J. R. Guzzo
O ministro Marco Aurélio, que se prepara para se aposentar do STF e entregar ao Brasil, com a sua saída, a melhor realização dos 31 anos que passou no cargo, parece ter guardado para essas últimas horas o pior que poderia fazer para fechar a sua carreira. Pensava-se que a chave de ouro tinha sido a sua ordem para tirar de uma cadeia de segurança máxima, tempos atrás, um dos mais notáveis criminosos que constam nas anotações da polícia, o traficante André do Rap – que sumiu do mapa e está solto até hoje. Que nada. Antes de ir para casa, o quase ex-ministro conseguiu se superar e criar uma alucinação jurídica que não existe em nenhum lugar do mundo – o “Estado de Coisas Inconstitucional”.
Algumas semanas atrás, Marco Aurélio baixou o “Estado de Coisas Inconstitucional” nas penitenciárias brasileiras – todas, sem exceção, das que investem fortunas nos presídios e cumprem todos os requisitos legais em sua manutenção, como as de São Paulo, até os mais sinistros chiqueiros onde se enfiam presos por esse interiorzão afora.
O ministro disse que é tudo igual; deu três meses para o governo apresentar um “plano” que “resolva completamente”, nos próximos “três anos”, um problema de séculos. O interventor encarregado de mandar na área é o Conselho Nacional de Justiça – uma aglomeração de burocratinhas que jamais colocaram o pé num xadrez em toda a sua vida.
Agora, com a aposentadoria roncando no calendário, Marco Aurélio inventou o “Estado de Coisas Inconstitucional” para a covid e o seu tratamento. Se o plenário do STF aceitar esse novo surto, os “entes federados”, sob “a coordenação do Executivo” ficam obrigados, entre outros disparates, a fazer “análise diária dos impactos na redução dos casos, fornecer “máscaras de pano multicamadas” para 210 milhões de pessoas, adotar “medidas de bloqueio”, orientar a população a ficar em casa e outros despropósitos que circulam entre a ignorância, a burrice e a preguiça mental. Marco Aurélio não ouviu, ao baixar essa sua bula, o Conselho Federal de Medicina ou qualquer outra entidade da área médica ou científica; apenas executou o pedido de “18 entidades de trabalhadores”.