Demétrio Magnoli
Trump mente ininterruptamente; já o regime de Xi Jinping fabrica 'verdade' paralela da pandemia
“Na guerra, a primeira vítima é a verdade.” Essa verdade célebre, cuja
autoria atribui-se tanto ao senador americano isolacionista Hiram
Johnson (1918) quanto ao grego Ésquilo, o pai da tragédia, no século 5º
a.C., vale também para a Peste Negra em curso. Mas as mentiras são
diferentes: nos EUA, luzem sob o sol; na China, seguem escondidas abaixo
da superfície.
Donald Trump mentiu ininterruptamente, retardando a preparação dos EUA para enfrentar a pandemia. No fim de janeiro, disse à rede CNN: “Temos isso sob controle total. É uma pessoa vinda da China, e a temos sob absoluto controle”. No início de fevereiro, gabou-se na Fox News: “Nós basicamente desligamos isso, que vinha da China”. No final de fevereiro, garantiu que “isso é mais ou menos como a gripe; logo teremos uma vacina” e, referindo-se ao número de infecções, acrescentou: “Vamos substancialmente para baixo, não para cima”. Os EUA tinham, então, 68 casos; hoje, são 240 mil.
[Finalmente um artigo em que o Presidente Bolsonaro não é mencionado.
Afinal, nosso presidente falando sem pensar o que pensa pensar, fornece vasto arsenal aos inimigos.
Que a China mente - regra em qualquer país comunista = mentir é a primeira regra do comunismo - não há dúvidas. Só que criar uma "verdade" paralela da pandemia, ocultando e minimizando a verdade, impediu que a situação se tornasse conhecida ainda em dezembro, quando começou.
Só que agora ocultar números da epidemia e mesmo sua eventual continuidade em solo chinês é impossível.
Ainda que se feche mais do que em dezembro/janeiro, não conseguiria ocultar a verdade e há indícios que a epidemia cessou ou pelo menos sofreu importante redução - indícios que a China não conseguir criar. Ou conseguiria?
Já no Brasil, se o presidente Bolsonaro se convencer, aceitar, que aqui no Brasil ele é o responsável e detentor do poder de liberar o alívio para milhões de brasileiros, ele dá a volta por cima e seus inimigos terão lhe dado uma boa munição.
A PEC do orçamento de guerra foi aprovada em dois turnos na Câmara, falta o Senado - o que pode significar muito ou nada.
Excelente na matéria é ser uma das raras que fala a verdade sobre o 'santo' da OMS.]
No meio de março, quando finalmente admitiu que o vírus “é muito
contagioso”, ainda adicionou: “Mas temos tremendo controle sobre isso”.
A mentira trumpiana é uma narrativa política em constante mutação.
Apoia-se nas muletas dos “jornalistas” chapa-branca e do aparato de
difusão de fake news da direita nacionalista nas redes sociais. Acredita quem quer — e não são poucos. Contudo, ela concorre com as vozes
discordantes, que não são caladas pela força, e sobretudo com a verdade
(factual), que emana tanto de órgãos oficiais quanto da imprensa
independente. A hora da verdade (política) chega nas eleições, ocasião
em que a maioria decidirá se prefere a mentira.
A China também mente sem parar, mas de modo diferente, fabricando uma “verdade” paralela. A mentira chinesa tem raízes fincadas no chão do controle social
totalitário. Ela se espraia por toda a vida cotidiana, propiciando a
manipulação centralizada das estatísticas hospitalares —isto é, da fonte
primária de informações sobre a natureza da crise. Há indícios alarmantes de que os números fornecidos pelo governo chinês
miniaturizaram a epidemia. Nos EUA, estima-se que a Covid produzirá
entre 1 e 3 milhões de casos positivos e algo entre 100 mil e 240 mil
mortes.
Já na China, situada em latitude semelhante e com mais de quatro vezes a
população americana, a Covid teria praticamente estancado, com menos de
83 mil casos acumulados e cerca de 3.200 mortes. O contraste intriga os
mais respeitados epidemiologistas —inclusive Deborah Birx, coordenadora
da força-tarefa dos EUA para o coronavírus.
No centro do mistério está a contabilidade de óbitos. Os casos pioneiros
da Covid em Wuhan ocorreram em dezembro, mas a notícia foi interditada e
os médicos que os relataram, silenciados. A quarentena começou em 23 de
janeiro. O vírus teve mais de três semanas para se disseminar, enquanto
comemorava-se o Ano-Novo chinês.
Testemunhos anônimos de agentes de saúde chineses dão conta de
incontáveis internações sem testagens e centenas de óbitos atribuídos a
influenza ou pneumonia. No final de março, veículos online chineses
publicaram fotos, tomadas por cidadãos comuns, de milhares de urnas
funerárias ainda alinhadas em crematórios de Wuhan.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) nada viu de estranho nos números
chineses — e celebra a “eficiência” totalitária de Xi Jinping. Tedros
Adhanom, seu diretor-presidente, eleito com decisivo apoio chinês, um
ex-integrante do núcleo duro do governo autoritário etíope, não parece
alimentar dúvidas entre as alternativas de assegurar a bilionária
parceria da China com a OMS ou proteger a verdade (estatística).
Mas, de acordo com relatórios sigilosos da inteligência americana que
começam a vazar, a China engajou-se na fabricação de uma mentira
monumental, iludindo o mundo. Mentiras são diferentes. Todas elas, porém, cobram vidas.
Demétrio Magnoli, sociólogo - Folha de S. Paulo
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