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quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Sem controle - William Waack

O Estado de S. Paulo

O País está sem controle efetivo, à espera do imponderável

As chances de Jair Bolsonaro ser o condutor dos fatos políticos ficou para trás e ele começa a segunda metade de seu mandato claramente à mercê de fatores sobre os quais tem pouco controle. O sentido da expressão é o seguinte: ser capaz de ditar ou, pelo menos, conseguir encaminhar uma agenda política com rumo e direção claros – além da necessidade de proteger a si mesmo e sua família dos conhecidos enroscos com a Justiça e conseguir se reeleger.

[para fazer contraponto a este excelente post, sugerimos ler: 

A boiada passa.]

Estar “à mercê de fatores sobre os quais tem pouco controle” significa que, para onde olhe, Bolsonaro está preso a uma intrincada teia que o mantém manietado. Os aspectos mais evidentes envolvem o Legislativo e o Judiciário. No Congresso, ao contrário das aparências, não é Bolsonaro que tem o controle do amorfo grupo de partidos chamado de “centrão”. É essa gelatinosa maioria que o carrega – e se sente totalmente à vontade por não ter de seguir ordens emanadas do Executivo.

O Judiciário, especialmente o STF, em dois anos impôs derrotas sucessivas ao presidente, encurtou seu poder, limitou seus arroubos, e o mantém refém de inquéritos e processos. Pode-se gostar ou não do que fazem os juízes do Supremo, mas nunca se viu um chefe do Executivo tão desmoralizado por decisões de mérito ou liminares que, na prática, o mantém emparedado em estreitos limites. Usando linguagem popular, o STF é o sócio majoritário do poder do atual presidente. [sócio majoritário é uma expressão que, ao nosso modesto entendimento,  implica em admitir que o 'majoritário' intervém de forma exagerada nos atos do rebaixado à condição de 'minoritário' = por ser o aqui chamado majoritário um dos Poderes da República e o minoritário outro dos Poderes, fica claro  que o majoritário desrespeita a harmonia e independência dos Poderes, determinada pela Constituição de 88, que está sob a guarda do majoritário. 

Tanto poder concentrado em apenas um dos 3 Poderes talvez justifique adotar a expressão 'sócio absoluto.']

Há exatamente um ano, passados 12 meses no Planalto, Bolsonaro tinha ensaiado a apresentação de “eixos estratégicos” de seu governo. Reconhecia a questão fiscal como prioritária e, pelo lado das despesas, propunha atacar o crescimento dos gastos públicos através de uma reforma administrativa que enfrentasse o corporativismo das folhas de pagamento do funcionalismo. De outro, propunha destravar a economia e melhorar substancialmente o ambiente de negócios (reduzindo o famoso custo Brasil) via reforma tributária, reforma do Estado em geral, desburocratização, desregulação e privatizações.

A tripla crise política, econômica e de saúde pública, agravada pela falta de visão e liderança dele mesmo, reduziu esses “eixos estratégicos” a uma luta pela sobrevivência política e pessoal, não importando o custo. As recentes eleições municipais não podem ser tomadas como retrato do “caráter nacional” da política, mas expuseram o derretimento da figura do mito, incapaz de transmitir sequer fração dos votos com que tinha impulsionado as mais diversas candidaturas nas eleições de 2018.

Em termos da capacidade de influenciar a recuperação da economia, da qual em último aspecto dependem diretamente as chances de reeleição, Bolsonaro está hoje em situação muito mais precária do que há um ano. Vacina, juros baixos e inflação até aqui razoavelmente comportada funcionam como analgésicos que retiram da esfera política o sentido de urgência e gravidade da questão fiscal – aquela que, no fundo, é a que condiciona toda a política brasileira (desde sempre entendida como o empenho em acomodar interesses setoriais às custas dos cofres públicos).

A desorganização e a falta de coordenação e de rumos, as principais características do atual governo, são ao mesmo tempo causa e consequência de um fenômeno que os sociólogos da velha guarda definiam como anomia social – na sua acepção mais severa, a expressão descreve a ausência de regras que orientem uma sociedade, ou o relacionamento entre suas diversas instituições. Bom exemplo é o comportamento de governadores e prefeitos diante da falta de coordenação federal no caso da vacinação da população: cada um tratou de defender o seu o mais rápido possível, atendendo a uma pressão que Bolsonaro não foi capaz de entender. Na prática, está entregando as coisas a si mesmas, uma perigosa aposta contra o imponderável.

William Waack, jornalista - O Estado de S. Paulo

 

sábado, 28 de março de 2020

Sem controle - Merval Pereira

O Globo

Cresce a irresponsabilidade

Como expressar o desalento de ter na presidência da República, especialmente num momento de grave crise como esse, uma pessoa capaz de dizer essa frase em público:“Alguns vão morrer? Vão morrer, ué, lamento. Essa é a vida, é a realidade. Nós não podemos parar a fábrica de automóveis porque tem 60 mil mortes no trânsito por ano, está certo?”. [certas colocações são mais palatáveis quanto feitas em privado;
sinceridade costuma ser desagradável para muitos.]

Há certas coisas que se pode pensar, mas nosso superego impede que digamos em voz alta devido a um processo civilizatório a que somos submetidos no convívio social, como já ensinou Freud. Mas Bolsonaro, como já ficou provado em outras ocasiões, não tem superego. A comparação com os automóveis parece ser uma fixação desse governo, e a falta de empatia, permanente. No início do mandato, quando se discutia a liberação da posse de armas pelos cidadãos, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), General Augusto Heleno, também usou a comparação de automóveis com as armas.

[a grande dificuldade do governo Bolsonaro decorre, em pequena parcela, da sua loquacidade, mas a causa principal é que muitos querem governar, dar palpites e só uma autoridade é cobrada - sofrendo marcação implacável.
Fica dificil se manter o rumo quando tudo que fazemos é severamente criticado, contestado, muitas vezes chega a ser proibido.
Ao que sabemos, o coronavírus é novo e, consequentemente, a doença que causa.
Tal condição faz com que tudo sobre a doença e sua causa produzam muitas especulações, "chutes".
Só que quando o 'chute' ou especulação tem como autor um especialista ou um nome pomposo passa a ser verdade.]

Mais limitado, o também ministro Ônix Lorenzoni comparou os revólveres com os liquidificadores. O objetivo era o mesmo de hoje do presidente Bolsonaro, relativizar as eventuais mortes ocasionadas pelas decisões governamentais. Embora estudos mostrem que a liberação das armas para os cidadãos provoca mais mortes do que proteção, desta vez é mais grave, pois há um conjunto de evidências científicas, como o estudo  divulgado pelo Imperial College of London, que demonstra que a diferença entre o isolamento social rigoroso e uma estratégia mais branda de proteção seletiva sobre os idosos e os doentes pode significar até 1 milhão de vidas perdidas a mais em pouquíssimo tempo no caso do  Brasil.

Há uma ressalva fundamental no nosso caso: o estudo foi feito com base no que está ocorrendo na Europa e nos Estados Unidos, e não leva em conta a existência de favelas, a falta de abastecimento de água ou saneamento, e outras mazelas com que as populações mais carentes convivem. Os estudos do Imperial College of London foram responsáveis pela mudança de atitude do governo de Boris Johnson, que tentou uma abordagem menos drástica da crise do Covid-19 imaginando que a população ganharia anticorpos para combater o novo vírus, e teve que desistir devido ao aumento exponencial de casos de contaminação e mortes.

Temos também o caso que já se tornou clássico da Itália, - e dentro dela de Milão, - que tentou minimizar os efeitos da pandemia e acabou se tornando o epicentro de uma tragédia humanitária. Como já temos esses exemplos, a posição do presidente brasileiro torna-se ainda mais inaceitável. De nada nos servirá que ele venha dentro de um mês se desculpar (se é que é capaz disso) como fez o prefeito de Milão, que ontem, diante da catástrofe que se abateu sobre seus cidadãos, admitiu publicamente que  desprezou os perigos da Covid-19.

Mais grave é que o grau de irresponsabilidade é tamanho que o governo brasileiro é capaz de encomendar e distribuir pelos canais das redes sociais vídeos defendendo que o país não pode parar, mesmo slogan publicitário de Milão, e, diante da repulsa que geraram nos cidadãos de bem, alegar que não foram aprovados pela Secretaria de Comunicação, e, portanto, não são oficiais. Para quem tem dentro do Palácio do Planalto um chamado “gabinete do ódio”, que opera nas sombras para disseminar boatos e fake News, esta não é uma postura surpreendente. O que é preciso definir, de acordo com as instituições que zelam pela democracia brasileira, como o sistema Judiciário, e o Congresso, é qual o limite que o hoje presidente brasileiro pode ir até que seja bloqueado pelas armas da democracia.

Bolsonaro já nem mesmo se dá ao trabalho de tentar disfarçar seus objetivos. Perguntado pelo apresentador José Luis Datena se estaria disposto a dar um golpe, em vez de negar peremptoriamente, Bolsonaro respondeu: “Quem quer dar um golpe não vai falar que vai dar”. [convenhamos que o apresentador  não foi muito feliz - ou lhe faltou inteligência - na elaboração da pergunta.
Sendo experiente em programas policiais deveria saber que qualquer pessoa mal intencionada não confessa suas intenções.] Como sempre, sem superego. 

Merval Pereira, jornalista - O Globo