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sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Kit ideológico escolar. Uma outra guerra. - Percival Puggina


 
O episódio aconteceu numa aula do Colégio Anchieta, um dos mais bem conceituados de Porto Alegre. 
Certo professor de História colocou na pauta o conflito entre Israel e o Hamas, negando o emprego da palavra terrorista para designar a atividade desta organização. Gravado por uma das alunas, o vídeo (imagem estática), com áudio e legendas da conversa ocorrida pode ser assistido aqui
 
Tudo que o professor fala é muito típico. Ele provoca o assunto definindo o Hamas como grupo político hegemônico representante da população palestina. 
Cria uma equivalência: os mísseis disparados por Israel equivaleriam às monstruosidades que caracterizaram o ataque do Hamas aos kibutzes vizinhos a Gaza, bem como à festa rave nas proximidades de Re’im. 
Note-se que os terroristas do Hamas fazem vítimas entre não combatentes, seviciando, matando e incendiando-as, olho no olho de suas vítimas; Israel faz vítimas civis como consequência de bombardeios avisados, aos locais usados pelo Hamas, não obstante, o professor descreve isso como Israel “entrar numa área e matar crianças palestinas”.

A estética da guerra é sempre tenebrosa, mas há um abismo ético entre as duas situações!

A dialética do professor, idêntica à da esquerda mundial, pinça o que lhe parece mais conveniente. Não menciona os cerca de três mil mísseis disparados pelo Hamas no início de sua operação cujo objetivo é destruir o vizinho. Imagine o estrago que essa chuvarada de mísseis produziria caindo sobre alvos aleatórios em zonas urbanas se Israel não contasse com a proteção antimíssil proporcionada pelo “domo de ferro”.

No momento em que começou a ser confrontado pelos alunos que lhe descrevem os horrores praticados pelo Hamas, o professor muda rapidamente de posição. Israel deixa de ser o causador guerra, mas diz que essa história não começou agora. 
Afirma que há dois lados e que ele, professor, não tem lado. “Tu tá tomando um lado, cara; eu não tô tomando lado nenhum”. E passa a acusar seus alunos de “terem lado”, informados por fontes “a serviço de Israel e dos Estados Unidos”.

Qual a lição inesperada que o caso proporciona?

Um professor militante, portador desse kit ideológico que infesta a cadeia produtiva da Educação em nosso país, tem problemas para sustentar sua opinião num debate com adolescentes bem formados e informados no ambiente familiar. Desconheço os protagonistas do fato. Contudo, sublinho no exemplo proporcionado pelas “meninas” e pelos “caras” (para dizer como o professor), a lição de que não se deve aceitar passivamente tudo que é narrado ou analisado pelos donos do toco de giz. Senhores pais, cuidem de seus filhos!

A atitude exemplar dos estudantes, contrapondo-se e não comprando opinião por conteúdo didático, gravando conversas desse tipo de aula, inibiria significativamente uma das principais armas de outra guerra – a guerra que a esquerda promove contra a Civilização Ocidental dentro das nossas salas de aula.

É triste, mas verdadeiro. Profissão tão nobre paga, com a própria imagem, as consequências do uso abusivo que tantos fazem de seus kits ideológicos para seduzir corações e mentes infantis e juvenis. 

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.


sábado, 17 de junho de 2023

Sete motivos para o Senado rejeitar Zanin - Deltan Dallagnol

Vozes - Gazeta do Povo

Justiça, política e fé

No dia 1º de junho de 2023, o presidente Lula oficializou a nomeação de Cristiano Zanin, seu amigo e advogado pessoal, para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal após a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski. 
Agora, cabe à Comissão de Constituição e Justiça do Senado sabatinar Zanin e aprovar ou rejeitar o seu nome na próxima quarta (21). Há pelo menos 7 motivos para o Senado rejeitar a nomeação de Zanin para o STF.
 
Primeiro: a nomeação de Zanin viola o art. 101 da Constituição Federal, que exige notável saber jurídico do candidato. 
 Pegando emprestadas as palavras do professor Ives Gandra da Silva Martins, um dos maiores constitucionalistas vivos do nosso país, "O notável é aquilo que está acima da média do conhecimento de todos, o que inclui saber acadêmico, livros publicados, reconhecimento nacional e internacional como jurista. (...) O reconhecimento acadêmico é ser mestre, doutor, livre docente ou professor titular, doutor honoris causa. O reconhecimento acadêmico é o que difere o advogado do jurista. O magistrado do jurista.”
 
Como ficou claro durante a leitura do relatório do senador Vital do Rêgo na data de ontem (15), Zanin pode ser um bom advogado, mas lhe falta o notável saber jurídico. O vídeo está disponível na internet para quem quiser assistir: o relator não consegue expor um título acadêmico de Zanin além daquele de Bacharel em Direito, porque não existe
 É o bastante para um advogado, mas não deveria ser - e quem o diz é a Constituição, não eu - para um ministro do Supremo.

Segundo: a nomeação de Zanin é estelionato eleitoral puro e simples. Durante a campanha, quando Lula e o PT ainda vendiam a falsa ideia de uma frente ampla pela democracia, Lula afirmou: “Estou convencido que mexer na Suprema Corte para colocar amigo, para colocar companheiro, para colocar partidário é um atraso, um retrocesso que a República brasileira já conhece muito bem. Eu sou contra”.

Não é a primeira promessa de campanha que Lula descumpre e nem será a última. Mas esta pode ser a promessa descumprida que terá as consequências mais graves para o futuro do Brasil, já que Zanin poderá ficar até 2050 no STF, quando completará 75 anos. É imoral prometer uma coisa, ambicionando votos, e fazer outra no momento seguinte. É dizer ao eleitor que o manipulou. É tratar o brasileiro como instrumento da sua ambição de poder, negando-lhe dignidade e respeito.

Terceiro: Se aprovado, Zanin substituirá Ricardo Lewandowski, considerado por Lula a nomeação mais acertada à Suprema Corte durante os governos petistas.  
Por qual motivo Lula julga ter acertado com a nomeação de Lewandowski? Segundo a imprensa, não foi pela capacidade técnica do ministro, seu conhecimento a respeito da lei e da Constituição ou por sua independência - todos atributos que se espera de um juiz -, mas pela fidelidade canina a Lula e ao PT, reiteradamente demonstrada em todos os seus anos no STF.

    O relator não consegue expor um título acadêmico de Zanin além daquele de Bacharel em Direito, porque não existe

Agora, Lula parece querer repetir a dose com Zanin e já se comenta que quer triplicá-la por meio da próxima nomeação para a vaga a ser aberta com a aposentadoria da ministra Rosa Weber.  
Lula pretende converter uma Corte de juristas em uma Corte de lulistas.  
Há um evidente abuso, um desvio de finalidade, no critério da decisão.
 
Quando Dilma quis nomear o próprio Lula para a Casa Civil, o ministro Gilmar Mendes barrou a decisão por entender que configurava desvio de finalidade e violava a Constituição. 
Alexandre de Moraes fez o mesmo ao impedir que Bolsonaro nomeasse Alexandre Ramagem para a Diretoria da Polícia Federal. 
Por que agora, com Zanin, o entendimento é diferente?
 
Quarto: Há ainda outra quebra de confiança causada pela incongruência entre a escolha de Lula e suas pautas eleitorais e políticas
A indicação frustra até mesmo a expectativa de alas do próprio PT e de grande parte dos eleitores de Lula por indicações ao Supremo que contemplassem a diversidade e a inclusão. 
Esses setores torciam pela nomeação da primeira mulher negra para o Supremo, a exemplo do que fez o presidente americano Joe Biden ao nomear Ketanji Brown Jackson à Suprema Corte americana.

Não vai acontecer. O critério escolhido por Lula é um só: a fidelidade. Lula, segundo diversos jornalistas, não quer repetir os “erros” cometidos pelo PT na nomeação de outros ministros que “falharam” com o partido, especialmente durante os julgamentos do Mensalão e da Lava Jato. Assim, a opção lulista, para além de contradizer seu discurso expresso de campanha dirigido a todos os brasileiros, frustra aqueles que votaram nele em razão das políticas e valores que ele implementaria. Uma dupla traição.

Quinto: A nomeação de Zanin viola também o princípio constitucional da impessoalidade, previsto no art. 37 da Constituição Federal. 
Em seu pronunciamento público sobre a nomeação, Lula deixou claro que o fator preponderante para sacramentar Zanin como novo ministro do STF foi o fato de ele ter sido seu advogado durante a operação Lava Jato, o que, como se sabe, resultou na anulação das condenações do petista e na recuperação de seus direitos políticos.  
O absurdo salta mais aos olhos se levássemos esse critério ao extremo: e se Lula tivesse oportunidade de escolher os onze ministros e só indicasse quem tivesse sido seu advogado?

    Lula pretende converter uma Corte de juristas em uma Corte de lulistas

Vale recordar que, em 1954, Juscelino Kubitschek lançou sua candidatura presidencial sob o famoso lema “50 anos em 5”. 
Foi vitorioso, porém a oposição tentou anular a eleição. JK empregou, então, Sobral Pinto, um dos maiores juristas da história do Brasil, como seu advogado. Sobral Pinto defendeu a legitimidade da vitória de JK e ganhou o caso.
 
Já presidente, JK convidou Sobral Pinto para ser ministro do STF, mas o advogado recusou o convite, porque não queria deixar para a história a impressão de que defendeu JK por interesses pessoais, apenas para chegar ao Supremo. 
Não são relações pessoais que devem guiar essas escolhas, mas o que é melhor para o Brasil. 
Esse é o tipo de grandeza e de espírito público que se espera de um candidato a uma vaga na Suprema Corte.
 
Sexto: Ao nomear Zanin, Lula não viola apenas o princípio da impessoalidade, mas coloca interesses privados acima do interesse público.  
A nomeação de Zanin pode ser analisada olhando para o passado e para o futuro. 
Olhando para o passado, a nomeação está relacionada à gratidão de Lula a quem foi seu advogado e ajudou a garantir sua impunidade. Nesse sentido, é quase como se Zanin estivesse sendo “premiado” com um cargo no mais alto tribunal do país por serviços prestados à Lula, seu cliente mais famoso.
 
O olhar para o futuro revela o desejo irreprimível do presidente de ter alguém fiel a ele mesmo, com quem possa ter interlocução constante perante à Corte, alguém para quem possa “telefonar”, como afirmou a imprensa. 
Essa é mais uma prova de que Lula pretende dobrar o interesse público a seus interesses privados mais imediatos, relacionados à garantia da manutenção de seu poder pessoal e do projeto de poder de seu partido, o PT. O império da lei cede ao império das pessoas e suas relações. Menos lei, mais compadrio.

Quer se olhe para o passado quer para o futuro, os motivos da indicação são pouco republicanos e revelam um absoluto enfraquecimento e descrédito do Estado de Direito perante os olhos da sociedade e da comunidade internacional.

Sétimo: a sociedade sabe muito pouco sobre o que Zanin pensa acerca de temas extremamente sensíveis, como a descriminalização das drogas e do aborto. 
Esse é um reflexo do próprio desconhecimento da sociedade a respeito de quem é Zanin e suas ideias, e também da ausência de notório saber jurídico do indicado, porque não há teses de mestrado, doutorado e volumes variados de livros registrando o pensamento de Zanin sobre diferentes aspectos jurídicos da vida em comunidade.
 
Num aspecto central para a sociedade, que é a redução da impunidade, Zanin representa o oposto do anseio da população
Opôs-se firmemente à prisão em segunda instância, medida que é absolutamente necessária para restabelecer uma efetividade mínima do sistema de justiça contra réus ricos ou poderosos. 
Para quem deseja um sistema de justiça criminal que funcione, a nomeação de Zanin traz uma séria preocupação.

    Os motivos da indicação são pouco republicanos e revelam um absoluto enfraquecimento e descrédito do Estado de Direito

Na próxima semana, caberá ao Senado decidir. Para além da base lulista que apoiará cegamente a indicação, os parlamentares de centro e de direita serão pressionados por emendas e pelo receio de se oporem a alguém que, no dia seguinte, se alcançar sucesso na nomeação, passará a julgá-los
A sabatina pode se tornar um mero espetáculo público para carimbar a indicação do presidente.
 
Precisamos de parlamentares com coragem. É provável que ainda não tenhamos chegado lá - veremos -, mas os brasileiros estão fartos de pessoas que se elegem dizendo que farão diferente e, uma vez lá, tornam-se mais do mesmo
O que eu posso dizer é o que eu farei: pedirei aos senadores do meu Estado que cumpram seu papel e rejeitem a indicação.

Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

Deltan Dallagnol
, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 

sábado, 10 de junho de 2023

“O que é uma mulher?” – O transativismo e a proibição de perguntar - Gazeta do Povo

Vozes - Flávio Gordon

“Você não pode ter os seus próprios pronomes, tanto quanto não pode ter os seus próprios verbos, substantivos, preposições ou adjetivos” (Matt Walsh)

No primeiro dia deste mês de junho, o Twitter resolveu disponibilizar gratuitamente o documentário “What is a Woman?” (doravante WIAW), do jornalista americano Matt Walsh.
Lançado em junho do ano passado pelo jornal The Daily Wire, do qual Walsh é colunista, o filme consiste numa crítica mordaz e bem-humorada à assim chamada ideologia de gênero, notadamente o transgenderismo, cuja tese central consiste em afirmar que o critério para determinar se alguém é homem ou mulher é o sentimento subjetivo da pessoa (ou, no jargão militante, a sua identidade de gênero), e não o seu sexo biológico objetivo. Contrariando a postura da maioria de seus pares das plataformas digitais – cuja decisão foi banir o documentário, acusando-o de “transfóbico” –, o novo dono do Twitter, Elon Musk, não apenas o liberou para o grande público, como o recomendou especialmente aos pais. E, no momento em que escrevo, WIAW já conta com 177,3 milhões de visualizações.

Já tinha visto o documentário pouco depois de lançado, e o revi por esses dias, quando de sua disponibilização gratuita no Twitter. Mais do que tudo, o que voltou a atrair minha atenção foi aquilo que, da primeira vez, já me parecera um aspecto de culto religioso assumido pelo movimento político transativista (que, para deixar claro, não se deve confundir com o problema real da disforia de gênero, que aflige um número estatisticamente reduzido de pessoas, não necessariamente envolvidas com a agenda política). Um culto religioso do tipo que o filósofo Eric Voegelin talvez incluísse naquilo que chamou de gnosticismo moderno, cujo fundamento é a proibição-de-perguntar (Fragesverbot). Para os adeptos dos cultos gnósticos modernos, diz Voegelin, não se trata apenas de resistência à análise ou apego a emoções. Trata-se, em vez disso, de uma consciente, deliberada e minuciosa obstrução à razão, na qual proibir perguntas sobre premissas torna-se parte do dogma.

E, com efeito, no caso do filme, são frequentes os episódios em que, confrontados por Walsh com algum argumento ou pergunta sobre premissas, os entrevistados, adeptos do transativismo, alegam a malignidade do entrevistado para justificar a recusa em responder e o abandono da entrevista. Temos, por exemplo, o afetado professor Patrick Grzanka, diretor do programa interdisciplinar de estudos sobre mulheres, gênero e sexualidade da Universidade de Tennessee. Em resposta à pergunta de Walsh, ele afirma que uma mulher é “uma pessoa que se identifica como mulher”
Como obviamente aponta o autor do documentário, trata-se de uma tautologia em forma de resposta, porque recorre à palavra mulher para definir o que é uma mulher. Mas, além de tautológica, a resposta é também inteiramente falsa: uma mulher em coma ou em estado vegetativo, por exemplo, obviamente não poderia se autoidentificar como nada, e, todavia, continuaria sendo uma mulher. A premissa de que a capacidade humana de auto-identificação (seja em relação a sexo, seja a tudo o mais) determina a realidade precisaria ser provada. Quando Walsh o pressiona nesse sentido, Grzanka ameaça abandonar a conversa.


    Os radicais não querem que o debate aconteça ao nível da filosofia, de modo que, atualmente, disfarçam-no com as vestes da “ciência” e da “medicina”


Além da proibição de perguntar, há também a proibição de afirmar aquilo que, durante a maior parte da história humana e para a maioria da humanidade, sempre foi uma obviedade: que o sexo de alguém é naturalmente dado, e não social ou psicologicamente construído. A proibição dessa afirmação, aliás, parece ser o cerne do movimento. Ao contrário do que afirma a propaganda, o discurso transativista parece estar muito mais interessado em banir o senso comum do que em garantir os direitos civis das pessoas trans. E isso é afirmado por alguns ideólogos transativistas mais radicais. Num ensaio introdutório a uma coletânea de estudos sobre gênero, por exemplo, a intelectual enragée Susan Stryker chegou a propor que o maior propósito do transgenderismo era o de subverter o paradigma epistemológico do Ocidente. Nada menos.

Mas essa pretensa subversão não se realiza mediante a apresentação de argumentos ousados e consistentes, capazes de triunfar intelectualmente mesmo diante do mais acirrado debate. Não. Ela prospera mediante um lobby agressivo, que inclui censura das vozes discordantes, intimidação e ameaça. E, assim, as contradições do transativismo permanecem sempre ocultas, jamais examinadas, porque, no fundo, os ideólogos não admitem suas próprias elucubrações metafísicas. Sua retórica está repleta de afirmações ontológicas, tal como a de que as pessoas são do gênero ao qual dizem pertencer, e de que os sentimentos determinam a realidade. Os radicais não querem que o debate aconteça ao nível da filosofia, de modo que, atualmente, disfarçam-no com as vestes da “ciência” e da “medicina”, relegando os críticos (como ocorreu em relação à pandemia de Covid-19) à condição ostracizante de propagadores da “anti-ciência”.

“O que é uma mulher?”, a provocativa pergunta-título do documentário do Matt Walsh (que, aliás, já fora feita por Simone de Beauvoir há mais de 70 anos), é finalmente respondida ao final do filme pela esposa do autor: “Uma mulher é uma fêmea adulta da espécie humana”. Eis por que, revendo o documentário, lembrei-me imediatamente do caso de Alex Byrne, professor de filosofia do MIT, o qual, para escândalo de seus pares acadêmicos, teve a ousadia de sustentar a mesma afirmação, em forma de ensaio filosófico: que uma mulher é uma fêmea adulta da espécie humana. Mais grave ainda: Byrne rejeita a tese – hoje academicamente ortodoxa – segundo a qual um homem que se identifica como mulher é, de fato, uma mulher.

Em abril, Byrne publicou na revista Quillette um artigo descrevendo as reações furiosas ao seu ensaio (previsivelmente tachado de “transfóbico”), bem como violações posteriores dos mais elementares padrões de publicação acadêmica, de que foram vítimas ele e Holly Lawford-Smith, uma professora de filosofia política da Universidade de Melbourne (Austrália), para quem as mulheres devem ter direito a espaços e serviços reservados, inacessíveis a homens que apenas se identificam como mulheres. Pode-se dizer que Byrne e Lawford-Smith estão, hoje em dia, entre os poucos filósofos acadêmicos do Primeiro Mundo dispostos a defender publicamente argumentos contrários à ideologia de gênero predominante no ambiente universitário. Em particular, ambos os professores duvidam da ideia universal de uma “identidade de gênero” descrita como algo inato e subjetivo, totalmente dissociado da realidade material bio-fisiológica, dissociação que explicaria o fenômeno da disforia de gênero e embasaria as propostas (tidas como indispensáveis) de terapia de redesignação de gênero.

Seja como for, o fato é que, por desafiarem com essa altivez a ortodoxia acadêmica sobre gênero – a qual, sintomaticamente, converte-se na mais excêntrica heterodoxia fora dos muros da Universidade –, Byrne e Lawford-Smith (ela até com mais virulência) foram demonizados e cancelados. Cada um deles chegou a ter contratos para a publicação de livros cancelados pela Oxford University Press, após uma intensa campanha orquestrada pelo transativismo. Como diz o título do artigo de Byrne, a pergunta sobre a natureza da mulher (um tipo de pergunta tão tradicional na história da filosofia) virou zona proibida (“a no-go zone”) no campo da filosofia acadêmica contemporânea. Voltaremos ao tema na coluna da semana que vem.

Conteúdo editado por: Bruna Frascolla Bloise

Flávio Gordon, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


sexta-feira, 31 de março de 2023

Sherloques de picadeiro - Augusto Nunes

Revista Oeste

Todo detetive de agência de checagem quer ser, quando crescer, mais um Jornalista Investigativo que nada apura 
Ilustração: Shutterstock
 
Ilustração: Shutterstock
 
Na tarde deste 29 de março, um recado por e-mail desembarcou na redação da Revista Oeste. A primeira linha tem uma palavra só: Prezados. Assim mesmo: Prezados, no plural e sem o acompanhante obrigatório. O plural sugere que o texto foi endereçado a mais de um vivente, mas a ausência de nomes impossibilita a identificação dos destinatários. 
Também o remetente refugiou-se no anonimato. Depois de um entediado “Att” na penúltima linha, aparecem três palavras — Equipe Aos Fatose o logotipo dessa obscenidade parida pelos discípulos de Lula: a agência de checagem.

O palavrório se divide em três parágrafos, reproduzidos abaixo em negrito, com apartes do colunista entre uma e outra sopa de letras.

“Estamos fazendo um especial investigativo que reuniu mais de 690 conteúdos desinformativos ou golpistas virais que circularam desde o segundo turno das eleições e até a invasão dos prédios dos Três Poderes no dia 08/01. Entre os conteúdos estão trechos de vídeos da Revista Oeste em que seus comentaristas disseminam desinformação ou defendem pautas golpistas.”

Vamos lá. O que é um “especial investigativo” Um trabalho escolar? 
Uma composição à vista de uma gravura? 
Um teste eliminatório para o ingresso num curso de formação de detetives? E por que o “virais” depois do “golpistas”?  
Querer derrubar o governo já é uma enormidade. Espalhar tamanho ato antidemocrático pela internet é coisa para 20 anos de prisão preventiva e 30 de domiciliar (com tornozeleira e sem passaporte), além da multa de US$ 15 milhões (por semana). 
O “e” entre eleições e até só existe em discurso de lulas e dilmas. 
O zero antes e 8 e do 1 é tão dispensável quanto revelador: quando se trata de datas, o zero à esquerda é apreciado apenas por gente que vale menos que um zero à esquerda.
Por que o deserto de vírgulas? O poeta Ferreira Gullar ensinou que a crase não foi feita para humilhar ninguém. Nem a vírgula, parece desconfiar o autor do recado. 
Quando não se sabe onde colocar os sinaizinhos, melhor assassiná-los. Mas uma dupla de vírgulas sobreviventes geme nos curtos parágrafos seguintes:

“Dessa forma, gostaríamos de abrir espaço para a revista se posicionar sobre o assunto”.

Posicionar, posicionamento e outros palavrões do gênero só servem para revelar a posição do orador: está de cócoras para Lula e no meio do bando que voltou à cena do crime.

“Nosso prazo para publicação é hoje (29/03) até as 19h. Caso não consigam responder dentro do prazo, podemos incluir o posicionamento posteriormente sem prejuízo.”

O prazo concedido pelos sherloques de picadeiro já se esgotara quando o e-mail foi repassado à direção de Oeste
Nenhum problema, consola a agência, que se dispõe a examinar “o posicionamento posteriormente sem prejuízo”. 
Sem prejuízo do quê?, perguntaria qualquer professor de português convidado a avaliar o palavrório insolente — antes de castigá-lo com o merecidíssimo zero com louvor.

A cópia em papel do recado já decolava rumo à lata de lixo quando bati os olhos num aviso no rodapé: “Viu algum conteúdo suspeito nas redes? Fale com a Fátima”. Acabara de ver um conteúdo mais que suspeito: a mensagem é uma sequência de agressões à Constituição, à democracia, à liberdade, ao idioma, à moral e aos bons costumes. Estava pensando na conversa com a Fátima quando notei que também é sigiloso o paradeiro dessa misteriosa padroeira dos caçadores de fake news.

Fórum Econômico Mundial
Oeste e a constante batalha contra a censura disfarçada de 
agência de checagem | Foto: Shutterstock
Pausa para a viagem no tempo. Aos 14 anos, estreei como redator da seção de nascimentos e óbitos do Nosso Jornal, semanário em que meu irmão mais velho mantinha uma coluna política. Ocorrida a primeira morte, Flávio me passou instruções. 
Cumpria-me investigar informações indispensáveis: o nome do defunto, a grafia correta, a idade e quantos parentes próximos deixara (além de avaliar pessoalmente o tamanho do enterro). No dia seguinte, a chegada ao mundo de mais um taquaritinguense expandiu o manual de regras. Além dos nomes dos pais e do dia do parto, era preciso investigar o peso do bebê e, com especial rigor, o prenome dos recém-nascidos. 
Já começara a praga dos Wellyngttons, das Myrellas e outras misturas de duplas consoantes com rabiscos com som de vogal ausentes do abecedário oficial.
 
Poucos meses num semanário do interior paulista bastaram-me para compreender que todo jornalismo é investigativo. Notícia sem apuração é como texto sem palavra: não existe. 
Por muitas décadas, pareceu-me claríssimo que não se pode separar os profissionais da imprensa entre os que investigam e os que nada apuram. Sempre houve bons e maus perseguidores da verdade. Mas todos os que exercem a profissão são jornalistas investigativos, certo?  
Não no Brasil, decidiram em 2002 os fundadores da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, a Abraji. 
É um clube reservado a Jornalistas Investigativos, com o J e o I em maiúsculas truculentas como nas manchetes de tabloides sensacionalistas europeus.

O silêncio cúmplice da Abraji, o fanatismo dos sindicatos lulistas e a covardia dos que se ajoelham diante de patrulhas ideológicas geraram o filhote repugnante autodenominado agência de checagem

De lá para cá, a entidade promoveu cursos de aperfeiçoamento, seminários e premiações, engordou abaixo-assinados ou manifestos, divulgou notas oficiais para comunicar à nação quem dizia a verdade e deu palpite em tudo, fora o resto. Só ficaram faltando descobertas históricas resultantes de investigações feitas por associados decididos a justificar a presunçosa denominação da entidade. 
Nos últimos 20 anos, assunto é que não faltou: Mensalão, Petrolão, revelações da Lava Jato, roubalheira institucionalizada, impeachment de presidente, prisão de intocáveis — pela primeira vez na história da imprensa brasileira, o dia começava com dois ou três fatos disputando a ponta da fila das notícias relevantes. 
Incapazes de enxergar as bandalheiras no lado esquerdo da estrada principal, os Jornalistas Investigativos se juntaram no consórcio que vigiava apenas a pista esquerda. Fecharam os olhos à ofensiva contra a liberdade de expressão.
Ignoraram as ilegalidades fabricadas por ministros do Supremo Tribunal Federal. 
Aceitaram a censura à imprensa. E se tornaram porta-vozes da verdade oficial.
Site da Abraji | Foto; Reprodução
O silêncio cúmplice da Abraji, o fanatismo dos sindicatos lulistas e a covardia dos que se ajoelham diante de patrulhas ideológicas geraram o filhote repugnante autodenominado agência de checagem. Conheço boa parte dos que chefiam esses aleijões.  
O fracasso nas redações os reduziu a carrascos da informação. 
Não admitem a existência de jornalistas que veem as coisas como as coisas são e contam o caso como o caso foi. Acusam de golpistas os genuínos democratas.

Às vezes o lado escuro parece perto da eternização no poder, mas acaba perdendo. Os farsantes perdem por ignorar que os fatos, embora frequentemente pareçam agonizantes, sempre prevalecem. A verdade não morre.

Nesta quinta-feira, foi enfim divulgado o “especial investigativo”. Trata-se de uma intragável salada de disparates. Entrei no grupo de desinformantes golpistas a bordo de trechos de vídeo confusos, inaudíveis e sequestrados do contexto. Segue um conselho para a misteriosa Fátima: caia fora do estranho mundo das agências. Vão todas morrer de safadeza investigatória.

Leia também “Lula e o PCC sonham juntos”

Augusto Nunes,  colunista  - Revista Oeste


sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Como Se Tornar um Tirano - Revista OESTE

 Ana Paula Henkel

Para começar, você deve ser, ou pelo menos apresentar-se, como uma das pessoas “comuns” da vida. Um professor ou sindicalista, por exemplo, serviriam muito bem 

Cartaz da série "Como Se Tornar Um Tirano", da Netflix | Foto: Divulgação/Netflix

Cartaz da série "Como Se Tornar Um Tirano", da Netflix | Foto: Divulgação/Netflix 

Não, o título deste artigo não tem nada a ver com o atual cenário no Brasil. Como Se Tornar um Tirano é uma série da Netflix para a TV que apresenta um, digamos, “manual para o poder absoluto”. Muito da série é pura ironia, mas ela é tragicamente baseada nas táticas e estratégias reais usadas por Josef Stalin, Mao Zedong, Adolf Hitler, Muammar Gaddafi, Kim Il-sung e Saddam Hussein. (Não, eu não pensei em ninguém no Brasil, mas se você pensou, cuidado com a polícia do pensamento!) De acordo com a série, se você tem a ambição de ser o “dono de algum país”, a história te dá todas as dicas. Não fiquem chocados se, estranhamente, tudo parecer familiar demais com o que vivemos e a política a que estamos sujeitos.

Bem, vamos lá. De acordo com Como Se Tornar um Tirano, se você quer ser um ditador, primeiro você precisa ser um tipo específico de pessoa. 
 
Para começar, você deve ser, ou pelo menos apresentar-se, como uma das pessoas “comuns” da vida. 
Hitler foi soldado, Mussolini era filho de ferreiro, Saddam Hussein foi criado por um tio depois da morte do pai e abandono pela mãe, e Muammar Gaddafi veio de uma família humilde e seu pai ganhava uma escassa subsistência como pastor de cabras e camelos. 
Você precisa ser uma pessoa “comum” que retrate o velho ditado “Um homem que compartilha seus sonhos pode realizá-los”. Portanto, um professor ou sindicalista, por exemplo, serviriam muito bem.
 
A partir desse ponto, a série revela outras páginas do “manual” para se tornar um tirano de sucesso e cada episódio escolhe um princípio-chave de um ditador da história para ilustrar as regras despóticas de engajamento. 
Por exemplo: como tomar o poder (Hitler), como esmagar seus rivais (Saddam Hussein), como reinar através do medo (Idi Amin, de Uganda) e assim por diante. A série é sombriamente sarcástica, aliás, define tirania não como “governo de um governante cruel e opressor”, mas como um “governo para pessoas que querem resultados” e que não necessariamente se importam com a forma como esses resultados são obtidos. Mas, repito, para deixar claro para o novo Ministério da Verdade no Brasil: fatos parecidos com o atual cenário político são mera coincidência.

O aspirante a tirano deve acreditar em si mesmo com uma autoestima inabalável. A série afirma que “uma crença megalomaníaca em suas habilidades convence os outros delas”. Portanto, seja o poder místico de usar sal grosso para lavar áreas antes habitadas pelo inimigo, ou o poder de acabar com a democracia para salvar a democracia, se você estiver convencido disso, pode ter certeza de que muitos outros também concordarão com você se você souber persuadi-los.

 No entanto, nosso suposto ditador precisa de mais uma qualidade de caráter: o dom da fala, ou, na verdade, a capacidade mais importante de atrair a atenção. O bigode de Hitler era sua característica definidora, aquilo era inequivocamente “o cara”. Mas uma barba branca também pode servir. Ou uma careca lustrosa, por exemplo. Nada tão específico. Há boas variedades por aí. A série revela que os ditadores têm em comum a habilidade de serem publicitários natos para encontrar o que completará a identidade visual marcante. A imagem detalhadamente pensada sob o manto da falsa naturalidade é o pontapé para o início da descrição das táticas que os tiranos normalmente usam para chegar ao poder e consolidar seu domínio sobre ele.

Bem, a primeira delas é: aumentar a indignação. Mostre às pessoas que os inimigos delas são seus inimigos! A genialidade do tirano está em entender e explorar a natureza do ressentimento que existe no coração das pessoas — verdadeiro ou não —, e, então, se apresentar como o meio de se vingar das pessoas de que elas ressentem. Desumanizar oponentes ajuda bastante. Afinal, para ser um tirano que se preze, você precisa acusar outros de serem tiranos.

Doutrine a juventude. Os ditadores não querem jovens educados e estudiosos. Eles querem que os jovens sejam educados apenas o suficiente para produzir — seja dinheiro, agitação civil ou caos

Compre lealdade. Já se estabeleça no poder com isso em prática desde o início. O futuro pode ser incerto, mas a maneira mais eficiente de permanecer no poder é comprar a lealdade de seus aliados políticos e de seus rivais políticos também. E de onde vem o dinheiro para isso? Da cleptocracia, é claro. Roubar os recursos da nação roubos sempre disfarçados de bondade — é questão sine qua non. 
 Afinal, não é barato manter luxos, esmagar dissidentes e inimigos, comprar a imprensa, ajudar companheiros e aspirantes a ditadores, comprar juízes, políticos etc. Toda a bondade de uma tirania pelo povo e para o povo custa caro.

Alguns tiranos, de acordo com a série, têm a fama de ritualmente humilhar todos em seu gabinete, conselho de ministros e pessoas próximas. Isso os mantém com medo e subjugados. Mas, se houver brigas públicas, escolha um bode expiatório: ganhe a confiança e o apoio das massas culpando um grupo pelos males do país e diga que sem você eles não podem revidar ou se proteger. Por exemplo, no início dos anos 1970, Idi Amin acusou 100 mil asiáticos (principalmente indianos que possuíam a maioria das grandes lojas e negócios) de “traição econômica e cultural” e os expulsou de Uganda. Atualmente, os novos tiranos usam a tática de acusar os adversários daquilo que os verdadeiros tiranos da história eram. Certo grupo é “fascista” costuma funcionar para as bases covardes que repetem como papagaios o que o tirano profana.

O passado e o futuro
Reescreva a história
. Esse ponto é crucial! Orwell disse: “Aquele que controla o passado controla o futuro”. Hitler ordenou que o alto comando nazista destruísse os memoriais da Primeira Guerra Mundial na Europa ocupada, em uma tentativa de apagar as memórias da derrota da Alemanha. Stalin modificou uma foto sua com Lenin, e a foto adulterada mostra Stalin sentado mais perto de Lenin do que realmente era, parecendo maior do que na foto original e sem as marcas que a varíola infantil deixou em seu rosto. 
 
Estátuas de homens corajosos? Livros inspiradores? História? Deus me livre. Aliás, use “Deus” sempre que necessário e sem moderação, mesmo você achando religião um porre de chatice. Eu sei, o deus é você, mas eles não precisam saber disso, só te obedecer.
Corrompa tudo, até a ciência: o Terceiro Reich controlava rigidamente quais áreas da ciência poderiam ser estudadas e debatidas, rejeitando a física quântica e encorajando a ‘física ariana’. Na verdade, Francisco Franco dissolveu o conselho de pesquisa científica da Espanha, e Stalin apoiou Trofim Lysenko, um biólogo agrícola que fez coisas como expor grãos de alimentos ao frio extremo, acreditando que isso ajudaria as futuras gerações de grãos a se tornarem resistentes ao frio. 
 
Aliado a isso, censure tudo. Gente chata e perigosa que questiona tudo, que tem perguntas demais. Se até Sherlock Holmes foi banido da União Soviética, talvez porque o Estado não quisesse arriscar que seus cidadãos olhassem para alguém que pensasse criticamente, o que são contas de cientistas e jornalistas em redes sociais derrubadas? Nada. Perturbou? Arranca o passaporte e bloqueia as contas bancárias. Como você acha que os Reichs se sustentam? Com dinheiro dado em árvores?

Nós contra eles
A série mostra para você, aspirante a ditador, outro ponto importante em sua caminhada à glória tirânica. Elimine a confiança do ser humano e entre eles. Quebrar os laços de confiança dentro da sociedade em geral é uma ótima maneira de unificar a própria base de apoio. 
Os ditadores entendem que as pessoas se entregam voluntariamente ao poder do Estado, porque tudo e todos são suspeitos. Se Stalin pudesse rotular até mesmo os heróis da revolução russa como traidores no Grande Terror (1936-1938), no qual 750 mil pessoas foram mortas, que confiança sobreviveria no restante da população? A lógica do líder soviético era: “Se você matar cem pessoas e apenas cinco delas forem inimigas do povo, não é uma proporção ruim”. O “nós contra eles” é outra preciosidade, se agarre nisso. Negros contra brancos, mulheres contra homens, filhos contra pais. Divida para conquistar e mostre a todos que só você pode salvar as pessoas do mal, inclusive, delas mesmas.

E, por falar em filhos, doutrine a juventude. Os ditadores não querem jovens educados e estudiosos. Eles querem que os jovens sejam educados apenas o suficiente para produzir — seja dinheiro, agitação civil ou caos — para os propósitos do ditador e seus comparsas. É por isso que toda ditadura trabalha horas extras para destruir instituições de ensino de dentro para fora. Essa semente é minuciosamente levada para o seio familiar e ali germinará mais divisão. Pais e filhos, então, encontrarão a resposta para os problemas em… você! Bingo!

As ditaduras se modificam ao longo do tempo, mas as táticas apenas se travestem sem perder a sua essência. E essa é básica, mas eficiente. Deixe as pessoas com fome. A fome e a pobreza são talvez as ferramentas mais cruéis no arsenal de um ditador, mas a lógica é simples. Pessoas famintas e ignorantes não serão capazes de lutar contra você.    A China e a União Soviética testemunharam fomes terríveis nos regimes de Mao e Stalin. 
Kim Jong Il também presidiu a fome na Coreia do Norte, enquanto vivia em um luxo fantástico. 
Sem água e sem comida, o povo sofrido vai mendigar e aceitar qualquer esmola que você ofereça. Assim, eles não perturbarão suas viagens de jatinhos, suas compras de relógios caros, seus vinhos portugueses premiados e seus passeios para fora do seu caótico país.
Agora, se essas são as qualidades que podem definir um tirano em potencial, existem algumas que são mais importantes que outras para atrair seguidores firmes e leais. 
Depois de estabelecer a promessa de que você pode criar um mundo melhor para todos, não se preocupe se isso jamais acontecer, não é necessário ter sucesso. Essa coisa de “mundo melhor” é historinha pra boi dormir, mas a promessa deve permanecer perene e a crença de que você está cada vez mais perto da entrega deve ser inquestionável. Mas atente-se: esta promessa por si só não é suficiente. O bom tirano também deve ser visto como o único homem que pode cumprir essa missão. Ele deve, portanto, ser reconhecido não apenas como a fonte de toda sabedoria, mas também como a fonte de toda virtude. Um culto à personalidade bondosa e sem defeitos é essencial, e, para isso, não esqueça jamais de plantar inúmeras $emente$ na imprensa para que suas mentiras sejam repetidas com a roupa da verdade até que elas virem verdade. Depois ajoelhe (coloque uma toalhinha para não ficar desconfortável) e agradeça a Joseph Goebbels pela graça concedida.

De vez em quando, um inimigo externo também ajuda. Saddam Hussein escolheu o Irã; Kim Il-sung, a Coreia do Sul; Hitler, a França e a Alemanha; e Stalin, a maior parte do resto do mundo.  

Mas ficou na dúvida ou não tem ninguém por perto? Seus problemas acabaram. Mire o “imperialismo estadunidense”, a “CIA”, os “ianques” e está tudo certo. Afinal, essa coisa de Land of free, home of the brave” (Terra da liberdade, lar dos bravos) pode ser um problemão pra você se criar asas no seu quintal.

Medo útil
Finalmente, os tiranos precisam estar preparados para o pior. Não tanto o seu desfecho, mas o fato de que sempre haverá críticos e até rebeldes. Gente chata, eu sei. Então, você precisa garantir que não saiam do controle. É aqui que o uso do medo é útil. Como dizem os livros concisamente, assim como a série da Netflix, “o melhor amigo de todo ditador é uma polícia secreta implacável”.  
Use o poder do Estado para silenciar seus oponentes e aqueles que estão preocupados com a liberdade e essa bobagem de “império das leis”. 
O que manteve a América unida desde a Guerra Civil não foi a Constituição ou a Declaração de Direitos (Bill of Rights). “Leis”Relaxa, isso não vai te ameaçar. A União Soviética também possuía “leis de direitos” que garantiam a “liberdade de expressão e direitos iguais”. Esqueça isso. 
Os bolcheviques assassinaram seus adversários políticos, enviaram seus dissidentes aos gulags, e Lavrentiy Beria, o chefe da polícia secreta mais implacável no reinado de terror de Joseph Stalin na Rússia e na Europa Oriental, se gabava de poder provar uma conduta criminosa contra qualquer pessoa, até mesmo um inocente: “Mostre-me o homem e eu lhe mostrarei o crime”. Aprendeu?

Eu não poderia encerrar esse artigo sobre essa boa série da Netflix sem algumas frases e conclusões da própria série sobre os pontos que ligam ditadores de todas as cores às páginas da história:

“Não basta ser um líder, é preciso também ter uma iconografia”;

“Mostre que seus inimigos também são inimigos do povo”;

“Os ditadores em potencial costumam ser extremamente narcisistas. Eles se mostram como pessoas comuns, mas são muito diferentes das pessoas comuns”;

“O ser humano adora ser governado”;

“Uma boa maneira de permanecer no poder é dar propinas e oportunidades à sua colisão, fazendo com que ela se torne corrupta”;

“O melhor amigo de um ditador é um agente corrupto, eficaz e implacável”.

Bem, segundo a série, se você já fez tudo isso, você está pronto para ser um ditador. Mas o sucesso cria suas próprias demandas. Quando você alcança o topo da árvore, pode ser chato ficar sozinho
Os tiranos nunca estão sozinhos, mas precisam se divertir, e, para isso, há o ritual de humilhação daqueles ao seu redor. Lance pérolas!  
Isso geralmente é o suficiente para transformar as pessoas em porcos! 
Dê a seus aliados e apoiadores oportunidades de serem corruptos. Primeiro, é divertido vê-los lutando pelas migalhas que você jogou em sua direção, mas o mais importante é que, quando mordiscarem, eles permanecerão leais. Dali em diante você poderá fazer gestos de degolar pescoço e até dar tapinhas na cara das pessoas. Tudo em público, lógico! Que graça teria se não fosse na frente de todo mundo?
 
A série Como Se Tornar um Tirano vem cheia de ironia, mas não deixa de ser um material informativo para aqueles que se perguntam como os déspotas conseguiram obter o controle dos países, mesmo em um século em que a democracia se consolidou. 
 Série muito interessante para ser vista, mas mais interessante ainda é perceber o quanto os espectadores se encontram ali, diante de si mesmos, de seus governantes e de seu país.

E, o mais importante, o que eles fazem ou farão diante da fina ironia que mostra duras verdades.

Leia também “As lições de 1940 para 2023”

Ana Paula Henkel, colunista  - Revista Oeste


quarta-feira, 27 de julho de 2022

Quando morre o senso de justiça - Percival Puggina

História número 1

Na primeira aula para a turma de calouros de uma faculdade de Direito, o professor, logo após a chamada, encarou o aluno visivelmente mais idoso da classe e disse, em tom agressivo: “O senhor aí, retire-se da minha sala de aula!”. Após alguns instantes de tensão, tendo o aluno saído, perguntou à turma: “O que houve? Porque vocês estão assim, com cara de quem viu lobisomem?”. Longo silêncio até que um dos estudantes, com visível insegurança, explicou que a expulsão do colega parecia não ter razão de ser. “Cometi uma injustiça? É isso? Então, vai lá fora e chama-o de volta”. Ao retornar, a surpresa: o aluno expulso ocupou o lugar do “professor” e este, encerrada sua representação, sentou-se entre os colegas. A partir daí, o verdadeiro docente da turma passou a lecionar o grupo sobre o dever moral, mormente entre advogados, de não silenciar perante uma injustiça.

História número 2

A aula daquela matéria toda vez mudava de local. Perdia-se um tempo procurando, subindo e descendo escadas. Naquela manhã, o professor já começara a falar quando uma aluna, retardatária, ensaiou entrar na sala. O homem com giz na mão olhou-a de modo rude e lhe disse, em tom mais rude ainda, que não podia entrar, pois a aula já começara. 
Enquanto a mocinha, humildemente, se retirava, um aluno levantou-se e explicou ao professor que sua cadeira sempre envolvia aquela dificuldade de localização, dando causa a tais atrasos. E completou: “Se a colega não pode entrar, eu saio”. E saiu da sala, seguido pelos demais.

A primeira história circula nas redes sociais há algum tempo. Não sei se realmente aconteceu. A segunda, esta última, deu-se na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRGS, na minha turma, por volta de 1966 e fui eu o aluno que reagiu à conduta do professor.

Quando o silêncio de alguns faz a história de todos

Injustiças me incomodam. Por isso, observo com indignação as ocorrências nacionais e o silêncio de tantos que devendo reagir, não o fazem. Penso na omissão perante casos como os de Allan dos Santos, de Barbara Destefani (Te atualizei), de Bernardo Kuster, de Camila Abdo e outros que tiveram cortadas suas fontes de renda e enfrentam as dificuldades disso decorrentes sem ter acesso aos seus processos. O que fazem com eles não cabe no mundo das boas leis. Não conheço a todos, mas os que mencionei são pessoas que, de bom grado, receberia em casa para jantar com minha família. A seus detratores, não.

Outro dia, assisti Bárbara dizer à Jovem Pan que, há 10 meses, foi desprovida de seu sustento e não recebeu até agora sequer um e-mail que lhe indicasse os motivos disso. Logo após, li Bernardo afirmando estar na mesma situação dois anos depois de ter sido vítima de igual arbitrariedade.

A defesa da liberdade

Eles tinham milhões de seguidores. São pessoas que comungam do amor à liberdade e da aversão ao arbítrio. Censurados, podem sair à convivência das ruas enquanto seus censores viajam ao exterior para poder tomar sol.

Nada espero da OAB, nem dos advogados banqueteiros e festeiros da confraria Prerrogativas (Prerrô, para os íntimos). Tampouco espero algo das associações ditas “Pela democracia”, organizadas por pessoas que passaram por cursos de Direito e nada aprenderam sobre o valor Justiça.

Minha singular e tênue esperança está em que a sociedade não deixe morrer  a repugnância à injustiça. E perceba, em tempo, o quanto ainda pode ir além, perigosa e arrogantemente, o poder que tudo pode. 

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

sexta-feira, 3 de junho de 2022

No Brasil, ladrão tem o "direito de trabalhar" - Gazeta do Povo

J.R. Guzzo

Num país em que um condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, em três instâncias e por nove juízes diferentes, é candidato à Presidência da República, é possível esperar tudo

Inversão de valores

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Professor de Roraima quis fazer crer em sala de aula que um assaltante está exercendo o seu trabalho - Foto: Pixabay

A notícia saiu na Gazeta do Povo, e foi confirmada pelas autoridades competentes: um professor de escola secundária de Roraima afirmou, em plena sala de aula, que um assaltante tem o direito de roubar as pessoas porque está apenas “trabalhando”. 
Ele é um cidadão injustiçado e carente que, em seu entender, precisa ganhar a vida, etc, etc, etc; não há nada de errado, nem de anormal, em sair por aí metendo um revólver na cara dos outros para roubar o que precisa, etc, etc, etc.
 
Qual é o problema? Ele tem o direito de prover o seu sustento como todo mundo, não é mesmo?  
Um aluno perguntou se estaria certo ele trabalhar dez anos seguidos para comprar um carro, por exemplo, e ter de entregar o seu carro para o ladrão. Tudo o que o professor fez foi dizer que “ninguém” consegue comprar um carro no Brasil com dez anos de trabalho, diante de toda essa injustiça social que, segundo ele, está aí. Fora isso, deu uma bronca no aluno.
 
É possível fazer todo tipo de comentário diante de um despropósito desses, mas, com certeza, há um que estará errado: dizer que isso só acontece em Roraima ou em algum outro fim de mundo desse "brasilzão" atrasado. Falso. Pode acontecer em São Paulo, no Rio de Janeiro ou em Brasília, em qualquer escola e em qualquer dia do ano letivo.
 
Na verdade, o manifesto social do professor de Roraima é tão parecido com a posição semioficial da esquerda brasileira sobre crime e criminosos, mas tão parecido, que não dá para ver bem qual é a diferença. Afinal das contas, gente muitíssimo mais conhecida do que ele diz basicamente a mesma coisa – e é considerada a quinta essência do progressismo nacional. O professor está apenas repetindo o que ouve falarem nestas cumeeiras de sabedoria.
 
Como esperar outra coisa? Um dos peixes mais graúdos da advocacia criminal brasileira, devoto fervoroso da candidatura Lula à Presidência, não disse recentemente, na frente de todo mundo, que os crimes pelos quais a Justiça brasileira condenou o ex-presidente deveriam ser esquecidos?Já aconteceu”, disse ele. “O que adianta punir?”
 
Ou seja: o sujeito mata a mãe, mas já que a mãe está morta mesmo, não adianta nada punir o filho, certo? O advogado em questão julgou oportuno, também, dar uma lição de ciência penal ao público. “Não se ache que a punição irá combater a corrupção”, afirmou. 
Na sua opinião, segundo se pode deduzir, o corrupto está apenas "trabalhando" para assegurar o próprio sustento – algo mais ou menos na mesma linha de raciocínio exibida pelo professor que defende os assaltantes. Qual é a grande diferença?
 
Num país em que um condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, em três instâncias e por nove juízes diferentes, é candidato à Presidência da República, é possível esperar tudo – a começar pela defesa do crime nas salas de aula. Essa indulgência plenária para os delinquentes vale, até mesmo, quando as suas vítimas estão dentro dos círculos mais elevados da esquerda lulista.
 
Como se noticiou amplamente, um filho do ex-presidente foi assaltado há pouco no centro de São Paulo e, automaticamente, absolveu os bandidos. De quem é a culpa, então? Segundo o filho de Lula, o culpado é “o Bolsonaro” – ele “não adota políticas sociais” e, em consequência disso, os cidadãos saem por aí assaltando os outros. 
O professor de Roraima, como se vê, poderia ser um consultor valioso da campanha de Lula.
 
J. R. Guzzo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES
 

sexta-feira, 15 de abril de 2022

O lamentável cala boca de professores contra a divergência de pensamento - Gazeta do Povo

J. R. Guzzo

Doutrinação

Em ano eleitoral, famílias relatam preocupação com aumento da doutrinação ideológica em sala de aula

Há alguma coisa definitivamente errada com o país quando as salas de aula se transformam em delegacias de polícia, os professores viram sargentos da tropa de choque e os alunos são tratados como criminosos. É o que está acontecendo no Brasil de hoje, do ensino médio ao ensino universitário, sob o silêncio e com a cumplicidade das autoridades responsáveis pela educação dos nossos jovens.
 

Convidada por professor, Sonia Guajajara, filiada ao PSOL, trouxe diversas manifestações políticas pessoais em palestra a alunos da escola Avenues - Foto: Reprodução

[não esqueçam que o professor ao efetuar o convite não levou em conta que o Colégio Avenues cobra mensalidade de R$ 12.000,00 - o que deveria conceder aos alunos, no mínimo, o direito de assistirem palestras em que não fossem apresentadas, e envaidecidas, posições políticas pessoais.] Cada vez mais os professores agem como militantes políticos de esquerda e conduzem suas classes como células de ação partidária. 
Exigem obediência dos alunos não em questões didáticas ou disciplinares, mas em relação aos mandamentos ideológicos que pregam nos seus cursos. Punem os que expressam ideias próprias ou, até mesmo, os que queiram exercer os seus simples direitos civis. Estão comandando a maior lavagem cerebral já vivida pelo sistema de ensino no Brasil, público ou privado.

Ainda agora, em mais um surto de repressão aberta, um professor da Universidade de São Paulo chamou os agentes de segurança do campus para tirarem da aula, à força, um aluno que estava sem máscara seu direito líquido, certo e indiscutível, já que por lei, no estado de São Paulo, o uso de máscara só é obrigatório nos hospitais e nos transportes coletivos.

Mas a máscara, hoje, é um sinal público de “resistência política” ao presidente Jair Bolsonaro e ao seu governo; há gente que usa sem pensar em nada disso, é claro, mas para o militante esquerdeiro virou um item indispensável da indumentária de todos os dias. O professor em questão exigiu que o rapaz usasse o uniforme de sua fé – e quando ele quis valer os seus direitos, chamou a polícia. “Sou um servidor público”, ameaçou. Ou obedece ou vai preso. Os alunos da classe, em vez de darem força para o próprio colega, ficaram ao lado da repressão. É como está o ensino superior no Brasil em 2022.

É óbvio que esse ato de demência não aconteceu em nenhum curso de matemática, engenharia, física ou nada que se relacione às “ciências exatas” onde os alunos não fazem greve, os professores são obrigados a ter conhecimentos verdadeiros sobre o que estão falando, e o ensino se destina a dar algo de realmente útil à sociedade que está pagando por ele.

O episódio aconteceu nas “humanas”, num curso de “Gestão de Políticas Públicas”, e quem chamou a Guarda Universitária para expulsar o aluno é um professor de “Sociedade e Estado”. O que poderiam ser esse curso e esse professor? Só os interessados sabem; faz parte da prodigiosa, e caríssima, empulhação que arruína a qualidade da universidade brasileira de hoje, onde se multiplicam cursos dematemática negra”, ou de “vestimentas indígenas”, ou sobre como mascar chicletes, ou sobre qualquer disparate que forneça empregos para professores e funcionários vindos do universo de “esquerda”.

Pouco antes disso, no que vai se tornando uma rotina, um professor de antropologia também de São Paulo – “antropologia”, é claro, do que mais poderia ser? agora da escola privada Avenues, que cobra mensalidades de R$ 12 mil reais, mandou um aluno calar a boca em plena classe, pela pura e simples infração de discordar de algo que estava ouvindo. “Eu sou um doutor em antropologia com especialidade em Harvard”, disse ele – o que é mentira: ele nunca recebeu qualquer diploma ou título de Harvard. “No dia em que você souber tudo o que eu sei, aí você pode se manifestar”.

Não se trata apenas de repressão grosseira, retrógrada e covarde, com o uso velhaco da posição de “autoridade” para intimidar um garoto de ginásio. É, também, a negação dos princípios mais elementares da atividade pedagógica, ao punir um aluno que tenta expressar um ponto de vista pessoal. E por que isso tudo? 
Porque o doutor em antropologia tinha trazido a líder indígena profissional Sonia Guajajara, militante aberta do PT e da esquerda, para fazer uma palestra de denúncia do agronegócio.

Segundo a sua ladainha de sempre, a agricultura e a pecuária brasileira estariam “destruindo” o Brasil e o planeta. É o contrário do que deveria ser: convites como esse são para dar aos jovens uma oportunidade de ouvir colocações imparciais, objetivas e científicas sobre os temas atuais. Um aluno quis discordar; o mundo caiu em cima dele.

Os pequenos tiranos do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP e da Escola Avenues foram deixados em perfeita paz; continuarão a agir exatamente como agiram
Tudo bem, talvez, com a Escola Avenues – se os pais querem tirar R$ 12 mil do seu bolso, todos os meses, para pagar os ensinamentos da índia Guajajara, problema deles. 
No caso da universidade pública, é o cidadão brasileiro que está pagando a conta, com os seus impostos de cada dia.
 
J. R. Guzzo, colunista -  Gazeta do Povo - VOZES
 
 

sábado, 9 de abril de 2022

'Por favor, case com um branco', disse professor demitido por racismo

O professor disse, em sala de aula,que aconselha a filha: 'quando você for casar, por favor, case com um cara branco, porque senão vai nascer moreno'

Viralizou nas redes sociais um vídeo feito por um aluno da Escola Estadual Ministro Alcindo Bueno de Assis (Eemaba), na cidade de Bragança Paulista, São Paulo, no qual um professor proferia falas racistas e machistas. O docente ainda afirmava que as pessoas de pele branca estão acabando.

Na aula de biologia, o professor explicava que as chances de uma criança nascer “branquinha” ou “moreninha” em relações interracionais. Segundo esse professor, na maioria das vezes, a criança nasce morena. Neste momento, o professor revelou que aconselha a própria filha a casar com um homem branco para não ter filhos morenos. Indignados com a fala do professor, um aluno filmou e divulgou o vídeo com as falas na rede social para denunciá-lo.

“Eu falo para vocês, não sei se vocês vão acreditar no professor de biologia. Pessoas com pele branca estão acabando. A minha menina é branca. A (nome da esposa) que é a mãe dela é branca. Eu sou branco, só pode sair branco. Se saísse de olhinho puxado, moreninho, ia sair cacete lá. Então, eu falo pra ela, já falei pra ela, quando você for casar, por favor, case com um cara branco, se não vai nascer moreno e o branco hoje está acabando”, diz o professor no vídeo.

Brasil - Correio Braziliense


terça-feira, 22 de março de 2022

O maior sequestro da história - Percival Puggina

Não, não me refiro a valor do resgate pago a sequestradores. O que tenho em mente é o imenso valor do bem sequestrado, que tem vínculo estreito com o sucesso, ou com o fracasso de uma nação.  

Em nosso país, a Educação foi sequestrada por interesses políticos, ideológicos e corporativos que a mantêm cativa, sob ferrolhos, impedindo-a de cumprir suas funções enquanto muitos dela se aproveitam para os próprios fins.

O art. 206 da Constituição Federal não deixa margem para fanatismos paulofreireanos. Nenhuma “autonomia” do professor, da escola, do departamento, da universidade, do Conselho, do sindicato pode desrespeitar o disposto no inciso III do art. 206 da Constituição Federal quando dispõe que o ensino será ministrado com “pluralismo de ideias e de concepções”. Mas para ler e entender isso é preciso não ser analfabeto.

Há um incompreensível silêncio sobre o dado divulgado em junho do ano passado pelo IMD World Competitiveness Center, que comparou a prosperidade e a competitividade de 64 nações. 
No eixo que avalia a Educação, o Brasil ficou em último lugar! Não surpreende o resultado, num país em que relacionar atividades pedagógicas a expectativas burguesas como competitividade e prosperidade é crime hediondo, punido com “cancelamento” definitivo do infeliz que o fizer. 

Quem desejar um Brasil mais qualificado sob o ponto de vista educacional terá que arrumar um banquinho e aguardar pelo menos uma geração inteira. Isso se começarmos amanhã de manhã bem cedo. Afinal, o fique em casa deixou nossas crianças por dois anos sem aula minimamente proveitosa e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua 2021) apontou um aumento de 66,7% no número de crianças de 6 a 7 anos que não sabem ler nem escrever!

"Uma geração inteira?", talvez exclame, preocupado, o leitor destas linhas. Sim, uma geração inteira porque para podermos alfabetizar melhor nossas crianças será preciso refazer um longo percurso que começa pela formação dos professores naquelas usinas dos recursos humanos do sistema que são as universidades. Ao mesmo tempo, haverá que abrir caminho até os registros e válvulas que comandam a entrada e saída de recursos do erário. E, também concomitantemente, acabar com as iniquidades instaladas na tradição brasileira, entre elas a que faculta ensino superior gratuito a quem pode pagar por ele. Em menos palavras: melhores professores, mais recursos financeiros, mais bom senso.

Por fim, se abrirmos a janela para espiar o Brasil real, será impossível não perceber que se instalou a cultura do não saber. Poucos são os alunos que querem aprender. Menos numerosos ainda os que têm hábitos de leitura. Separa-se o lixo na cozinha, mas não se separa o lixo inserido na Educação e nos meios de comunicação.

É a epifania da ignorância, cultuada em cativeiro e fanatismo.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.