Bunker
da UPP da Cidade de Deus foi reforçado com dinheiro arrecadado por policiais
militares
PMs ficam confinados em turnos de 24 horas, e rendições
se transformam em verdadeiras operações de resgate
Travessa
Aroer, casa número 9. Foi ali que funcionou a sede provisória da UPP
da Cidade de Deus, segunda
comunidade pacificada no estado, inaugurada em 2009, e maior símbolo, na época,
da retomada dos territórios dominados pelo tráfico de drogas no Rio.
Hoje, no
entanto, o local tornou-se uma espécie de casamata. O imóvel de três pavimentos teve
as paredes reforçadas de concreto, ganhou escotilhas
para a colocação de fuzis e tem câmeras de monitoramento. Tudo pago
com dinheiro arrecadado pelos próprios policiais da unidade, que não viram
outra forma de se manterem vivos diante da morte lenta da ideia de uma
“polícia de proximidade” e da crise do estado. Se
antes abrigava boa parte do efetivo de 343 policiais e sediava os
projetos sociais desenvolvidos para a comunidade, hoje literalmente guarda
apenas cinco policiais, que ficam ali confinados em turnos de 24 horas,
e são rendidos em verdadeiras operações de resgate. Algumas delas até com a
ajuda de blindados.
Com
47.021 habitantes e ocupando a 113ª posição no índice de desenvolvimento
humano, entre 126
regiões da cidade, a Cidade de Deus continua sob o
comando de traficantes armados que agora também controlam a entrada e saída
desses policiais militares na comunidade. Desde a implantação da UPP,
quatro PMs já morreram em serviço. Lá, há outras três bases de UPP, no
Caratê, na Rua Edgard Werneck e na localidade conhecida como “Apartamentos”.
Mas, segundo os praças, o pior lugar para se
trabalhar é ali, na Quadras:
— Se um
policial passar mal à noite, só será retirado no dia seguinte. Se faltar luz,
não há o que fazer. Nem mesmo para comprar água, podemos sair daqui. Também não
dormimos. No máximo, cochilamos — conta um soldado, que pediu para não ser
identificado. A situação que se agravou nos últimos dois meses, com o
início da guerra na Rocinha, a pelo menos 20 quilômetros dali. Para reforçar o
policiamento na maior favela da Zona Sul, o efetivo da unidade Quadras foi
reduzido, e os policiais passaram a cumprir plantão de 24h por 48h, em vez
de 24h por 72h. — Às vezes, só podemos sair com a escolta de dez
policiais que saem da outra base, no Caratê, a cerca de um quilômetro de
caminhada. É o momento mais tenso do dia — diz outro PM.
Um
terceiro policial ironiza o fato de se usar a palavra “pacificação” para
designar o projeto, em franca decadência.
Onde
ficam as UPPs
Unidade modelo vira
refúgio de policiais militares
Cidade de
Deus, UPP Caratê, UPP Quadras, UPP Apartamentos, Bunker Travessa Aroer, nº
9, Rio Arroio Fundo,
— Chamam
isso de pacificação? Para sair daqui passamos por grupos de traficantes com
fuzis que ficam nos observando à distância com a arma apontada para nós — afirma.
Comandante
da UPP, o major Fábio Pereira minimiza, observando que a base em questão nunca
foi atacada, e defende que o ponto é estratégico: — Não é a pior situação.
Temos câmaras de monitoramento até nas ruas — afirma, acrescentando que ele próprio participa das rendições das
equipes de PMs.— Já estive em umas dez e, em nenhuma delas, houve
confronto. A área é muito sensível, mas a base tem tudo que eles precisam.
PM
DIZ QUE HÁ SEGURANÇA
Por nota,
o Comando de Polícia Pacificadora informou que a UPP serve como um posto
avançado e de monitoramento da comunidade. “O local possui estrutura para
atender o efetivo, que trabalha sob escala de 24h, e foi fortificado com a
instalação de muros de concreto e escotilhas para dar segurança aos policiais,
por se tratar de uma região com grande incidência de confrontos”. O
comunicado, no entanto, não esclarece de onde saíram os recursos para as
mudanças físicas na unidade. Os policiais afirmam ter custeado a obra.
Desde
que uma unidade foi instalada em 2012 na Favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão, tendo em
sua fachada envidraçada quase uma metáfora da polícia de proximidade, a
violência mudou, e muito, a arquitetura das UPPs. Em maio deste ano, cinco
anos depois, foi erguida uma torre blindada no Largo do Samba, no alto do Alemão.
Para erguer a fortaleza no centro da comunidade, foram
dias de confronto entre PMs e traficantes em que quatro pessoas morreram e
cinco ficaram feridas.
A nova
estrutura tem seis metros de altura, quatro toneladas, visão de 360 graus e
seteiras — assim
como as da UPP da Cidade de Deus. No mesmo ano em que o Alemão ganhou a
unidade, em 2012, a soldado Fabiana Aparecida de Souza, de 31 anos, foi
assassinada. Em 2014, foi a vez do capitão da PM Uanderson Manoel da
Silva, que comandava a unidade, ser morto durante um tiroteio.
Artigo: 'Blindagem de UPPs
é a antítese da proximidade com a população'
"Projeto não foi criado apenas para reduzir
controle dos grupos armados e a criminalidade
As UPPs
foram criadas não apenas para reduzir o controle territorial dos grupos armados
e a violência, mas para inaugurar um novo paradigma de policiamento, denominado
à época “polícia de proximidade”. Tratava-se de algo similar à polícia
comunitária, mas com um estilo próprio. A ocupação intensiva das comunidades,
protagonizada inicialmente pelo Bope e o Batalhão de Choque e
posteriormente pela própria UPP, era, supostamente, um prelúdio necessário para
o novo modelo em que a relação com a comunidade se tornaria mais horizontal e
mais legítima.
Na realidade,
a polícia de proximidade nunca veio e nenhum dos princípios básicos do
policiamento comunitário foi posto em prática: descentralização,
incorporação das prioridades da população local ao policiamento e
institucionalização da interação entre policiais e moradores. [enquanto pessoas
com pensamento igual ao do sociólogo autor deste artigo receberem atenção para
o que dizem, a criminalidade continuará dominando o Rio e se estendendo por
todo o Brasil e resultando em que as UPPs, academicamente chamadas de Unidade
de Polícia Pacificadora continuem sendo o que são: Unidade de Perigo ao
Policial.
Não adianta, não funcionava nos tempos
de Lúcio Flávio e não funciona agora esse negócio interação entre policiais e
moradores, descentralização, incorporar prioridades da população local.]
A regra
tem que ser a defendida por Lúcio Flávio Vilar Lírio:
"Bandido é bandido, polícia é
polícia. Como água e azeite, não se misturam".
[As prioridades da população local não
podem ser consideradas enquanto a prioridade maior não for plenamente atendida
com a eliminação da bandidagem, prendendo ou matando - não necessariamente
nesta ordem.
Interação entre policiais e moradores é
algo a ser feito só quando extremamente necessário e o policial sempre alerta
para o fato de que entre atender ao bandido e atender ao policial, os moradores
das favelas sempre vão escolher atender ao bandido. ]
Sobrou a
ocupação policial e o projeto nunca saiu da primeira fase. Mesmo assim, as UPPs
conseguiram nos seus primeiros anos uma redução da violência armada (e das
mortes decorrentes de intervenção policial) significativamente superior ao
resto dos territórios do estado. Contudo, quando o cenário mudou para pior,
elas foram incapazes de impedir o aumento da violência, e muitas UPPs voltaram
à triste rotina dos tiroteios. [necessário
considerar que toda a política das UPPs foi construída em cima de uma farsa:
vendiam a notícia que os bandidos seriam expulsos quanto na realidade um
acordão ente a cúpula da policia do Rio e os bandidos estabelecia que a
ocupação ocorreria em dia e hora acertados entre as partes e que antes da
'invasão' toda a bandidagem cairia fora com armas, drogas e demais
equipamentos.
Uma ou outra prisão seria apenas para as
autoridades policiais mostrarem para a população que estavam agindo.
E, após algum tempo a bandidagem
voltaria devagar - como voltou, só que com mais rapidez - e tudo voltaria ser
como antes.
O negócio degringolou, as partes não
cumpriram o acordado e quem se ferrou foram os policiais que além de alvos fáceis
para os bandidos passaram também a ser acusados de arbitrariedades - morador de
favela sempre faz o que o traficante manda.]
Nos
últimos tempos, várias medidas foram tomadas que enterram ainda mais o modelo
de proximidade. A dependência administrativa das UPPs em relação aos
batalhões, desarticulando a estrutura administrativa própria, é uma delas. A
construção de torres blindadas no Alemão, ainda às custas de vidas de moradores
e policiais, é outra. [Opção: não
construir as torres e só policiais morrerem; construir as torres alguns
policiais e alguns moradores serem assassinados, mas, depois os policiais
passariam a gozar de relativa segurança - dentro das torres ou em saídas pré
acertadas com os bandidos.] Fala-se agora em blindar a UPP da
Cidade de Deus, em virtude dos recentes ataques. Não há
dúvida de que a integridade dos policiais deve ser preservada e a blindagem de
alguns pontos pode ser conveniente.
De forma
geral, é sempre melhor investir em equipamentos defensivos, como blindagem,
do que aumentar o poder de fogo. Não se faz policiamento de proximidade,
porém, através da blindagem. A blindagem é, de fato, a antítese da proximidade
e uma confissão da incapacidade de implantar este tipo de policiamento. E permanecer em determinados lugares trocando tiros, só para
poder afirmar que não se retrocedeu, pode não valer a pena para os
policiais, para os moradores ou para a sociedade em geral. [o enfrentamento é necessário e precisa ser em conjunto:
- blindagem para mostrar aos bandidos a
invulnerabilidade dos policiais dentro das torres;
- ações de ataque, com armamento
poderoso, caçando os bandidos deixando-os cientes de que os policiais dentro
das torres são inatingíveis e quando saem para caça são complemente
invulneráveis dado o poder de fogo que dispõe.
Sem esquecer o que nas raras vezes em
que foi ensaiado, ou pelo menos começado, deu certo:
cerco e asfixia; cerca o perímetro da
favela - tarefa fácil de ser realizada, tendo em conta que o mais necessário é
efetivo e isto as FF AS possuem - se faz operação de revista de tudo e todos
que entram e saem, por duas ou três semanas, após se inicia a redução do
perímetro (ASFIXIA)
Simultaneamente com a redução da ária se
efetua a varredura - hora do armamento pesado e de eventuais efeitos
colaterais, mas, necessários ao objetivo primeiro: ocupação definitiva da área
com abate da bandidagem.
É assim, ou assim.]
*Ignacio
Cano integra o Laboratório de Análise da Violência da Uerj