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terça-feira, 13 de junho de 2023

Tribuna livre - Sergio Moro

Vozes - Gazeta do Povo 

 


Stump Speaking, obra de George Caleb Bingham, datada de 1853. - Foto: Saint Louis Art Museum

Recentemente, temos visto polêmicas sobre o alcance da liberdade de expressão de parlamentares e da imunidade que lhes é concedida por suas opiniões, palavras e votos.

É objeto de discussão a origem desta liberdade e imunidade. Alguns, vislumbram traços dela nas proteções concedidas ao Tribuno da Plebe já na República Romana.
Eram eles considerados invioláveis e sacrossantos para que pudessem, perante o Senado, representar o interesse da plebe. 
Outros preferem apontar como fonte mais próxima o Bill of Rights de 1689, aprovado na Inglaterra após a chamada Revolução Gloriosa. Nela, é garantida liberdade de palavra ou de debate aos parlamentares, com a proibição de que ela seja questionada ou impugnada em qualquer tribunal ou lugar fora do Parlamento.  
Vinha a Inglaterra de uma sucessão de conflitos religiosos e sucessórios nos quais parlamentares haviam sido presos e a carta de direitos representou uma afirmação da supremacia do parlamento e das liberdades fundamentais.
 
No Brasil, desde a independência, a imunidade do parlamentar por suas palavras e votos tem, em diferentes formatos, sido reconhecida. Pelo texto da Constituição de 1824, os parlamentares eram “invioláveis pela opiniões que proferirem no exercício de suas funções”. Nas cartas de 1891 e 1934, agregou-se à imunidade as “palavras e votos”. 
 Houve mudança significativa na Constituição de 1937, que inaugura o Estado Novo. As opiniões e votos continuaram invioláveis, mas ressalva-se que os parlamentares “não estarão, porém, isentos da responsabilidade civil e criminal por difamação, calúnia, injúria, ultraje à moral pública ou provocação pública ao crime”. Nas Cartas de 1946 e 1967, temos de volta a inviolabilidade das “opiniões, palavras e votos”, sem ressalvas. 
Porém, em 1969, na escalada de autoritarismo, a imunidade volta a ser excepcionada em “casos de injúria, difamação ou calúnia, ou nos previstos na Lei de Segurança Nacional”. Nas emendas constitucionais de 1978 e 1982, a imunidade prosseguiu sendo excepcionalizada, na última para os casos “de crime contra a honra”. 
Finalmente, com redemocratização, a Constituição de 1988 restabeleceu, em sua plenitude, a inviolabilidade do parlamentar “por suas opiniões, palavras e votos”. A emenda constitucional 35 reforçou a inviolabilidade, esclarecendo que ela é de natureza cível e penal.
 
É errado qualificar a imunidade material como um privilégio de casta. Afinal, não se trata propriamente de um benefício direcionado ao deputado ou senador, mas, sim, de uma garantia necessária para o livre exercício do mandato conferido pelo povo. 
Se o deputado ou senador ficasse sujeito a represálias pelo exercício do mandato parlamentar, a sua capacidade de representar com liberdade e independência os interesses da população e de seus eleitores seria severamente impactada.
 
Nos tempos atuais, pelo advento das redes sociais e em vista de seu enorme potencial na disseminação de informações, há uma tendência em favor da maior regulação da liberdade de expressão. É claro que as redes sociais não devem ser um espaço de comunicação sem qualquer limite. Restrições a sua utilização para ameaças, incitação à violência e divulgação de pornografia são, por exemplo, razoáveis, sempre com o cuidado necessário para não coibir a liberdade de expressão. 
Mas mesmo no recente e malfadado Projeto de Lei 2630 [PL da Censura.] que buscava instituir a censura nas redes sociais, ressalva-se a inviolabilidade do parlamentar por suas postagens. 
Essa proteção específica ao parlamentar foi objeto de incompreensão e foi bastante criticada por parcela da sociedade. Entretanto, ela é coerente com as imunidades parlamentares e é recomendável para o bem exercício da função de representante do povo.

    Não se trata propriamente de um benefício direcionado ao deputado ou senador, mas, sim, de uma garantia necessária para o livre exercício do mandato conferido pelo povo

A jurisprudência do STF tem por sua vez restringido a imunidade parlamentar a manifestações vinculadas ao exercício da função e admitido o processamento de ações penais por crimes contra a honra ou ameaças. 
É forçoso admitir que alguns desses casos envolviam manifestações deploráveis de parlamentares, favorecendo o estabelecimento de limites a ela. 
Não obstante, o risco de admitir relativizações em casos extremos consiste em abrir a porta para outros mais corriqueiros e assim eliminar a liberdade e a contundência dos discursos parlamentares.
 
É ilustrativo o fato de que a imunidade parlamentar tenha sido objeto de restrições em Constituições promulgadas em períodos históricos marcados pelo autoritarismo, como o Estado Novo e o governo militar. 
É igualmente significativo que tais restrições tenham sido suprimidas nas cartas constitucionais que substituíram os textos aprovados nos períodos autoritários. 
Essa é uma lição da história sobre a vinculação estreita entre as liberdades parlamentares e as liberdades individuais, próprias de uma democracia. 
Devíamos prestar atenção no que a história nos ensina. Em um contexto no qual há uma tensão global entre democracias e autocracias e no qual temos um Presidente da República que adula ditadores como Maduro e Ortega, seria oportuno revisitar o tema da inviolabilidadade dos parlamentares por suas opiniões, palavras ou votos, tendo presente que se trata não de um privilégio de poucos, mas de uma garantia de muitos contra a tirania.

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Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

Sergio Moro, colunista - Gazeta do Povo - VOZES