A força dos eventos em torno da prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) vai muito além do personagem. O Supremo consagrou duas teses. Primeiro, que a imunidade parlamentar não cobre ataques e ameaças à democracia. Segundo, que a internet alarga o conceito de prisão em flagrante porque nela se pratica crime continuado. [Exceto que prisão em flagrante dispensa mandado de prisão e que o mandado de prisão elimina o flagrante.] O que era no começo do dia uma decisão do ministro Alexandre de Moraes virou de todo o STF após a aprovação por unanimidade. A cúpula da Câmara tentava encontrar formas de amenizar a punição.
Daniel Silveira é reincidente. É investigado no inquérito das fake news e das manifestações antidemocráticas. [a condição de investigado não caracteriza a reincidência = essa só se verifica com o cometimento de novo crime, após o trânsito em julgado de sentença condenatória pro crime anterior. Temos a reincidência genérica e a específica = artigo 64 do Código Penal.] É um defensor da violência como arma política. Em um dos seus vídeos mais conhecidos, ele ameaça de morte manifestantes antifascistas. Mais importante, ele é um bolsonarista raiz, da ala radical. Ao atacar o Supremo ele estava tentando escalar a crise iniciada pela declaração do general Villas Bôas de que o Alto Comando do Exército participou da redação da postagem que fez em 2018 ameaçando o STF. [com o devido respeito ao excelente colunista, lembramos que o assunto tinha sido sepultado há quase três anos - com o silêncio coletivo do STF. O ministro Fachin - que estava entre os ministros que silenciaram - é que decidiu após o transcurso de 34 meses, expressar indignação, o que gerou tumulto no quadro político.] Semana passada, in dos integrantes do Alto Comando da época são ministros de Bolsonaro, e o então ministro da Defesa é diretor-geral de Itaipu. Era nessa crise que Daniel Silveira tentava surfar.
Ex-policial militar, defensor da disseminação das armas,
propagandista da ditadura e do AI-5, o deputado é fruto também do
perigoso fenômeno da politização das polícias militares, uma das bases
do atual presidente. O ex-ministro da Segurança Raul Jungmann explica
melhor.— A hiperpolitização das polícias militares acontece pela permissão
de que eles saiam, se candidatem e, se perderem a eleição, possam voltar
e retomar o serviço ativo. Ganhando ou perdendo pode-se voltar. A
possibilidade de ir e vir da política para a PM tem sido um estímulo a
que indivíduos liderem rebeliões e motins para depois se candidatarem. A
greve é proibida, mas eles entram em greve e depois são anistiados —
diz Raul. [os EX sempre procuram espaço para opinar, sendo que quando não eram EX tiveram oportunidade de sanar muitos dos problemas sobre os quais opinam.]
E pior, não há um período de desincompatibilização. Ele pode sair da corporação direto para a campanha. E se não for eleito, volta direto. Nada a perder, portanto. Um estudo feito pela newsletter Fonte Segura, do Fórum Brasileiro da Segurança Pública e da Analítica Comunicação, mostra que isso não acontece em outros países. Bolsonaro estimulou ao máximo essa politização e continua cultivando as PMs como uma de suas bases. Em 2018, foram eleitos 77 militares ou policiais militares, 43 deles pelo PSL, partido ao qual o presidente era filiado.
Silveira, ao discutir no IML, para não usar máscara, disse que é um policial. Não é mais. Ficou apenas cinco anos, nove meses e dezessete dias. Não pode voltar, portanto, porque não completou 10 anos. No vídeo em que ameaçou manifestantes, ele também falou como se ainda fosse policial e lembrou que eles andavam armados e “em algum momento um de vocês vai achar o de vocês e tomar um no meio da testa e no meio do peito”. No vídeo que o levou à prisão o deputado fez ameaças físicas aos ministros do STF.
A decisão do STF, independentemente da reação da Câmara, esclarece princípios que o governo de Jair Bolsonaro tentou confundir. A liberdade de expressão não serve para encobrir crimes contra a democracia. Nem mesmo de um parlamentar. Bolsonaro quando era deputado fez apologia da ditadura e da tortura, falou em matar adversários políticos e nunca foi punido. Vejam o preço que o país paga pela leniência das instituições.
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