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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

A política que mata - Fernando Gabeira

In Blog

Há muito tempo que gostaria de escrever sobre outra coisa: a dimensão do realismo fantástico num país em que o presidente acha que vacina nos transforma em jacaré, oferece hidroxicloroquina para a ema do palácio e manda os jornalistas enfiarem uma lata de leite condensado no rabo. Mas a urgência do drama proíbe digressão. Não absorvemos bem o que aconteceu em Manaus. Não quero dizer apenas que era necessário avaliar os estoques de oxigênio, planejar, em termos estratégicos, a produção e o consumo desse elemento vital.

Pazuello foi a Manaus defender a cloroquina e não percebeu a gravidade da falta de oxigênio. Quando percebeu a gravidade da falta de oxigênio, tarde demais, não percebeu outro fato decisivo: a presença de uma nova variante do coronavírus. Desde quando os japoneses sequenciaram o mapa dessa variante em turistas que chegaram da Amazônia, era preciso acionar o alarme. A variante brasileira tem características, ao que parece, semelhantes às mutações encontradas na Inglaterra e na África do Sul.

Todos se adaptaram de tal forma que podem se propagar com mais facilidade. Boris Johnson imediatamente decretou um lockdown para conter a nova onda que estava a caminho. No Brasil, confirmada a existência da variante, não houve um debate nacional sobre o que fazer diante desse novo perigo. [debate nacional? com ou sem distanciamento social? jetom para os especialistas em nada? virtual ou presencial?o know-how dos contadores de cadáveres seria considerado?] Na verdade, a variante brasileira é mais destacada nos jornais estrangeiros do que nos nossos.

Parece que, no Brasil de Bolsonaro, adotamos aquele velho lema: desgraça pouca é bobagem. Pazuello decidiu transferir os doentes de Manaus sem cuidados especiais de segurança. O aeroporto de Manaus durante algum tempo foi muito usado pelas UTIs aéreas que saíam do estado com os doentes mais ricos. Somente Roraima e Pará, dois estados limítrofes, tentaram erguer uma tímida barreira sanitária. A variante já apareceu em São Paulo e no Rio Grande do Sul, sem contar seus voos mais longos: Estados Unidos e Alemanha.

Os voos do Brasil para Portugal foram suspensos. Biden manteve as restrições à entrada de brasileiros. Muitos já notaram que Pazuello errou ao receitar hidroxicloroquina. Está sendo questionado por isso. Errou ao ignorar o avanço da crise de oxigênio, algo que não acontece de um momento para outro. Mas não estamos cobrando do governo um projeto para conter a variante amazônica no norte do país. Na verdade, nem se toca no assunto, como se o vírus mutante fosse brasileiro e já tivesse o direito de circular livremente pelo nosso território.

Muito menos nos espantamos com o fato de os japoneses terem sequenciado e anunciado a variante. Na Fundação Oswaldo Cruz em Manaus, já era conhecida. Mas a verdade é que rastreamos pouco, sequenciamos pouco, por falta de recursos. O negacionismo da política de Bolsonaro não se limita a tiradas verbais. Ele tem uma tosca base teórica. Prefere gastar com remédios a gastar com vacina e não se preocupa com testes. Milhares deles foram abandonados num galpão de São Paulo. O que adianta conhecer e monitorar? O que adianta sequenciar mutações de vírus?

Pelo que li, o governo já sabe que uma nova onda virá, dobrando o número de mortos. Diz que vai correr atrás da vacina. Para milhares de vidas, será tarde demais. Quando Bolsonaro pagará por isso? Quem quiser pesquisar desde o início as frases, decisões, atitudes, omissões vai recolher um acervo, mais amplo ainda do que o enviado ao Tribunal Internacional.[demorou, mas estão começando = tentativas dos inimigos do Brasil de responsabilizar o presidente Bolsonaro pela entrada do vírus chinês no Brasil;  de algum tempo questionamos quando o governo Bolsonaro, mais especificamente o presidente Bolsonaro seria responsabilizado pelo coronavirus e todos os seus malefícios. Começam a - o cidadão, a pessoa física, que foi escolhida para presidir o Brasil - cogitar de acusá-lo. Faz tempo que versões de fatos são levemente adaptadas abrindo espaço para tentar responsabilizar o presidente Bolsonaro. Semana passada, um artigo buscou insinuar que o presidente Bolsonaro em viagem que realizou a Miami, ao voltar para o Brasil, trouxe o vírus; já  um grupo de procuradores aposentados, na busca de passar o tempo que lhes sobra, situação proporcionada pelo ócio que custeamos com nababescas aposentadorias, apresentaram uma acusação contra o presidente da República. Algo até cômico,  desrespeitoso mesmo, por apresentar apenas versões adaptadas de fatos e suposições.O currículo de alguns dos inativos indica bem o destino da acusação.

Tem cão danado que acusou Bolsonaro de crime ambiental, quando bateu com uma caixa vazia de cloroquina em uma ema do Palácio da Alvorada.]

Quando vejo Pazuello respondendo ao TCU pela compra da cloroquina, à PF pela omissão em Manaus, a sensação que tenho é de que tudo é um único e indivisivel processo: a história da negação e as mortes que ela produz diariamente no Brasil. E ele é apenas o homem que obedece.

Blog do Gabeira - Fernando Gabeira, jornalista 

Artigo publicado no jornal O Globo em 01/02/2021