou o bom senso às urtigas. A nação sabe que há um fígado atuando no topo do poder judiciário reproduzindo, em bile, aquilo que supõe ser o objetivo dos fantasmas que lhe povoam a mente. Em “defesa da democracia e das instituições”, acabe-se com elas...

Esse Brasil percebeu, na perenização dos inquéritos que Alexandre de Moraes comanda, o intuito de transformá-los em instrumento de coerção da liberdade de expressão. 
Suas maiores vítimas são os comunicadores que com maior eficácia e impacto junto à opinião pública desnudaram os abusos por ele praticados, traduziram ao bom português suas ameaças e interpretaram o tom belicoso de suas manifestações.

Implacável como o inspetor Jalvert de “Os miseráveis”, e sob os aplausos da Globo, o ministro os tomou por inimigos e avançou sobre eles. Puniu-os preventivamente, sem coisa julgada. Cortou-lhes as fontes de sobrevivência! Atrapalhou a vida de famílias. Fez da prisão preventiva instrumento de terror.

O mal se propagou pelas instituições e a Globo não viu.  Ao não suspender os atos truculentos de seu colega, os demais ministros fizeram do STF um poder jacobino.

Ao não reagir, a atual composição do Senado Federal irá para as urnas de 2022 e de 2026 carregando sobre os ombros o imperdoável pecado de sua omissão. O Senado brasileiro se tornou um inédito poder colegiado que prevarica. A Câmara dos Deputados, ao homologar a prisão do deputado Daniel Silveira, evidenciou ser formada, majoritariamente, por desfibrados e engravatados comandantes do navio de cruzeiro Costa Concordia.   

Nosso Inspetor Jalvert, avança na perseguição ao cidadão Allan dos Santos. Destruiu-lhe a empresa, virou-lhe a vida pessoal pelo avesso, constrangeu-o ao extremo recurso de abandonar o país
Agora, para silenciá-lo de vez, fechou [sic] o Telegram.
A Globo achou muito correto. Milhões de brasileiros serão prejudicados em suas comunicações, em seus negócios. Serviços públicos terão interrompidos seus canais de informação. A defesa contra calamidades climáticas e proteção de comunidades em locais de risco idem, idem
Mas nada é mais importante do que cortar a voz de Allan dos Santos.

Como se não houvesse outubro, se dão por vencedores!

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Cadê o futuro

“Brasil, um país do futuro”


Devo à educação doméstica o prazer da leitura e o impulso da curiosidade. Enquanto meu pai cuidava da saúde bucal dos seus pacientes, minha mãe cuidava da saúde mental dos filhos.  Na rotina, a tarde de estudos: o preço da liberdade para se juntar à molecada e jogar bola até o sol permitir. Doce no trato e severa nas tarefas escolares, minha mãe foi além de ensino tradicional. Detestava o decoreba. Ou a gente demonstrava que entendia, pensava, explicava ou nada feito.

Em compensação, o orçamento doméstico garantia grana para comprar “O tesouro da juventude”, dicionários e enciclopédias (a wikipedia/google da época), a literatura infantil (Monteiro Lobato, Viriato Correia), mais adiante os clássicos da literatura e da poesia brasileira (apaixonada por Castro Alves declamava, emocionada, “O Navio Negreiro”). Descrevia, vibrante, os romances de capa e espada de Dumas e traduzia o simbolismo de “Os miseráveis” de Victor Hugo. Sim, o ficcionismo de Júlio Verne se fazia presente.  Certo dia, ela nos apresentou um livro, lançado em 1941, em vários países, “Brasil, um país do futuro” de autoria do judeu-austríaco, Stefan Zweig, reeditado e traduzido de acordo com a nova ortografia pela L&PM, RS, 2013.

Se já era ufanista, a narrativa materna agiganta a visão do autor, claramente, idílica, romântica, paradisíaca e sincera sobre uma terra prometida. Alberto Dines (biógrafo de Zweig) resume, no prefácio, o destino da obra: “sucesso de público, porém massacrado pelos críticos”.
O consagrado ficcionista e biógrafo não era um farsante. Fugido do extermínio genocida do nazifascismo e da insensatez criminosa das guerras, Zweig enxergou na exuberância tropical e na sociedade multicolorida a possibilidade da conciliação. Em 23 de fevereiro de 1942, Petrópolis, Zweig e sua mulher Lotte cometem suicídio. Ao final da carta, resume a tragédia pessoal: “Eu, demasiadamente impaciente, vou-me antes”.

Cadê o futuro? É a pergunta que não quer calar. Quem errou Zweig ou nós? Ou o futuro é um projeto sempre adiado?  O futuro chegou. E chegou detonando o nosso imaginário. O futuro não é uma abstração ou o resultado do raro altruísmo da ética entre gerações quando falamos da questão ambiental e da questão previdenciária.
A ética do presente fundamenta a relação cotidiana com o aqui e o agora. Com os mais próximos para salvá-los de “brumadinhos” e com o destino dos nossos pais, em grande maioria, velhos e pobres aposentados.
A ação transformadora responsabiliza os governantes.
  
Gustavo Krause é ex-ministro da Fazenda - Blog do Noblat - Veja