É necessária uma regulamentação que dê espaço a reivindicações justas mas impeça que a conta vá apenas para a população
A notícia de que os professores da rede estadual decidiram tirar férias este mês e só repor a partir de setembro as aulas perdidas durante quase cinco meses de paralisação aponta para a necessidade urgente de regulamentação do direito de greve dos servidores públicos, garantido pela Constituição de 1988, mas ainda objeto de interpretações diversas por parte da Justiça. A decisão — tomada unilateralmente pelo Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação — causa prejuízos irrecuperáveis aos alunos.A greve, por si só, já traz enorme dano aos estudantes, visto que a aprendizagem é processo gradativo e permanente, pressupondo assim um calendário. Se a reposição das aulas, quando há, é incerta, o problema só se agrava. Não menos dramática é a situação de pacientes da rede pública de saúde em paralisações que — ainda que não fechem as emergências — exigem a remarcação de exames e consultas acertadas há meses, o que pode significar uma sentença de morte. Ou ainda de segurados, em caso de greve de funcionários da Previdência. A paralisação dos médicos peritos, encerradas em janeiro deste ano, deixou 1,3 milhão de trabalhadores aguardando a perícia do INSS e o recebimento do benefício. O tempo médio de espera pelo agendamento subiu de 20 para 88 dias.
Diante de tais transtornos, já passou da hora de haver uma regulamentação que, ao mesmo tempo que dê espaço a reivindicações justas de funcionários públicos, impeça que a conta vá apenas para uma população que já é punida por serviços de má qualidade e uma das maiores cargas tributárias do mundo — a mais elevada entre os países emergentes.
Em outubro de 2015, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado aprovou o projeto que regulamenta o direito de greve de servidores. Atualmente, o texto está na Comissão de Constituição e Justiça, aguardando inclusão na pauta de votação. O texto determina, entre outras coisas, que os dias parados podem ser descontados, e que durante a greve as unidades administrativas devem continuar prestando serviços com, no mínimo, 30% dos funcionários. Pode ser aperfeiçoado para equilibrar de forma justa direitos de servidores e da população. E, certamente, haverá controvérsias quando de sua discussão em plenário, como é parte do jogo democrático. Mas o que não se pode admitir é que algo que afeta tão drasticamente a população continue sujeito à indefinição, por pressões corporativistas.
[a maior parte das categorias inseridas na classificação de servidores públicos pode ser contemplada com uma legislação menos restritiva quanto ao exercício do direito de greve; em hipótese alguma deve ser permitida a paralisação total.
Mas, outras categorias não podem, não devem, ter direito a greve e se tal direito for concedido que seja sob normas excepcionais que implique no funcionamento normal de no mínimo 3/4 da força de trabalho - funcionamento normal é que funcione mesmo, prestando atendimento efetivo e eficaz e não apenas simulando um funcionamento normal.
Entre estas categorias devem estar incluídas EDUCAÇÃO, SAÚDE e SEGURANÇA.
Apesar de não ser formada por servidores públicos, os trabalhadores no TRANSPORTE PÚBLICO - empresas privadas que concessionárias do SERVIÇO PÚBLICO de TRANSPORTE - devem também ter o direito a greve limitado a situações excepcionais e garantindo sempre um funcionamento nunca inferior a 70%, haja vista que a paralisação do serviço de transporte público (que via greves programadas ou através das famigeradas paralisações relâmpago) chegam a ser mais prejudiciais que a dos SERVIDORES PÚBLICOS que trabalham nas áreas citadas.]
Fonte: Editorial - O Globo