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sábado, 11 de dezembro de 2021

Critério de antiguidade para o STF - Modesto Carvalhosa

O Globo

A Constituição de 1988 outorga ao presidente da República a prerrogativa de indicar os ministros do STF, dos tribunais superiores e ainda a de nomear os desembargadores federais. Esse poder absoluto do chefe de Estado suscita crescente desconforto e inconformismo na sociedade brasileira, diante da progressiva distorção dos critérios utilizados para o preenchimento das vagas nesses tribunais.

Para ingressar no STF, a Constituição exige do indicado notório saber jurídico e reputação ilibada, requisitos indispensáveis para a qualidade e a imparcialidade dos julgados e para o distanciamento de influências políticas no sagrado mister de decidir sobre matéria constitucional. [exemplos recentes colocam em dúvida se o critério notório saber jurídico é sempre atendido.]

A prerrogativa do chefe do Executivo de escolher os magistrados na esfera federal tem sua origem na fundação dos EUA, nos fins do século XVIII, visando a permitir que a frágil União possuísse uma Alta Corte dedicada a construir um arcabouço jurídico harmonizador dos diversos interesses dos 13 estados fundadores. Mais de um século depois, nossa Constituição de 1891 copiou literalmente, sem maiores reflexões históricas, o sistema norte-americano.

Ocorre que, com o passar do tempo, esse poder outorgado ao chefe de Estado foi se distorcendo, tanto lá como cá. Assim é que nos Estados Unidos, com o fim da Guerra de Secessão (1861-1865), os juízes da Suprema Corte passaram a refletir sucessivamente o viés político conservador ou liberal do partido no poder. E, a partir de 2017, o ex-presidente Trump passou a adotar o critério não apenas político-conservador, mas religioso-confessional, indicando três juízes fundamentalistas e supremacistas para a Suprema Corte (Gorducho, Kavanaugh e Barrett). Resultado: seis juízes ultraconservadores e três liberais. Consequência: a Suprema Corte sinaliza que limitará o direito ao aborto, implantado naquele país há 50 anos. [o decurso de 50 anos apenas serviu para comprovar que o aborto continua sendo um crime covarde, nojento, odioso e repugnante.]

Essas escolhas expõem claramente o novo discurso e a ação da extrema direita, que é substituir o Estado Democrático laico por regimes autoritários fundamentalistas. [se chamam preservar a VIDA, especialmente de seres humanos inocentes e indefesos é fundamentalismo, somos todos fundamentalistas.
Curioso é que muitos dos covardes defensores do aborto tem a cara de pau de acusar o ditador norte-coreano, Kim Jong-Un.] Esse sinistro projeto se espalha pelo mundo afora, sendo mais notórios os regimes implantados na Hungria, na Polônia e na Turquia.

Entre nós ocorre o mesmo. O plano autoritário tomou o rumo religioso-confessional diante do fracasso de arrastar nossas Forças Armadas e sublevar as polícias militares nessa aventura. E, para tanto, a conspiração totalitária procura o domínio da cúpula do Poder Judiciário, mediante a nomeação de ministros com a missão de impor uma pauta confessional para respaldar o sonhado regime ditatorial. Com esse intento, o Congresso tenta aprovar uma PEC antibengala, para que o atual presidente nomeie, ainda em 2022, mais dois ministros ungidos pela centelha divina e, ainda, no caso de eventual reeleição, mais dois fundamentalistas, alcançando, assim, uma maioria teológica naquela Corte.

Por tudo isso, se impõe a mobilização da cidadania para exigir que constitucionalmente seja adotado o critério de nomeação de ministros do STF, dos tribunais superiores e de desembargadores federais pelo critério de antiguidade. [nossa modesta opinião é que o critério de nomeação permaneça o mesmo, apenas com mais rigor na aferição das exigências constitucionais a serem preenchidas pelos indicados; entendemos que os ministros do STF devem ter um mandato de no máximo 10 anos e para os tribunais superiores mandato de 5 anos - sendo vedada a recondução, com os indicados tendo no máximo 60 anos,  na época da indicação.]  E que, ainda, o exercício da jurisdição dos magistrados do Supremo e dos tribunais superiores venha a ser de oito anos, tempo necessário para a consolidação da jurisprudência constitucional e, nela, o reconhecimento de novos direitos civis e demais avanços da sociedade.

Cessariam, com o sistema de antiguidade, as injunções político-ideológicas nessas nomeações.

O Globo - Advogado e autor de “Uma nova Constituição para o Brasil”


sábado, 6 de junho de 2020

A direita insana - IstoÉ

Cinco personagens expõem a miséria atual da vida política nacional e apontam para a conformação de uma nova extrema-direita com ideias sem pé nem cabeça e um desejo incontido de violência e lacração 

Seria ridículo se não fosse trágico. A manifestação noturna montada na frente do Supremo Tribunal Federal (STF) pelo autodenominado grupo 300 do Brasil, liderado pela ativista bolsonarista Sara Winter, ficará marcada pelo esvaziamento [sic] e falta de importância. O protesto serviu para espernear contra o relator do inquérito das fakenews, o ministro Alexandre de Moraes, atual inimigo número 1 dos radicais, a quem Sara chamou de “arrombado”. Mas o que pretendia ser uma grande ameaça direitista parecia um teatro ordinário, cheio de jovens grã-finos carregando tochas ou usando máscaras do personagem Jason, num clima de falsa Ku Klux Klan. [O KKK apresentado como símbolo da Ku Klux Klan,nada mais é do que o indicador de gargalhada Ka Ka Ka......na internet.
Os antifas são tão desacreditados que tentam trazer para as ruas do Brasil - que atravessa uma pandemia, uma crise econômica e para completar não deixam o presidente República governar - uma crise racial que está ocorrendo nos Estados Unidos.
Os problemas do Brasil são imensos e não é bom para o Brasil e para os brasileiros,  trazer problemas de outros países para cá.] O que não surpreende porque essa nova extrema-direita brasileira é absurda e sem vergonha. Esses grupos radicais que ganham forma agora no Brasil misturam símbolos neonazistas, fascistas, supremacistas e autoritários de um modo geral, falam muito palavrão e querem se assentar no poder. O ídolo momentâneo é o ditador Benito Mussolini, citado por Bolsonaro numa postagem. É um pessoal que toma leite, precioso líquido dos extremistas, para ser afirmar ideologicamente. Apesar do leite, cultivam a aparência de malvados e o poder dissuasivo. Exibem armas e, obviamente, todos defendem um golpe militar.
[por favor, ao ler tenha em conta:
- só os temas importantes são muito falados = quanto mais falam maior é a importância do assunto;
- quanto mais eles criticam mais estão incomodados e tentam criar uma imagem falsa do que criticam;
- se falam muito e falam mal é que o assunto além de importante prejudica interesses não republicanos (tipo os da Turma Mecanismo).
Assim, leia, desconte as calúnias e aleivosias assacadas contra a direita = que atravessa um processo de crescimento incontido em todo o mundo = e conheça melhor  o que eles tanto temem.]
Sara Winter ou Sara Fernanda Giromini, 27.......... 
Convertida ao cristianismo, diz-se defensora da família tradicional brasileira, luta contra a discussão de gênero, as drogas, a doutrinação marxista, a jogatina e a prostituição.
Gosta de exibir armas e se mostrar agressiva e desbocada. Hoje é uma das apoiadoras mais ferrenhas do presidente Jair Bolsonaro, tem um cargo no governo e comanda os 300 do Brasil. Parte dos membros do grupo está alojada em Brasília num acampamento situado no núcleo rural Rajadinha, entre Paranoá e Planaltina. A propriedade foi escolhida por cumprir o objetivo de dificultar a aproximação de estranhos e evitar olhares curiosos. Sara foi um dos alvos da operação da Polícia Federal que investiga as fake news, sob ordens do ministro Alexandre de Moraes. Nas redes, Sara divulgou vários impropérios e palavrões contra o ministro e a PF e disse que se recusará a depor.



Em sua cruzada para promover torturadores e facínoras, Bolsonaro postou uma citação de Mussolini no Twitter em que convoca a população a morrer lutando pela liberdade

Tiros nos antifascistas
Outro expoente dessa onda extremista é o deputado estadual Daniel Silveira (PSL-RJ), que ao longo da semana disse, numa transmissão pelo YouTube, que estaria disposto a atirar em manifestantes antifascistas se houvesse um enfrentamento. Ex-policial, Silveira é conhecido por ter sido filmado quebrando uma placa em homenagem à vereadora Marielle Franco (PSOL) nas eleições de 2018. Também é alvo da mesma operação da PF que atingiu Sara Winter. Nos últimos meses se tornou muito ativo no YouTube e depois dos protestos de domingo publicou vários vídeos que mostram muito bem o espírito da nova extrema direita. Em um deles chamou os participantes de um protesto antifascista que aconteceu, domingo 31, na Praia de Copacabana, de “vagabundos” e, em outro, ameaçou se dirigir ao grupo, declarando a um policial do isolamento que estava armado. “Eu vou lá. Vamos ver se eles são de verdade. O primeiro que vier eu “cato”. Aí fica a lição. Eu queria ir lá pegar um, po. Deixa eu pegar um, caralho”, disse Silveira. Mais tarde, o deputado afirmou que não estava ameaçando ninguém, mas que considerava uma “hipótese plausível, factível” a de que poderia usar uma arma para se defender de manifestantes.

A mulher do porrete [esse porrete tem incomodado bastante.]
Representante de destaque dessa nova turma da extrema-direita é Cristina Rocha Araujo, também apoiadora fervorosa de Bolsonaro. Ela ficou conhecida, no domingo 31, porque portava um taco de beisebol durante uma caminhada contra  a democracia na Avenida Paulista. Acabou retirada da manifestação pela Polícia Militar. “Senhora, por favor, vamos para lá”, disse o agente de segurança, enquanto encaminhava a bolsonarista para o grupo de simpatizantes do mandatário. “Eu não tenho medo, vim para a guerra”, responde ela. Além do porrete, no qual estava escrito Rivotril, um remédio ansiolítico, a manifestante levava no rosto uma máscara com a bandeira dos Estados Unidos, e se dizia com vontade de “enfiar o bastão nas pessoas que estavam criticando o presidente”. Ela se diz filha de um general e amiga do general Eduardo Villas-Boas, ex-comandante do Exército e um dos articuladores da campanha de Bolsonaro à Presidência. Ela trocou insultos e xingamentos com manifestantes a favor da democracia, que naquele dia estavam representados pelas torcidas organizadas dos principais times de futebol de São Paulo.


O amigo do filho 03
Também chama a atenção nessa nova extrema-direita o delegado da Polícia Civil de São Paulo, Paulo Bilynskyj, 33. Ele foi baleado em 20 de maio, por sua namorada, a modelo Priscila Delgado de Bairros, 27, após discussão e briga do casal, dentro do apartamento em que viviam juntos, em São Bernardo do Campo. O delegado ficou internado durante treze dias na UTI do Hospital Mário Covas, em Santo André. Bilynskyj, que era instrutor de tiro e dava aulas a Priscila, contou que a namorada teria ficado furiosa, enciumada, após ver uma troca de mensagens entre ele e uma ex-namorada. Na versão do delegado, a modelo teria disparado seis tiros contra ele e depois se matado com um tiro no peito. 
Porém, a investigação continua correndo e nenhuma possibilidade é descartada: feminicídio, homicídio e legitima defesa. Os dois se conheceram em 2019, e desde abril estavam morando juntos. 

A bandeira ucraniana
Uma misteriosa bandeira vermelha e preta apareceu na manifestação na Avenida Paulista, em meio aos grupos bolsonaristas, no domingo. Falou-se primeiro que se tratava de uma bandeira neonazista, mas logo se descobriu que era apenas de um grupo extremista e ultranacionalista ucraniano chamado Pravyi Sektor, organização paramilitar convertida em partido político. O reconhecimento da bandeira, inclusive, teria sido o estopim do entrevero entre bolsonaristas e torcidas organizadas que houve naquele dia. Quem portava a bandeira era o brasileiro Alex Silva, 46, instrutor de segurança que mora na Ucrânia desde 2014. Ele trabalha em uma academia de tiro e táticas militares em Kiev, capital do país, e, diante do clima propício às armas e ao conflito, veio abrir uma filial no Brasil. Ficou impedido de voltar para casa por causa da pandemia. Enquanto isso passa seu tempo em manifestações pró-Bolsonaro e contra a democracia. “A gente sempre vai de uma maneira ordeira, pacífica, sem quebra-quebra, sem vandalismo. O máximo que a gente faz é vaiar os caras que nos chamam de gado”, disse Silva.Eles são terroristas, não são pró-democracia coisa nenhuma”. Sua polêmica bandeira, porém, causou revolta e teve um efeito provocativo. Os novos extremistas dão a sensação de que podem manejar qualquer símbolo autoritário impunemente. Para eles, o importante é lacrar e se preparar para a briga, que pode eclodir a qualquer momento.

Em IstoÉ, MATÉRIA COMPLETA




domingo, 20 de agosto de 2017

Apenas mais uma versão: O novo nazismo sob as bênçãos de Trump

Como as ações e o discurso intolerante do presidente americano alimentam a escalada da violência nos EUA e no mundo

Há momentos na história em que o posicionamento de um governante define se o país segue no caminho da civilização ou se mantém abertas as brechas para o obscurantismo. A vida recente americana está repleta desses exemplos. Em 1957, o presidente Dwight Eisenhower enviou tropas federais à cidade de Little Rock, no Arkansas, para garantir a entrada de nove estudantes negros em uma escola pública da cidade. 

O direito estava assegurado pela Suprema Corte, mas parte da população branca do lugar impedia o acesso dos jovens à instituição. Em 1962, John Kennedy determinou que agentes federais escoltassem o estudante negro James Meredith em seu caminho para a Universidade do Mississippi, onde ele estava matriculado, mas não conseguia estudar. Dois anos atrás, Barack Obama emocionou-se e emocionou o planeta ao cantar a bela ‘Amazing Grace’ e sua evocação da liberdade dentro da capela em Charleston, onde, dias antes, um atirador branco havia matado nove negros. 

Na semana passada, Donald Trump tornou-se o primeiro presidente dos Estados Unidos a quebrar essa tradição. Em vez de defender o progresso, colocou-se ao lado do retrocesso. Em vez de defender enfaticamente a igualdade, calou diante de quem berra pela segregação. E forneceu combustível para fazer crescer em seu país e no mundo exatamente tudo aquilo que seus antecessores recusaram-se a aceitar: a escalada do ódio racial. [Trump está sendo criticado por: 
- por condenar qualquer tipo de radicalismo e parte da imprensa exige que ele condena apenas os que defendem ideias supremacistas, quando ele sendo presidente de TODOS os americanos condena TODOS os tipos de atos radicais e violentos;
- também criticam Donald Trump por não concordar que monumentos históricos sejam destruídos por vândalos, apenas por estes não concordarem com os ideais dos heróis aos quais tais monumentos são dedicados.] 
                         Trump disse que há pessoas boas entre os radicais (Crédito:Divulgação)


Tensão crescente
A oportunidade que a história deu a Trump de ficar do lado certo – perdida por ele – veio após o ataque de grupos radicais de direita a defensores dos direitos civis em Charlottesville, ocorrido no sábado 12. Localizada no estado da Virginia, a cidade foi lugar de moradia do ex-presidente Thomas Jefferson (1743-1826), um dos chamados fundadores da nação e homem moldado pelas ideias de igualdade do Iluminismo. Mas também serviu como uma das bases do exército confederado durante a guerra da Secessão (1861-1865), que colocou em lados opostos o sul, escravagista, e o norte, abolicionista.


Há tempo Charlottesville vivia uma polêmica sobre a retirada de uma de suas praças da estátua do general Robert Lee, herói segundo a ótica confederada, porém símbolo escravagista de acordo com o olhar de quem luta pela equiparação racial. Um protesto em defesa da manutenção do monumento convocado por integrantes de grupos como a Ku Klux Klan (KKK) e neonazistas foi o estopim para o confronto entre os dois lados. Num caldeirão de tensão, o fato terminou com o atropelamento da ativista Heather Heyer pelo jovem James Fields Jr., 20 anos. Simpatizante das ideias nazistas, James jogou o carro que dirigia sobre a multidão, atingindo várias pessoas, entre elas Heather. Ela morreu em seguida.

Estátua da guerra
Para entender o ocorrido em Charlottesville é preciso voltar 150 anos na história dos EUA, à época da Guerra de Secessão, quando estados do Sul, contrários ao fim da escravidão, decidiram formar uma nova nação. Fez-se a guerra, o Norte saiu vitorioso, os escravos foram libertados. Estátuas de líderes foram erguidas em diferentes cidades americanas, incluindo a de Robert E. Lee, um dos nomes dos confederados do Sul. Uma delas em Charlottesville. Sob o argumento da relação do monumento com um movimento escravocrata e racista, a Câmara Municipal do lugar aprovou a realocação da estátua. A decisão insuflou a revolta de grupos do chamado “nacionalismo branco” que culminou no lamentável conflito do sábado 12.

Declarações dúbias
A reação de Trump ao episódio foi vergonhosa. Sua primeira manifestação a um país ainda atônito com as cenas chocantes vistas horas antes flertou com a infâmia. O presidente disse que condenava o que chamou de “exibição de ódio”, mas que ela havia sido praticada por “muitos lados”. Dois dias depois, pressionado e visivelmente desconfortável, voltou ao assunto com um mea culpa envergonhado quando, ao final de um pronunciamento sobre outro tema, já escrito, afirmou que aqueles que praticam o racismo são bandidos, “incluindo a KKK, os neonazistas e os supremacistas brancos.” 

 A postura durou pouco. Logo em seguida, Trump disse que via “culpa dos dois lados” e que “havia pessoas boas” entre os extremistas de direita. A título de comparação: no mesmo dia, o ex-presidente Obama publicou no Twitter uma frase de Nelson Mandela, obviamente com teor oposto ao que seu sucessor apresentou. Ele escreveu: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, seu passado ou sua religião…As pessoas precisam aprender a odiar, e se elas podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar…”. O post virou o mais curtido da história do Twitter.

O presidente americano pecou pelo que disse e pelo que não disse. “Trump não teve uma postura esperada para um presidente da República, especialmente em um momento em que o país apresenta um tecido social que se esgarça”, afirma Carlos Gustavo Poggio, professor de Relações Internacionais da PUC-SP. O grande problema é que, ao agir com tamanha tibieza, Trump marcou o ponto de inflexão que o mundo temia. “Ele mostrou suas cartas, entrando em rota de colisão com os princípios professados pela maioria dos americanos de defesa da igualdade e das liberdades”, afirmou o historiador Julian Zelizer, professor da Universidade de Princeton.

Os dias turbulentos evidenciaram que o apoio de Trump servirá de combustível para o crescimento do ódio racial no país e no mundo. “A situação vai piorar”, disse à ISTOÉ a professora Megan Boler, da Universidade de Toronto, no Canadá. “Trump alimenta intencionalmente a violência. Seu slogan de ‘fazer a América grande de novo’ é igual a ‘fazer a América branca de novo.” A percepção vem até mesmo de republicanos como o presidente. Ao criticar Trump afirmando que ninguém deveria ter dúvida sobre a posição do líder do mundo livre em relação ao racismo e ao antissemitismo, o deputado Will Hurd, do Texas, disse que daqui para frente os radicais se aproveitarão da leniência presidencial. “Os supremacistas brancos verão como uma vitória serem responsabilizados por apenas 50% da culpa.”


 Nathan Damigo é um dos líderes da Supremacia Branca, que defende a segregação racial

De fato, o que se viu ao longo da semana passada foi uma espécie de saída das sombras de agremiações que vinham crescendo, já sob os ares permissivos de Trump, mas ainda sem força ou coragem suficientes para se mostrar abertamente à sociedade. Segundo o Southern Poverty Law Center, organização que estuda o tema, de 2014 a 2016 o número de grupos de ódio nos Estados Unidos aumentou 17%, totalizando 917 no ano passado. Agora, sob as bençãos de Trump, eles preparam a expansão. “Obrigado, presidente, por sua honestidade e coragem em dizer a verdade sobre Charlottesville e condenar os terroristas de esquerda”, escreveu no Twitter Richard Spencer, um dos organizadores da marcha que resultou na mais recente tragédia americana.

O espectro dos grupos que pregam o ódio é um mosaico de organizações que diferem no nome, mas compartilham do mesmo ideário. Na essência, defendem a superioridade branca, são contra judeus, estrangeiros e a população LGBT e acreditam na violência como caminho para alcançar seus objetivos. A que apresenta o maior número de seguidores é a Ku Klux Klan, criada em 1865 para perseguir negros e que, no século passado, foi uma das mais ativas contra a implantação dos direitos civis que colocaram no mesmo nível de cidadania negros e brancos. São famosos os crimes bárbaros cometidos por membros da organização, como o enforcamento de negros e a destruição de igrejas frequentadas por essa população.

A ideologia da Supremacia Branca norteia a ação de cem grupos. Eles pregam a inferioridade das raças não-brancas e também pleiteiam a segregação. Os neonazistas, a exemplo dos seguidores do alemão Adolf Hitler, têm nos judeus seus principais alvos, mas perseguem pessoas LGBT ou de alguma forma alinhadas a qualquer pensamento progressista. Em menor número estão os neoconfederados, uma versão contemporânea dos sulistas que no século 19 lutaram para manter a escravidão nos Estados Unidos. Racistas como os demais grupos, pedem que negros e brancos voltem a viver separadamente.

O episódio de Charlottesville deu rosto a esses movimentos. O que se viu ali é que operam segundo uma organização rígida, de disciplina quase militar, e dispõem de arsenal considerável. Não há homogeneidade entre seus integrantes. Entre os supremacistas, por exemplo, o predomínio é de jovens instruídos de classe média, enquanto grande parte dos seguidores da KKK é formada por fazendeiros ou moradores de cidades pobres do interior do país ressentidos com as administrações anteriores. Sentem-se esquecidos e culpam imigrantes, negros e judeus pela situação em que vivem.

Esses cidadãos são hoje os maiores inimigos da América. Ao contrário do que se imagina, a maior parte dos ataques terroristas nos EUA foi planejada por movimentos dos quais eles fazem parte, e não por extremistas muçulmanos. De 2008 a 2016, os radicais de direita americanos foram responsáveis por 115 dos atos dentro de seu próprio território. Ações perpetradas por extremistas islâmicos, 63. “O problema nos EUA atualmente é a questão da raça, e os crimes de ódio refletem isso”, afirmou à ISTOÉ Evan Lawrence, especialista em contraterrorismo da University of Central Lancashire, no Reino Unido. Trump, com sua estreiteza, alimenta a semente do mal no próprio país.

APOIO EXPLÍCITO Apesar das pressões e de uma tímida tentativa de voltar atrás, Trump permaneceu apoiando os extremistas em suas declarações
“Nós condenamos esta exibição de ódio, fanatismo e violência de muitos lados”
Sábado, 12

“O racismo é maligno. E aqueles que causam violência em seu nome são criminosos, incluindo a KKK, neonazistas, supremacistas brancos e outros grupos”
Segunda-feira, 14

“Acho que há culpa dos dois lados”
Terça-feira, 15

“Triste ver a história e a cultura de nosso grande país sendo destruídas pela remoção de nossas belas estátuas e monumentos”


Mapa do ódio Como se dividem os principais grupos extremistas em atividade nos EUA
130 Grupos seguem a Ku Klux Klan. Criado em 1865 para perseguir negros e enfraquecer a ideia de igualdade racial após o fim da escravidão, passou a maltratar também judeus, imigrantes, homossexuais e católicos. Marginalizados após meados do século 20, a KKK voltou a se organizar nos anos 2010
100 São ligados à ideologia chamada “white nationalism”, ou nacionalismo branco. Acreditam na “supremacia branca” e na inferioridade de raças não-brancas. Têm posicionamento de extrema direita e se identificam com as ideias de Donald Trump
99 São neonazistas, que retomam ideias do nazismo alemão de Adolf Hitler. Perseguem principalmente judeus, mas entre seus alvos estão os homossexuais e os estrangeiros
43 São neoconfederados. No geral, exaltam a cultura sulista, marcada pela presença da escravidão até 1865. Alguns grupos propagam o racismo e o separatismo branco

Fonte: Camila Brandalise e Cilene Pereira  - Revista Isto É