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sexta-feira, 26 de junho de 2020

TJ-RJ ignora o Supremo; democracia nele! - Reinaldo Azevedo

Folha de S. Paulo

O TJ-RJ destrambelhado e o movimento democracia já -  Concessão de foro especial a Flávio Bolsonaro ignora a regra do jogo     

O presidente Jair Bolsonaro descobriu a autocontenção só depois que a Justiça decretou a prisão de Fabrício Queiroz. A propósito: a concessão, pelo TJ-RJ, de foro especial a Flávio Bolsonaro afronta decisão do Supremo. Tem de ser revertida por meio de recurso especial ao STJ ou de reclamação ao próprio STF.  Fui contra o fim do foro especial — e apanhei muito dos bolsonaristas por isso —, mas o meu entendimento foi derrotado. Viva o colegiado! A menos que a 3ª Câmara Criminal do TJ-RJ tenha encontrado no acórdão alguma regra excetuando filhos de Bolsonaro, esse Flávio volta para as mãos do outro, o Itabaiana. Que coisa! O apreço de certos varões de Plutarco pela democracia depende mais da polícia do que da Constituição.

A luta é longa, e estamos só no começo. Enquanto o primeiro-amigo se homiziava na realidade quântica de Frederick Wassef —o buliçoso advogado que, ao mesmo tempo, abrigava e não abrigava o subtenente de milícias--, o "capitão" nos ameaçava com a cólera das legiões, secundado por fardas e pijamas verde-oliva pendurados nos cabides do Planalto. O Brasil anda tão doidão que debatíamos até a semana retrasada se um golpe, ou autogolpe, era ou não possível. 
Dar golpe para quê? 
Para render as Forças Armadas ao Comando de Rio das Pedras? 
Para transformar o país num grande Ministério da Saúde de Recrutas Zero, onde sobram coturnos e faltam médicos?

[nos espanta o excesso de liberdade, próximo ao desrespeito,  nas menções às Forças Armadas do Brasil que merecem todo o respeito de todos - especialmente dos brasileiros;
CONSTITUIÇÃO FEDERAL:
...
" Art. 142.....
..........
§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições: 
....
I - as patentes, com prerrogativas, direitos e deveres a elas inerentes, são conferidas pelo Presidente da República e asseguradas em plenitude aos oficiais da ativa, da reserva ou reformados, sendo-lhes privativos os títulos e postos militares e, juntamente com os demais membros, o uso dos uniformes das Forças Armadas;"

Torna-se recorrente menções despeitosas, ofensivas mesmo,  a oficiais das nossas FF AA, especialmente,  a oficiais da reserva, sem que a estes fiquem limitadas,  - inclusive alcançando, sem limitar, oficiais-generais.
Por favor, não entendam como uma ameaça - qualquer coisa dita nos dias atuais,  que não seja contra o presidente Bolsonaro pode caracterizar crime hediondo - e sim como uma lembrança de um passado não muito distante: lembrem-se do ex-deputado Márcio Moreira Alves e do seu discurso proferido em 1968.

Quanto ao alegado desrespeito por parte do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro a uma decisão do Supremo, cabe ao Ministério Público estadual provocar uma manifestação da Suprema Corte - que esperamos ocorra em decisão colegiada,]

O Brasil já está levando pito até de fundos de investimento, alertando que o país não verá o verde do dinheiro enquanto não controlar a Amazônia em chamas. Entidades de defesa do meio ambiente e dos direitos humanos denunciaram à ombudsman da União Europeia os retrocessos em curso. Eurodeputados enviaram carta ao presidente da Câmara conclamando o Legislativo a resistir à devastação. O acordo Mercosul-UE está subindo no telhado; os investimentos externos, já minguados, podem nos abandonar de vez; o agronegócio de ponta é hoje prejudicado por madeireiros e grileiros de casaca mal cortada, que ousam falar pelo setor. E lá estávamos nós a interpretar falas e silêncios de generais. No país dos cemitérios eloquentes, fazíamos um debate com quase 60 anos de atraso. A prisão de Queiroz evidenciou o ridículo dentro do trágico.

Golpe? Autogolpe? Não percamos mais tempo com as ideias mortas que oprimem o cérebro dos vivos. Participo nesta sexta à noite do que pretende ser um grande ato virtual em defesa da democracia. Não se trata de frente ampla de partidos nem de ensaio geral para a deposição de Bolsonaro ou para a disputa eleitoral de 2022. A exemplo de outras iniciativas, como o manifesto Estamos Juntos, brasileiros se articulam em defesa da garantia dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição, repudiando retrocessos no terreno institucional. Mas não só. O coronavírus não é professor nem guia moral. É um patógeno assassino. Mas também ensina.

E as milhares de vítimas da pandemia —todas sem vela e muitas sem sepultura— escancaram a necessidade de a democracia avançar além das garantias formais. A cor da morte na pandemia é preta. Seu lugar privilegiado na pirâmide das iniquidades é a pobreza. Não podemos mais tolerar um modelo que tenta harmonizar privilégios inaceitáveis com racismo, miséria e desigualdade aviltante. O mais provável hoje é que Bolsonaro caia. E depois? Ele lidera o desastre, mas as condições que o levaram ao poder sobreviveriam. E é nelas que mora o problema. Há que se cobrar democracia em miúdos: em políticas públicas, em atendimento aos vulneráveis, em fim de privilégios. Para que ela possa existir também para os pretos e para os pobres. E viva esta Folha, com sua campanha em defesa da democracia e com as aulas de Oscar Pilagallo sobre a ditadura militar! É preciso pensar o passado para instruir o futuro, em vez de ser esmagado por ele. Bolsonaro e seus golpistas são só o que passa.

Reitere-se: o TJ-RJ não tem licença para ignorar decisão do Supremo. É a regra do jogo, coisa dessa tal democracia.

Reinaldo Azevedo - Coluna Folha de S. Paulo




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