Mensagem conjunta do FMI e da OMS une ação econômica e defesa da vida
Salvar vidas ou salvar empregos é um falso dilema, deixaram claro, mais
uma vez, os dirigentes máximos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e
da Organização Mundial da Saúde (OMS). Apareceram juntos, na
sexta-feira, para defender a proteção da vida, com políticas de
prevenção sanitária, e o apoio financeiro às populações mais
necessitadas e a países de todos os continentes. O esforço para
preservar as economias será inútil, segundo a mensagem, se falharem as
ações para preservação da saúde. A diretora-gerente do FMI, Kristalina
Georgieva, falou de seu escritório em Washington. O diretor-geral da
OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, da sede da instituição, em Genebra,
numa transmissão conjunta.
Se o bom senso resistir ao coronavírus, o governo brasileiro tentará
equilibrar as duas tarefas nos próximos meses. Se isso for feito e a
epidemia ceder no segundo trimestre, como se espera, as palavras “feliz
2021”, no fim do ano, terão um tom realista. O rombo de R$ 419,2 bilhões
agora previsto para as contas federais, sem contar os juros, será um
preço muito razoável, se mortes forem evitadas, pobres puderem comer,
empregos forem preservados e a quebradeira de empresas for contida.
O conserto da economia e das contas públicas será complicado, mas menos
penoso que um congestionamento nas funerárias, como tem ocorrido em
outros países. Haverá mais trabalhadores e mais empresas para a retomada
do crescimento. A virada poderá até começar já neste ano, se Brasília
escapar do contágio da insânia.
Nenhuma pessoa sensata pode menosprezar, é claro, os custos econômicos
da crise. Os 701 mil postos de trabalho fechados nos Estados Unidos, em
março, são mais um alerta sobre isso. Muito mais sinistro, no entanto, é
o recorde mundial de luto recém-batido pelos americanos, com 1.169
mortes em 24 horas, entre a quarta e a quinta-feira. A tragédia seria
certamente maior, se o presidente Donald Trump insistisse em minimizar a
covid-19. Desse erro ele já recuou, ao contrário de seu discípulo Jair
Bolsonaro.
O presidente brasileiro mostra firmeza muito maior em seus erros. Fala
sobre saúde pública e sobre economia como se soubesse muito mais que o
diretor-geral da OMS e a diretora-gerente do FMI. Se conhecesse algum
desses assuntos, e se tivesse o hábito de se informar, talvez estivesse
até mais assustado quanto à dimensão da crise. Poderia saber, por exemplo, da fuga de capitais em direção aos portos
mais seguros. Cerca de US$ 83,3 bilhões deixaram os mercados emergentes,
no mês passado, segundo o Instituto de Finanças Internacionais. O
Brasil está entre os perdedores. Mas os sinais de alarme são mais
numerosos e variados.
O mau humor empresarial bate recordes no mundo todo. Exemplo: na zona do
euro, em março, o Índice Composto de Gerentes de Compras caiu à mínima
histórica de 29,7 pontos. Na maior economia da região, a Alemanha, o
nível atingido, 35, também foi o mais baixo da série. O Índice Composto
inclui indústria e serviços. Conhecido em inglês pela sigla PMI, esse
indicador é pesquisado em cera de 140 países pela IHS Markit. Em março o
índice caiu de modo generalizado.
No Brasil, a piora das expectativas no mês passado foi detectada em
sondagens. Calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Índice de
Confiança da Indústria caiu 3,9 pontos, para 97,5, na maior baixa desde
março de 2015, quando o País se atolava na recessão e havia
manifestações contra a presidente Dilma Rousseff. Naquele mês o recuo
foi de 6,6 pontos. Desta vez caíram os dois componentes do indicador – o
da situação presente e o das expectativas. Todos ficaram abaixo de 100,
fronteira das áreas positiva e negativa.
A matemática aplicada apoia o mau humor. Grandes bancos estimam
contração econômica na faixa de 3,5% a 4%. Modelos matemáticos podem
produzir resultados diferentes, mas todos muito negativos. Nenhum tão
sinistro, no entanto, quanto o cenário de uma saída prematura do
isolamento social. Como se viu em outros países, nem as funerárias
estariam preparadas.
Editorial - O Estado de S. Paulo