A Constituição de 1988 outorga ao presidente da República a prerrogativa de indicar os ministros do STF, dos tribunais superiores e ainda a de nomear os desembargadores federais. Esse poder absoluto do chefe de Estado suscita crescente desconforto e inconformismo na sociedade brasileira, diante da progressiva distorção dos critérios utilizados para o preenchimento das vagas nesses tribunais.
Para ingressar no STF, a Constituição exige do indicado notório saber
jurídico e reputação ilibada, requisitos indispensáveis para a
qualidade e a imparcialidade dos julgados e para o distanciamento de
influências políticas no sagrado mister de decidir sobre matéria
constitucional. [exemplos recentes colocam em dúvida se o critério notório saber jurídico é sempre atendido.]
A prerrogativa do chefe do Executivo de escolher os magistrados na esfera federal tem sua origem na fundação dos EUA, nos fins do século XVIII, visando a permitir que a frágil União possuísse uma Alta Corte dedicada a construir um arcabouço jurídico harmonizador dos diversos interesses dos 13 estados fundadores. Mais de um século depois, nossa Constituição de 1891 copiou literalmente, sem maiores reflexões históricas, o sistema norte-americano.
Ocorre que, com o passar do tempo, esse poder outorgado ao chefe de
Estado foi se distorcendo, tanto lá como cá. Assim é que nos Estados
Unidos, com o fim da Guerra de Secessão (1861-1865), os juízes da
Suprema Corte passaram a refletir sucessivamente o viés político
conservador ou liberal do partido no poder. E, a partir de 2017, o
ex-presidente Trump passou a adotar o critério não apenas
político-conservador, mas religioso-confessional, indicando três juízes
fundamentalistas e supremacistas para a Suprema Corte (Gorducho,
Kavanaugh e Barrett). Resultado: seis juízes ultraconservadores e três
liberais. Consequência: a Suprema Corte sinaliza que limitará o direito
ao aborto, implantado naquele país há 50 anos. [o decurso de 50 anos apenas serviu para comprovar que o aborto continua sendo um crime covarde, nojento, odioso e repugnante.]
Entre nós ocorre o mesmo. O plano autoritário tomou o rumo religioso-confessional diante do fracasso de arrastar nossas Forças Armadas e sublevar as polícias militares nessa aventura. E, para tanto, a conspiração totalitária procura o domínio da cúpula do Poder Judiciário, mediante a nomeação de ministros com a missão de impor uma pauta confessional para respaldar o sonhado regime ditatorial. Com esse intento, o Congresso tenta aprovar uma PEC antibengala, para que o atual presidente nomeie, ainda em 2022, mais dois ministros ungidos pela centelha divina e, ainda, no caso de eventual reeleição, mais dois fundamentalistas, alcançando, assim, uma maioria teológica naquela Corte.
Por tudo isso, se impõe a mobilização da cidadania para exigir que constitucionalmente seja adotado o critério de nomeação de ministros do STF, dos tribunais superiores e de desembargadores federais pelo critério de antiguidade. [nossa modesta opinião é que o critério de nomeação permaneça o mesmo, apenas com mais rigor na aferição das exigências constitucionais a serem preenchidas pelos indicados; entendemos que os ministros do STF devem ter um mandato de no máximo 10 anos e para os tribunais superiores mandato de 5 anos - sendo vedada a recondução, com os indicados tendo no máximo 60 anos, na época da indicação.] E que, ainda, o exercício da jurisdição dos magistrados do Supremo e dos tribunais superiores venha a ser de oito anos, tempo necessário para a consolidação da jurisprudência constitucional e, nela, o reconhecimento de novos direitos civis e demais avanços da sociedade.
Cessariam, com o sistema de antiguidade, as injunções político-ideológicas nessas nomeações.
O Globo - Advogado e autor de “Uma nova Constituição para o Brasil”