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sábado, 4 de abril de 2020

Vidas e empregos na mesma pauta – Editorial - O Estado de S. Paulo

Mensagem conjunta do FMI e da OMS une ação econômica e defesa da vida

Salvar vidas ou salvar empregos é um falso dilema, deixaram claro, mais uma vez, os dirigentes máximos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Apareceram juntos, na sexta-feira, para defender a proteção da vida, com políticas de prevenção sanitária, e o apoio financeiro às populações mais necessitadas e a países de todos os continentes. O esforço para preservar as economias será inútil, segundo a mensagem, se falharem as ações para preservação da saúde. A diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, falou de seu escritório em Washington. O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, da sede da instituição, em Genebra, numa transmissão conjunta.

Se o bom senso resistir ao coronavírus, o governo brasileiro tentará equilibrar as duas tarefas nos próximos meses. Se isso for feito e a epidemia ceder no segundo trimestre, como se espera, as palavras “feliz 2021”, no fim do ano, terão um tom realista. O rombo de R$ 419,2 bilhões agora previsto para as contas federais, sem contar os juros, será um preço muito razoável, se mortes forem evitadas, pobres puderem comer, empregos forem preservados e a quebradeira de empresas for contida.

O conserto da economia e das contas públicas será complicado, mas menos penoso que um congestionamento nas funerárias, como tem ocorrido em outros países. Haverá mais trabalhadores e mais empresas para a retomada do crescimento. A virada poderá até começar já neste ano, se Brasília escapar do contágio da insânia.

Nenhuma pessoa sensata pode menosprezar, é claro, os custos econômicos da crise. Os 701 mil postos de trabalho fechados nos Estados Unidos, em março, são mais um alerta sobre isso. Muito mais sinistro, no entanto, é o recorde mundial de luto recém-batido pelos americanos, com 1.169 mortes em 24 horas, entre a quarta e a quinta-feira. A tragédia seria certamente maior, se o presidente Donald Trump insistisse em minimizar a covid-19. Desse erro ele já recuou, ao contrário de seu discípulo Jair Bolsonaro.

O presidente brasileiro mostra firmeza muito maior em seus erros. Fala sobre saúde pública e sobre economia como se soubesse muito mais que o diretor-geral da OMS e a diretora-gerente do FMI. Se conhecesse algum desses assuntos, e se tivesse o hábito de se informar, talvez estivesse até mais assustado quanto à dimensão da crise. Poderia saber, por exemplo, da fuga de capitais em direção aos portos mais seguros. Cerca de US$ 83,3 bilhões deixaram os mercados emergentes, no mês passado, segundo o Instituto de Finanças Internacionais. O Brasil está entre os perdedores. Mas os sinais de alarme são mais numerosos e variados.

O mau humor empresarial bate recordes no mundo todo. Exemplo: na zona do euro, em março, o Índice Composto de Gerentes de Compras caiu à mínima histórica de 29,7 pontos. Na maior economia da região, a Alemanha, o nível atingido, 35, também foi o mais baixo da série. O Índice Composto inclui indústria e serviços. Conhecido em inglês pela sigla PMI, esse indicador é pesquisado em cera de 140 países pela IHS Markit. Em março o índice caiu de modo generalizado.

No Brasil, a piora das expectativas no mês passado foi detectada em sondagens. Calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Índice de Confiança da Indústria caiu 3,9 pontos, para 97,5, na maior baixa desde março de 2015, quando o País se atolava na recessão e havia manifestações contra a presidente Dilma Rousseff. Naquele mês o recuo foi de 6,6 pontos. Desta vez caíram os dois componentes do indicador – o da situação presente e o das expectativas. Todos ficaram abaixo de 100, fronteira das áreas positiva e negativa.



 A matemática aplicada apoia o mau humor. Grandes bancos estimam contração econômica na faixa de 3,5% a 4%. Modelos matemáticos podem produzir resultados diferentes, mas todos muito negativos. Nenhum tão sinistro, no entanto, quanto o cenário de uma saída prematura do isolamento social. Como se viu em outros países, nem as funerárias estariam preparadas.

Editorial  - O Estado de S. Paulo