Análise: ‘A polícia não pode ter licença para matar, como James Bond’
Jacqueline Muniz, antropóloga e professora do Departamento de Segurança Pública da UFF
[o ideal, o desejável, o maravilhoso, seria que não houvesse mortes nem entre os civis nem entre os policiais.
Infelizmente, este mundo não existe;
também não pode existir o mundo desejado, fantasiado pelos antropólogos, sociólogos e outros 'logos', em que a letalidade policial seja zero (não sendo computada a letalidade dos bandidos quando as vítimas são policiais).
Para que letalidade policial seja ZERO é necessário que os bandidos sejam convencidos a quando estiverem fazendo, ou em vias de fazer, algum malfeito e percebam um policial, fujam.
Não havendo tempo de fugir que se rendam.
Só que este convencimento ainda não ocorreu (talvez ocorra a partir do dia que todo policial decidir que policial não deve mais ser assassinado, se alguém tem que morrer que seja o bandido) e os bandidos reagem, muitas vezes iniciam o confronto e em outras o policial é a própria vítima da ação criminosa.]
Em todo o
mundo democrático, as tropas de elite, como a SWAT americana, foram criadas
para viabilizar a meta de letalidade zero. Elas foram concebidas para atuar em
situações de alto risco com um grau de expertise maior, sem precisar
fazer uso desproporcional da força e, portanto, controlando a letalidade e
também a vitimização policial. A polícia não pode ter licença para matar, como
James Bond. As forças policiais democráticas só matam em legítima defesa.
[em qualquer país do aqui chamado mundo democrático, quando um bandido atira em um policial o policial tem o direito de exercer a legitima defesa - seja da sua própria vida ou da de terceiros e no exercício desse direito, pode matar.] Porém, no Brasil, não temos uma doutrina de uso da força letal. Aqui, a
definição de poder de polícia segue estipulada pelo Código Tributário, feito em
plena ditadura.
Todas as
polícias no país sofrem de baixa institucionalidade e de informalidade no uso
da força. Todas se arriscam a agir demais ou de menos. Essa é a razão que torna
o controle externo débil. Nem o Ministério Público tem parâmetros para atuar,
porque há um limbo legal. O Ministério Público controla fluxo de papéis, mas
não controla a ação policial.
Por isso, temos um grau elevado de impunidade em
casos de abusos. O mandato do uso da força no Brasil é um cheque em branco. A
letalidade acaba sendo justificada pela apreensão de alguma arma. É público e
notório que a maior parte da polícia do Rio de Janeiro não é matadora, no
entanto, poucos matadores se beneficiam desses limbos. Basta alguns deles para
baratear o valor da vida do cidadão e do próprio policial militar.
Jacqueline Muniz, antropóloga e professora do
Departamento de Segurança Pública da UFF