Matheus Leitão - Veja
Pujol e Mourão mostram que as Forças Armadas podem recuar do apoio que deram a Bolsonaro
O aniversário de Jair Bolsonaro é somente em março, mas parece que o inferno astral dele já chegou. Nos últimos dias, o presidente viu seu filho Zero Um ser denunciado por lavagem de dinheiro e organização criminosa, e agora passou e receber puxões de orelha não só de um, mas de dois generais do seu governo.
[a insatisfação com a inexistência de um terceiro turno e a manutenção em alta da popularidade do presidente Bolsonaro = o que torna grande suas chances de reeleição em 2022 = é de tal ordem que até frases proferidas pelo General Mourão e outras pinçadas de uma Nota conjunta do Ministério da Defesa e dos Comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica, passam a ter força de 'puxões de orelha'.
É notório pacífico que as Forças Armadas - e mesmo órgãos públicos civis - não podem, nem devem se envolver com política. Política é para os políticos.
Surpresa maior é a frase final da presente matéria: "...Seria a instituição
mais bem avaliada do país dizendo “ele não”... . "Ele não" não significa opinião, manifestação, política; mas, "Ele, sim" seria, para dizer o mínimo, uma interferência indevida das FF AA na política, ou mesmo um crime.]
A questão do filho é um agravante político forte, assim como o afastamento da caserna. Após muitos militares compactuarem desde 2018 com a política nos quartéis, resolveram agora tirar os quartéis da política. O comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, afirmou que os militares não querem “fazer parte” da política governamental, nem querem que a política “entre” nos quartéis.
O movimento parece orquestrado nas Forças Armadas, já que o vice-presidente, Hamilton Mourão, que, ao contrário de Pujol, é da reserva, afirmou concordar com o colega de farda e sentenciou: “a política não pode entrar dentro do quartel”. O vice de Bolsonaro ainda completou dizendo que a politização dos militares atrapalha a hierarquia e a disciplina dentro das Forças Armadas.
Ora, sabemos disso e concordamos. Há muitos anos. E que bom que Mourão resolveu colocar ordem na casa. Sua voz ainda tem muita força entre os generais da ativa. Mas foi o Exército que resolveu voltar à política em 2018 quando o então comandante das tropas, general Villas Boas, politizou os quartéis nas eleições.
O próprio Mourão não ficou atrás e deu várias declarações polêmicas durante o governo Dilma. Com isso, conseguiu o seu tíquete para a chapa vitoriosa ao lado de Bolsonaro. É bom que esteja repetindo o posicionamento contra a politização dos quartéis, mas nem sempre o vice-presidente se posicionou assim.
O único que sempre teve o comportamento exemplar, uma exceção, é o comandante do Exército. Pujol desagradou o presidente da República ao cumprimentá-lo com cotovelo em cerimônia militar no mês de abril. Enquanto o presidente minimizava a pandemia, o comandante do Exército a definiu como a missão mais importante da sua geração.
Este espaço já apontou que Bolsonaro faz uma aposta arriscada ao se isolar de forma tão radical mirando 2022. É que as condições excepcionais de 2018, que o elegeram, podem não se repetir no próximo pleito. Agora, perder o apoio da caserna deverá ser um agravante dos mais definidores, caso esse comportamento de Pujol e Mourão ocorra de forma reiterada até as eleições. Seria a instituição mais bem avaliada do país dizendo “ele não”.
Blog Matheus Leitão, jornalista - VEJA