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quarta-feira, 4 de abril de 2018

A hora escura do Supremo

A concessão de um indulto não será apenas para Lula, mas para todos os condenados em crimes de corrupção

A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, veio a público, em pronunciamento anteontem na TV, para pedir “serenidade”. O apelo foi uma tentativa de acalmar os ânimos ante o clima de tensão envolvendo a sessão do Supremo que analisará, hoje, o pedido de habeas corpus do ex-presidente Lula da Silva. Embora louvável, a iniciativa da ministra Cármen Lúcia tende a ser tardia e inócua, pois quem quer que se sinta contrariado com a decisão do Supremo não reconhecerá a legitimidade do resultado. E isso só acontece porque o Supremo não vem se dando ao respeito, especialmente no que concerne ao caso do ex-presidente Lula.

De nada adianta a ministra Cármen Lúcia vir agora pedir que “as diferenças ideológicas não sejam fonte de desordem social” nem declarar que “problemas resolvem-se garantindo-se a observância da Constituição”, pois não é com platitudes como essas, por mais bem-intencionadas que sejam, que se desarmam espíritos exaltados nem muito menos se recobra a deferência perdida pelo Supremo. A máxima Corte do País está diante do grande desafio de recuperar a dignidade, arruinada desde que se acocorou perante Lula da Silva.
Não é uma tarefa trivial, pois esse tribunal vem se esforçando para dar ao País a impressão de que ali não vigora apenas uma Constituição, a do Brasil, mas sim 11 “constituições”, cada uma criada por um ministro. Para cada caso, a depender dos interesses em jogo, que pouco têm a ver com a seara do direito, inventa-se uma interpretação sob medida para aquele problema específico, desorientando os tribunais inferiores e induzindo seus juízes a tomar decisões não conforme uma jurisprudência pois há poucas sentenças recentes do Supremo dignas desse nome –, mas sim segundo suas próprias convicções. Assim, o ativismo político do Supremo é replicado por todo o sistema, gerando enorme insegurança judiciária.

Há ministros do Supremo que enxergam essa Babel hermenêutica com laivos de estranho romantismo. Luís Roberto Barroso, por exemplo, manifestou recentemente a ideia de que cabe ao Judiciário, em geral, e ao Supremo, em particular, “empurrar a História” rumo a “avanços civilizatórios”. Discurso semelhante caracterizou as ideologias totalitárias do século 20, cujos líderes julgavam saber o que a História reservava à sociedade, cabendo a esta apenas aceitar as decisões desses iluminados profetas para acelerar o passo histórico na direção do futuro glorioso.

Barroso reconheceu que houve um “aumento da discricionariedade dos juízes”, mas isso se deu em razão do fato de que, segundo ele, “o Legislativo foi perdendo a capacidade de antever problemas da vida e dar soluções”. Portanto, segundo esse raciocínio, nada mais natural que os magistrados, de vez em quando, legislem em respeito a sabe-se lá que interesses. Como resultado, o Supremo, a despeito do que o formalismo de suas sessões e a linguagem empolada de seus membros sugerem, tornou-se terra em que prevalece o grito de quem pode mais.

Num ambiente assim, é claro que tipos como o sr. Lula da Silva se sentem em casa. Matreiro como ele só, o demiurgo de Garanhuns parece intuir que a lei não serve para ele, pois sempre terá o Supremo para interpretá-la a seu favor – razão pela qual pode sair País afora a fazer comícios fora de época, a insultar juízes, promotores e a imprensa e a enxovalhar a imagem do Brasil no exterior sem que nada lhe aconteça.

Quando disse confiar nas “instâncias superiores”, Lula tinha certeza de que ali, no Supremo, seu caso teria tratamento político – porque, do ponto de vista jurídico, não cabiam mais dúvidas sobre sua culpa. Infelizmente, o petista pode ter razão.  Diante disso, a Nação espera não ter que assistir hoje a um espetáculo que no entanto todos temem a concessão de um indulto não apenas para Lula, mas para todos os condenados e réus nos mais graves crimes de corrupção que avassalaram este país. Que tal maracutaia – que poderia receber o nome de “princípio Lula” [já recebeu, oficialmente, esta denominação; existe petições de advogados e despachos de juízes mencionando o 'principio Lula - o primeiro caso ocorreu no DF e um ladrão de carros foi solto atendendo petição do seu advogado que invocou citado principio.] não seja o desfecho que sugerem obscuras conversas de bastidores de políticos sem voto.


Editorial - O Estado de S. Paulo
 

domingo, 25 de março de 2018

‘Princípio Lula’ virou pretexto para libertar preso



O salvo-conduto concedido pelo Supremo Tribunal Federal para proibir a prisão de Lula abriu uma temporada de oportunidades para os brasileiros que já estão atrás das grades. Em Brasília, o promotor de justiça Valmir Soares Santos invocou o “Princípio Lula” para pedir a liberdade de Filipe da Costa Reis, um acusado de roubo de carro. O juiz Osvaldo Tovani, da 8ª Vara Criminal de Brasília, deu razão ao promotor. E mandou solar Filipe, que estava preso preventivamente desde janeiro.

No caso de Lula, o Supremo adiou para 4 de abril o julgamento de um pedido da defesa para que o ex-presidente não seja preso depois que o TRF-4 concluir, nesta segunda-feira, o julgamento dos últimos recursos contra sua condenação a 12 anos de cadeia. Por 6 votos a 5, os ministros decidiram conceder um salvo-conduto a Lula por entender que o condenado não poderia ser prejudicado pela incapacidade da Suprema Corte de julgar o seu habeas corpus. O preso de Brasília aguardava atrás das grades a realização de perícias técnicas. E o promotor sustentou que, a exemplo de Lula, o acusado de roubo de carro não pode ser penalizado por uma deficiência do Estado. Eis o que anotou o promotor Valmir Santos num trecho da petição que sensibilizou o juiz Osvaldo Tovani:
“…Passo a designar, no campo jurídico, que o referido resultado chama-se Princípio Lula, pois se não cabe ao ex-presidente Lula (e com a devida vênia, me parece que está corretíssima a maioria do STF), pagar com o risco à sua liberdade o atraso do julgamento provocado pelo Estado (STF), com muito mais razão, não cabe ao acusado Filipe aguardar encarcerado que o Estado (Polícia Técnica) possa concluir a elaboração dos laudos periciais.”

O promotor diz que não hesitará em lançar mão do “Princípio Lula” sempre que se deparar com casos de pessoas que estão atrás das grades à espera de alguma providência que dependa do Estado. Não é a primeira vez que o doutor busca inspiração no Supremo. Ele já havia formulado o ‘Princípio Adriana Anselmo’, que esgrime para pedir a soltura de presas com filhos de até 12 anos.

Adriana Anselmo é a mulher do ex-governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, preso na penitenciária paranaense que hospeda os corruptos da Lava jato. Detida no Rio, por ordem do juiz Marcelo Bretas, Adriana migrou para a prisão domiciliar porque o ministro Gilmar Mendes, do Supremo, acatou o argumento da defesa de que os filhos não poderiam passar sem os cuidados dela. Em entrevista ao site Jota, o promotor Valmir Santos declarou:
“O ministro Gilmar Mendes foi meu examinador há 21 anos, quando eu passei no concurso de promotor de Justiça. Estou fazendo apenas aquilo que meu examinador me ensinou a fazer, que é aplicar a Constituição para todos.”

Blog Josias de Souza