O Rio não é exceção; antes, é regra. A prisão do governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, em pleno exercício do cargo, reveste-se de profundo sentido simbólico. Resume a política brasileira contemporânea, em que o Estado e suas
instituições foram capturados pelo crime organizado. Ele está nos três
Poderes. A Lava Jato, uma operação policial, tornou-se, por isso mesmo,
estuário das esperanças nacionais. Fato inédito.
Além dos quatro últimos governadores – Garotinho, Rosinha, Sérgio
Cabral e Pezão -, estão presos os três últimos presidentes da Assembleia
Legislativa fluminense e todo o Tribunal de Contas do Estado (à exceção
de uma ministra, nomeada ao tempo em que os outros embarcavam no
camburão), além de procuradores e juízes. O Rio não é exceção; antes, é regra. Nem é a cidade mais violenta do Brasil: no ranking nacional, é a 22ª.
Mas, como cidade-síntese da nacionalidade – foi capital em suas três
fases históricas (colônia, império e república) -, é um retrato do país,
que tem hoje um ex-presidente (Lula) preso e os dois que o sucederam
(Dilma e Temer) já na condição de réus. O presidente que, dentro de um mês, sai se empenha em conceder um
indulto a amigos, políticos que incidiram no crime de corrupção – o
mesmo de que é acusado -, com plena recepção do STF (que já contabilizou
os seis votos necessários para aprová-lo). A eleição de Jair Bolsonaro, um deputado que por quase três décadas
integrou o chamado baixo clero da Câmara, decorre desse quadro
moralmente devastado. Bolsonaro concentrou sua atuação parlamentar,
sempre vista como irrelevante, quando não caricatural, na denúncia do
crime e da corrupção generalizada.
Fez dessas questões, negligenciadas por todos os governos da chamada
Nova República, a bandeira de sua candidatura presidencial vitoriosa.
Expressou numa linguagem que alguns consideram tosca o que todos
identificam na realidade mais imediata da vida. As chamadas grandes questões – na economia, na organização do Estado,
no campo ideológico – perdem relevância diante do cotidiano infernal
que o cidadão enfrenta. E é simples entender: para discuti-las, é
preciso estar vivo. E as cidades brasileiras tornaram-se sucursais da
Faixa de Gaza. Quem quer investir num lugar assim? A partir do óbvio, consolidou-se a candidatura Bolsonaro, que,
partindo de aliados simplórios, agregou apoios mais graduados e hoje
transcende o seu ambiente de origem. O desafio que se impõe é o de
transformar o ecossistema político brasileiro. Nada menos. E isso o
torna persona non grata de todo o establishment.
Essa, na verdade, foi a promessa que o PT, na sua origem, fazia ao eleitorado. Prometia um mundo novo, livre da corrupção.
No poder, repetiu (e levou ao paroxismo) os erros que sempre
denunciou, transformando-se de partido político em “organização
criminosa que se apoderou do Estado brasileiro”, nas palavras do
ministro Celso de Melo, do STF, quando do julgamento do Mensalão. A montagem do Ministério, feita às claras – e por isso mesmo tendo
suas divergências e contradições expostas ao público -, desafia o
chamado presidencialismo de coalizão (ou de cooptação), ao minimizar a
consulta aos partidos.
O risco é que derive para o tecnocratismo, que, ao prescindir da política, se distancia também da realidade.
Ruy Fabiano - Blog do Noblat - Revista VEJA
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sábado, 1 de dezembro de 2018
O Rio é a síntese do Brasil
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quinta-feira, 23 de novembro de 2017
Tempo sem trégua
Já houve outros dias assim, ultimamente, que são emblemáticos de um tempo sem trégua. Vivemos uma sucessão de momentos difíceis. Escrevi aqui na semana passada que a votação da Assembleia Legislativa libertando os deputados Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi não era o fim da história e que os absurdos do processo naquela sessão da Assembleia mostravam a fraqueza dos que haviam vencido. Esses absurdos é que anularam a sessão e agora eles voltaram à prisão. Haviam cometido também erros processuais básicos.
É estranha, de qualquer forma, a sensação de viver num estado assim com tantos eventos extremos. Em que três ex-governadores, o presidente e o ex-presidente da Assembleia estão presos, e logo depois de cinco conselheiros do Tribunal de Contas do Estado terem passado uma temporada na cadeia. E um quase ex-conselheiro do TCE, indicado pelo atual governador, também estar detido. Além disso, as finanças estaduais estão arruinadas pela ação dessas pessoas que se sucederam no poder e, em vários momentos, estiveram juntos, em aliança.
O ex-governador Garotinho atribuiu sua prisão ao fato de ter denunciado Sérgio Cabral. Duas correções históricas: Cabral foi denunciado pelo Ministério Público, diante de evidências investigadas pelo MP e pela Polícia Federal, em processo conduzido pela Justiça Federal. Ele não está preso pelas fotos da festa dos guardanapos, divulgadas por Garotinho, por mais grotescas que elas tenham sido. A mais importante contradição do pensamento do ex-governador Garotinho é que se o ex-governador Sérgio Cabral tivesse força para perseguir seu suposto denunciador ele não estaria na situação em que se encontra. Para que estivesse certa a tese de Garotinho, seria preciso que o aparato que o prendeu estivesse sob o comando de Cabral. Ele pode dar qualquer explicação para a sua prisão ontem. Mas ele e sua mulher, Rosinha, são acusados de fazerem parte de uma organização que arrecadava dinheiro ilícito para campanhas junto a empresários.
Há, contudo, uma agenda que se pode seguir para começar a reconstrução. Não será imediata, porque terá que passar por uma mudança no poder durante as próximas eleições. E será possível a partir dessa agenda começar a refazer o estado. Não haverá ajuste fiscal sem encaminhar uma solução para a questão previdenciária. O Rio segue os passos do Rio Grande do Sul, em que 54% da folha de pessoal são de inativos. Não basta aumentar a contribuição de quem está na ativa, é preciso reduzir o custo dos benefícios já concedidos.
A reforma da Previdência sozinha não resolve o problema do estado. O Rio tem que se preparar para o futuro, desenvolvendo novos projetos econômicos, que não dependam do petróleo. A boa notícia é que a volta dos investimentos no setor, com as rodadas de áreas do pré e pós-sal, e a alta dos preços de petróleo podem dar um aumento de arrecadação neste primeiro momento. O tempo curto de melhora das receitas de petróleo pode ser usado para reduzir a dependência da commodity sob pena de repetir a mesma montanha russa fiscal e econômica. A tragédia da segurança é tão grande que não poderá ser resolvida apenas pelo Estado.
Há caminhos para sair da crise em que o Rio está. Mas não haveria qualquer esperança para o estado se ele continuasse sendo governado, alternativamente, pelos que estavam ontem na prisão. Eles são sócios no projeto que nos trouxe a esse tempo sem trégua.
Coluna Miriam Leitão - O Globo
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