O ex-juiz realizou o sonho que o PT, partido estruturado, tentou e não conseguiu
O Partido da Polícia (Papol) arreganha os dentes. É composto por setores
do Ministério Público, da PF, do Judiciário e, agora se sabe, da
Receita Federal. E já ameaça abocanhar o calcanhar de Jair Bolsonaro.
Fiquem atentos! Os eventos deletérios já estão em curso, e a reforma da
Previdência, vital para a sobrevivência política do presidente, também é
território de luta.
Sergio Moro quer o poder total. Será que o Messias, que não é de todo
desprovido do dom da profecia, está disposto a resistir? Basta que tenha
nomeado para o Ministério da Justiça alguém indemissível "ad nutum", se
me permitem a graça. Afinal, Moro fica até quando quiser; uma só
vontade é suficiente para isso: a sua. O ex-juiz está empenhado agora em
fazer o nome que vai substituir Raquel Dodge na Procuradoria-Geral da
República em setembro. Compõem a sua lista pessoal José Robalinho
Cavalcanti, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da
República (ANPR), e Deltan Dallagnol, dublê de procurador, coordenador
da Lava Jato e youtuber.
Com a transferência do Coaf (Conselho de Controle de Atividades
Financeiras), que Bolsonaro nem sabia direito o que era, para a pasta de
Moro, o ex-juiz realizou o sonho que o PT, como um partido solidamente
estruturado, tentou e não conseguiu: aparelhar todas as instâncias do
Estado de repressão ao crime e investigação. E o doutor sabe o que fazer
com o Coaf, o DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação
Jurídica Internacional), com a própria PF e com parcelas consideráveis
do Ministério Público Federal, das quais não se distingue. Mas o que
quer Moro?
Reproduzo, a título de resposta, uma mensagem de Rosangela Wolff Moro,
mulher do ministro, publicada no dia 8 de fevereiro no Instagram: "Já
estou iniciando HOJE campanha para 2022. Vamos anotando no nosso
caderninho". Ela encerra a sua antecipação de agenda com
"#foraquemnãopensanobrasil". Em lugar do nome do país, vem uma
bandeirinha. Escrito de outro modo: "Brasil, pense nele ou deixe-o". Ela
aproveitou a oportunidade para dar um pito nos políticos, exortando-os a
trabalhar. Quem tem medo de Rosangela Wolff? Se eu fosse Bolsonaro,
teria.
Se Moro obtiver também o controle terceirizado da PGR, o fato de o
presidente não poder demiti-lo será a menor das sujeições. E o assédio é
grande. Robalinho, por exemplo, colou-se a Onyx Lorenzoni, hoje chefe
da Casa Civil, quando este, deputado federal (DEM-RS), foi feito relator
das ditas "Dez Medidas Contra a Corrupção". Escalado para escoimar as
porra-louquices fascistoides que lá estavam, Lorenzoni tornou-se seu
entusiasta e porta-voz. Quanto a Dallagnol, contenta-se, por enquanto,
em ser cabo eleitoral do presidente da ANPR, que é a entidade de caráter
sindical (!) que promove a eleição, que não está prevista na
Constituição, da lista tríplice entregue à Presidência da República.
O jogo é pesado. Robalinho já comandou dois motins de procuradores
contra Dodge. Um deles conta com a adesão de Dallagnol, da procuradora
Thaméa Danelon, da Lava Jato em São Paulo, e do procurador regional da
República José Augusto Vagos, também da operação, mas no Rio. Tão logo
veio a público a proposta de reforma da Previdência, o presidente da
ANPR se juntou a seus congêneres de associações de entidades da elite do
funcionalismo para atacar o texto. Uma leitura óbvia da Lei
Complementar 75 informa que é preciso ser subprocurador-geral da
República para ser titular da PGR. Não é o caso nem de Robalinho nem de
Dallagnol. Mas lei é coisa do passado, de quando procurador não era
youtuber...
Vazamentos de investigações irregulares promovidas na Receita têm como
alvo ministros de tribunais superiores, entre outros. Os delatores da
OAS, como viram, fizeram mira, entre outros, em Rodrigo Maia(DEM-RJ),
presidente da Câmara. Sem ele, a reforma da Previdência nem sai da
estação. E, a depender das insatisfações do Papol, a família Bolsonaro
pode ou não virar suco. Ainda bem que alguém pensa no futuro: Rosangela já deu início à campanha
de 2022. A propósito: se o marido dessa visionária disse alguma coisa
em defesa da reforma da Previdência, eu não li.
O Papol arreganha os dentes. Ou, se quiserem, lá vai um clichê da
zoologia política que continua a fazer sentido: "Cría cuervos, y te
sacarán los ojos".
Reinaldo Azevedo - Folha de S. Paulo