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sexta-feira, 9 de setembro de 2016

À moda Elio Gaspari, um e-mail do além: de Pasolini para Duvivier

 O humorista Gregório Duvivier, o filósofo Vladimir Safatle e o baderneiro Guilherme Boulos são esquerdistas bastante desiguais na formação, mas idênticos no desassombro com que afrontam os fatos. Eles me contam da decrepitude do pensamento de esquerda. Até a desconstrução do que escrevem cheiraria a naftalina. Mas isso tem história.

Em junho de 1968, o cineasta e polemista italiano Pier Paolo Pasolini (1922-1975) publicou um texto descendo o sarrafo nos estudantes que haviam entrado em confronto com a Polícia em Roma. Pasolini era um esquerdista, mas um homem de cultura, como era o direitista Raymond Aron, na França. Em muitos aspectos, a crítica que faziam àquele espírito era idêntica. Basicamente, repudiavam na revolta estudantil a ignorância, a arrogância, o niilismo agressivo e a ausência de economia política.

Na Internet, vocês encontram o original em italiano. Também há uma versão em espanhol. Destaco trechos nesta coluna. Foi escrito em verso, mas segue uma tradução em prosa. Abaixo, o autor faz um perfil psicológico dos estudantes, rebeldes à orientação do Partido Comunista Italiano, que não apoiava os protestos.  "Sinto muito. A polêmica contra o PCI já tinha sido feita na primeira metade da década passada. Vocês estão atrasados, queridos. Pouco importa se vocês ainda não haviam nascido. Pior para vocês. Agora os jornalistas do mundo todo (inclusive os dos canais da televisão) ficam lambendo (como se diz na linguagem do baixo clero universitário) a bunda de vocês. Eu não, queridos! Vocês têm cara de filhinhos de papai. Eu os odeio como odeio seus pais (...). Vocês têm o mesmo olhar maligno. São medrosos, hesitantes, desesperados, mas sabem também ser prepotentes, chantagistas, convencidos, descarados – prerrogativas estas pequeno-burguesas, meus amigos".

No trecho a seguir, Pasolini se refere ao confronto havido em Valle Giulia, na área central de Roma, no dia 1º de março de 1968, entre os estudantes e a polícia. E diz por que se identificava com os policiais. "Ontem, quando vocês lutavam com os policiais em Valle Giulia, eu me identificava com os policiais. Porque os policiais são filhos de gente pobre. Eles vêm das periferias rurais ou urbanas. Eu conheço muito bem o modo como foram meninos e rapazes, seus minguados tostões. Conheço o pai deles, que também nunca foi senhor de si, mas por causa da miséria, não da falta de altivez. Conheço a mãe, calejada como um carregador, ou magra como um passarinho por causa de alguma doença. E tantos irmãos; o casebre entre as árvores, em áreas invadidas; casa de cômodos onde há esgoto a céu aberto, ou apartamentos em grandes habitações populares."

"(...)Em Valle Giulia, ontem, houve um fragmento de luta de classes: e vocês, queridos (ainda que do lado certo), eram os ricos, enquanto os policiais (que estavam do lado errado) eram os pobres. Bela vitória, pois, a de vocês! Nesses casos, é aos policiais que se entregam as flores, meus caros. La Stampa, Corriere della Sera, Newsweek e Le Monde estão lambendo a bunda de vocês. Vocês são os filhos deles. (...)"

O texto é imenso e complexo. Os links estão à disposição. Pasolini era um comunista, e é certo que divirjo profundamente de sua leitura, mas não desse retrato que ele faz da militância obscurantista. Também vejo em Gregórios, Safatles e Guilhermes não mais do que os burguesotes mimados que odeiam na Polícia não o seu suposto papel, digamos, contrarrevolucionário. O rancor que secretam é bem mais profundo: é de classe. É, com efeito, uma luta de classes.


Fonte: Coluna do Reinaldo Azevedo - Folha

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Dilma e os cortes nos programas sociais


Um golpe contra os pobres está em curso


Como diz a peça de acusação a Dilma, o Brasil perdeu a cultura da responsabilidade fiscal. O resultado são os cortes nos programas sociais 

A responsabilidade fiscal virou um saco de pancadas no Brasil atual. O Tribunal de Contas da União, por unanimidade, apontou graves irregularidades na gestão fiscal, em 2014, mas o governo diz que nada de mais aconteceu. Nada diferente do que fizeram “outros governos”. Diante de um gráfico, mostrando os pagamentos a descoberto, feito por bancos oficiais, a programas do governo, sem o devido repasse pelo Executivo, eminentes juristas e economistas “em defesa da democracia” dizem nada enxergar. Talvez seja a realidade que ande por baixo, no Brasil de hoje.

Dias atrás li um artigo do professor da Universidade de São Paulo Vladimir Safatle, em um jornal paulista, reproduzindo a narrativa do “golpe”. Seu argumento era o seguinte: não há sentido em acusar a presidente em função das pedaladas fiscais, dado que, neste país, ninguém respeita um orçamento público. Orçamentos, no Brasil, dizia o professor, não passam de “mera carta de intenções”. E mais: que, se orçamentos valessem, “não sobrava de pé um só representante dos Poderes Executivos”.

O texto poderia ser ofensivo a milhares de bons gestores públicos, Brasil afora, mas por certo ninguém deu bola. Desconheço se o referido professor algum dia analisou a execução orçamentária de um município ou Estado brasileiro. O curioso é que ele “sabe” que nenhum deles cumpre coisa nenhuma. Safatle segue a última moda da intelectualidade governista: se o PT, o melhor de todos os partidos, cometeu algum deslize, é óbvio que todos os outros já fizeram coisa muito pior. O partido pode até ter cometido algum pecado. Mas será sempre inocente, por definição, dado que ninguém é virtuoso o suficiente para julgá-lo.

A lógica complementar, nesse argumento, é mais direta: que importância tem, afinal de contas, a ideia de responsabilidade fiscal? Se o governo ficou sem caixa, em algum momento de 2014, para honrar os repasses aos programas sociais não seria lógico mandar os bancos públicos pagarem a conta? Qual seria a alternativa? Deixar de pagar o Bolsa Família? O seguro-desemprego? As bolsas do Fies? Foi Lula que deu o tom desse argumento, logo no início do debate sobre as pedaladas fiscais. E ele tem sido seguido à risca pela intelligentsia oficial.

Como de costume, a narrativa governista empurra alguns detalhes para debaixo do tapete. Um deles: a parte gorda das pedaladas fiscais foi feita para bancar os empréstimos a juros subsidiados, feitos pelo BNDES, dentro do PSI, o Programa de Sustentação do Investimento, a empresas brasileiras. Lula poderia ter explicado que as pedaladas serviram ao mercado”, primeiro, e em tese beneficiaram os mais pobres, depois. Sua base militante, por certo, entenderia. De qualquer modo, correto mesmo teria sido dizer que elas serviram ao governo, que driblou a contabilidade pública e ganhou as eleições em novembro de 2014.

A “narrativa pela metade” de Lula explicita um paradoxo da democracia. Temas de gestão pública são, frequentemente, complexos, mas o discurso político requer simplificação. As pessoas dificilmente perderão um episódio de House of cards, ou uma boa cerveja, no fim do dia, tentando entender se as pedaladas foram uma “operação de crédito” disfarçada, e, portanto, vetada pelo artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal, ou um simples “inadimplemento”, mera “tecnicalidade contábil”, como escutei de um intelectual amigo, dias atrás. Tudo funciona, no fim do dia, como um convite à irresponsabilidade, fiscal e hermenêutica. Talvez seja este “estado de irresponsabilidade” que democracias maduras aprendem a superar, com o tempo.

Em maio de 2000, o PT votou contra a Lei de Responsabilidade Fiscal. Dois meses depois, o partido entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, no Supremo, contra a Lei. A “narrativa” usada, à época, pelo partido, era de que a Lei faria mal aos trabalhadores. Tratava-se de uma imposição da “austeridade”, do FMI, do mercado financeiro, aquelas coisas de sempre. Cinco anos depois, já no governo, o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, fazia autocrítica da posição do partido, dizendo que a responsabilidade fiscal havia se tornado “um valor da sociedade, de caráter suprapartidário e acima de questões pessoais”.

Fonte: Revista Época