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domingo, 1 de setembro de 2019

Sociedade reage e mostra limite - Míriam Leitão

O Globo

Sociedade mostra vigor na crise ambiental

A sociedade brasileira mostrou um enorme vigor nesta crise ambiental. Ex-ministros do Meio Ambiente foram juntos a Brasília pedir apoio ao Congresso. Funcionários de órgãos ambientais reagiram. Instituições científicas e organizações ambientalistas mostraram os riscos que o país estava correndo. Os empresários do agronegócio alertaram para o prejuízo que a perda de reputação poderia provocar nas exportações. A imprensa contou histórias como a do “dia do fogo”, exibiu imagens eloquentes em reportagens e nos artigos de opinião.

O governo teve que recuar e mandar as Forças Armadas para a Amazônia. Disse que houve efeito imediato de reduzir os focos de incêndio e que a fiscalização voltou a atuar. Houve prisão e suspeito foragido. A Polícia Civil apreendeu em São Félix do Xingu galões com gasolina que seriam usados num vasto plano de queima de floresta em área protegida.  O MPF do Pará, por sua vez, diz que é preciso esperar pelos dados do Inpe para se ter certeza de que houve redução dos incêndios. Está preocupado com o andamento das investigações e diz que não houve “nenhuma ação coordenada do governo federal em Novo Progresso.” Exatamente o município do Dia do Fogo.

Na democracia é assim. O governo eleito não tem carta branca para fazer o que quiser. Mesmo os seus eleitores não aprovam todas as suas propostas. Alguns votam por se identificar integralmente com o político, outros, por algumas das ideias defendidas na campanha, muitos escolhem um candidato para evitar o adversário. O que tem ficado claro nestes dias da crise ambiental é que o presidente não tem a maioria da opinião pública ao seu lado nas ideias que tem sobre a Amazônia, conservação, terras protegidas e atuação de órgãos de controle. O presidente e seu ministro do Meio Ambiente deram uma sucessão de evidências do desprezo pela proteção do meio ambiente. O senador Flávio Bolsonaro assinou com o senador Márcio Bittar uma proposta de fim de mundo, que era acabar com toda a reserva legal nas propriedades privadas, que existe na legislação brasileira desde 1939. O projeto de tão absurdo foi retirado, mas quem assina uma sandice dessas sabe o que está fazendo.

A carta de nove ex-ministros do meio ambiente ao Congresso foi entregue na quarta-feira. Levava também a assinatura dos presidente da OAB e SBPC. Alertava contra “as graves consequências ambientais, sociais, econômicas, políticas e diplomáticas que poderão advir da continuidade dessa situação”. Os efeitos econômicos já começam a aparecer com a reação de compradores de produtos brasileiros e até compradores de títulos da dívida ameaçando afastar-se do país. Uma das medidas emergenciais pedidas ao Congresso pelos ex-ministros foi a “suspensão da tramitação de matérias que possam agravar a situação”.

O presidente Jair Bolsonaro, apesar de ter inicialmente feito um discurso mais moderado, e ter enviado as tropas para o combate, mobilizado ministros e se reunido com governadores, não mudou, nem atualizou seu pensamento sobre o que fazer com a Amazônia. E isso se viu claramente na reunião com os governadores da região em que, em vez de se concentrar na emergência e no trabalho colaborativo para resolver o problema que provocara a reunião, ele abriu uma outra frente de conflito ao ameaçar as terras indígenas. Como todos que leram a Constituição sabem, as terras são da União e são Unidades de Conservação. Ele falou como se parte do território brasileiro tivesse sido expropriada. A questão indígena é outra agenda que pode causar muito dano ao país.[uma das providências de maior importância adotada pelo presidente Bolsonaro foi desmascarar os planos intervencionistas do Macron, alertar para o fato de que s indígenas são os maiores latifundiários do Brasil - qualquer hora alguém vai ter a ideia de proclamar a 'independência1 das reservas indígenas, que então serão vendidas a preço de banana.
Esse protesto dos funcionários do ICMBio tem valor ZERO.]
Dentro do governo, os funcionários também reagem. Servidores do ICMBio assinaram uma carta pedindo o fim da “política de assédio e intimidação”. Eles querem o fortalecimento dos órgãos de controle.  Bolsonaro pode dizer que na área ambiental ele nunca escondeu qual era o seu projeto. De fato. Antes e depois das eleições ele deu demonstrações de não ter entendido a complexidade da questão ambiental e suas relações com a economia atualizada. Bancos, fundos de pensão, grandes empresas têm códigos ambientais e compromissos assumidos de prestar contas aos seus clientes, acionistas e investidores sobre as práticas ambientais e sociais que suas decisões de negócios e investimento estão convalidando. Os sinais de que o estrago na imagem do Brasil, provocado pelo tom beligerante e antiambiental do governo, estava chegando à economia estão ficando cada vez mais fortes. A sociedade brasileira, contudo, tem reagido e demonstrado que, na democracia, todo governante tem limites.

Blog da Míriam Leitão Alvaro Gribel, de São Paulo

terça-feira, 23 de julho de 2019

A inércia do erro - Nas entrelinhas


Correio Braziliense

“O presidente da República toma decisões na base do “achismo”, desconsiderando indicadores científicos

Há casos famosos de líderes que preferiram matar o mensageiro a reconhecer os próprios erros. Em 335 a.C., o imperador persa Dario III, em guerra com Alexandre Magno, da Macedônia, ao ser alertado sobre os possíveis erros de sua estratégia pelo mercenário grego Charidemus, resolveu estrangulá-lo num ataque de fúria. Acabou derrotado. Também é famoso o caso do almirante inglês Clowdisley Shovell, que havia derrotado os franceses no Mediterrâneo e naufragou a sudoeste da Inglaterra, em meio a um nevoeiro, porque não quis reconhecer que seus cálculos de navegação estavam errados, perdendo cinco navios e dois mil homens. Preferiu enforcar o subalterno.

É mais ou menos o que está fazendo o presidente Jair Bolsonaro com o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Magnus Osório Galvão, a quem acusou de estar “a serviço de alguma ONG” por divulgar dados que mostram o grande aumento do desmatamento na Amazônia. Funcionário de carreira, com uma longa folha de serviços prestados, o pesquisador rebateu as acusações e reafirmou a veracidade dos dados sobre desmatamento divulgados pelo Inpe, cuja política de transparência permite o acesso completo aos dados e adota metodologia reconhecida internacionalmente.

De acordo com números divulgados pelo Inpe no início deste mês, o desmatamento na Amazônia Legal brasileira atingiu 920,4 km² em junho, um aumento de 88% em comparação com o mesmo período do ano passado. Áreas da Amazônia que deveriam ter “desmatamento zero” perderam território equivalente a seis cidades de São Paulo em três décadas. Fora das áreas protegidas, a Amazônia perdeu 39,8 milhões de hectares em 30 anos, o que representa 19% sobre toda a floresta natural não demarcada que existia em 1985, uma perda equivalente a 262 vezes a área do município de São Paulo. Nas áreas protegidas, a perda acumulada foi de 0,5%. É óbvio que a nova política para o meio ambiente já é um fracasso.

Houve protestos de instituições como a Academia Brasileira de Ciência e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).Críticas sem fundamento a uma instituição científica, que atua há cerca de 60 anos e com amplo reconhecimento no país e no exterior, são ofensivas, inaceitáveis e lesivas ao conhecimento científico”, diz a nota da SBPC. Segundo a entidade, dados podem ser questionados em bases científicas e não por motivações políticas e ideológicas.
Bolsonaro argumenta que, antes de divulgar dados sobre desmatamento no Brasil, o diretor do Inpe deveria, no mínimo, procurar o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, ao qual está subordinado, para informar antecipadamente o conteúdo que seria divulgado. Afirmou que está acostumado com “hierarquia e disciplina” e questionou a divulgação de dados sem seu prévio conhecimento. Segundo Bolsonaro, pode haver algum equívoco na divulgação das informações ambientais sem um crivo prévio do governo, sob o risco de “um enorme estrago para o Brasil”.

Conselhos
Políticas públicas e indicadores sobre a realidade brasileira, porém, devem ter transparência e serem acessíveis ao público, pois são elementos fundamentais para análises e pesquisas. O problema é outro. O presidente da República toma decisões na base do “achismo”, desconsiderando indicadores científicos, sem levar em conta que a inércia do erro num país de dimensões continentais como o Brasil, que tem uma escala muito grande, pode ser muito desastrosa.

É o que está acontecendo com o desmatamento, em razão do estímulo ao avanço do agronegócio em áreas de proteção ambiental e das medidas adotadas contra a política de fiscalização do Ibama. Os números divulgados pelo Inpe mostram o tamanho do estrago que o governo agora quer varrer para debaixo do tapete. Na verdade, no Palácio do Planalto, enquanto sobram decisões intempestivas, falta planejamento. O mesmo fenômeno pode vir a ocorrer no trânsito, por exemplo, com as mudanças propostas em relação às multas — não vamos nem considerar as cadeirinhas de bebê e os cintos de segurança. O endurecimento das regras não ocorreu por acaso, mas em razão do impacto dos acidentes de trânsito nos indicadores de mortes violentas e nos custos do sistema de saúde pública.


Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB