Em entrevista à Revista Oeste, humoristas do Canal Hipócritas comentam as manifestações de rua em frente aos quartéis e o mandado de prisão contra um integrante da equipe
Ainda naquela semana, o ministro mandaria prender Fugazza e Eustáquio. Eles, no entanto, já sabiam que estavam na mira de Moraes. Uma “fonte quente”, contou o humorista numa entrevista exclusiva a Oeste, avisou que seus nomes estariam numa lista de mandados de prisão do ministro do STF. Com a informação, Fugazza, Souza e Augusto Pacheco — também do Canal Hipócritas—, saíram do Brasil há sete dias.
Desde a vitória nas urnas do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, o trio do Canal Hipócritas e o jornalista apoiam e incentivam as manifestações que acontecem em frente aos quartéis-generais por todo o país. Mesmo distantes, eles continuam engajados nos protestos. “Não tinha planos de sair do Brasil”, revelou Souza. “Meus sonhos estão lá, mas o Brasil é uma história de terror. Não tenho palavras para explicar o que vai acontecer daqui para a frente.”
Confira os principais trechos da entrevista.
Como os senhores enxergam as manifestações em frente aos quartéis?Paulo — Elas são a expressão de um povo que está desesperado, depois de ter sido enganado, ignorado, roubado, ridicularizado e censurado. Todas as vias que a democracia apresentou para esse povo foram esgotadas. Nos falaram que deveríamos conquistar as coisas através do voto, mas aquilo que os nossos parlamentares decidem é ignorado no Parlamento.
Qual é o papel dos senhores nas manifestações?
Bismark — Não somos os líderes das manifestações, mas fazemos parte delas. Acreditamos nelas e lutaremos por elas. Desde 2017, com a criação do Hipócritas, falamos de política através do humor. Ao longo desses cinco anos de trabalho no YouTube, as pessoas nos procuram para dizer que somos as vozes delas. Por isso, não podemos agir diferente e estamos dando a nossa ‘cara a tapa’ apoiando e, antes de sermos obrigados a sair do país, frequentando as manifestações.
Por mais que tenhamos conseguido votações expressivas na Câmara e no Senado, não há nenhuma possibilidade de contornarmos essa situação autoritária que o Brasil vive atualmente
Como vocês ajudam as manifestações?
Paulo — Não oferecemos apoio financeiro. Nesse sentido, o que poderíamos oferecer seria pouco, se comparado com o que muitas pessoas fazem. Nós apenas usamos a influência que temos para, através das nossas redes sociais, propagarmos as vozes de quem está lá.
Nas últimas semanas, alguns portais de notícias veicularam que os senhores estariam escondidos no Palácio do Alvorada, temendo ser presos. Isso procede?
Paulo — Não estamos escondidos no Palácio do Alvorada. Em 12 de dezembro, dia da prisão do cacique José Acácio Tserere Xavante, estávamos todos em frente ao palácio, depois do arriamento da bandeira do Brasil. Naquele momento, ficamos sabendo da prisão do Tserere. Pelo fato de estarmos todos no mesmo barco e visto que o cacique foi preso apenas pelo que falou, ficamos apreensivos. Nesse momento de tensão, eles permitiram a nossa entrada no Alvorada, mas apenas para a nossa segurança. Na mesma noite, saímos do Palácio e dormimos num hotel.
Onde os senhores estão atualmente?
Paulo — Há dez dias, recebemos uma informação de uma fonte muito quente de que nossos nomes — Paulo, Bismark e Eustáquio — estariam na lista de mandados de prisão. Desse modo, tomamos a decisão de sair do Brasil. Estamos em outro país. Pouco depois, foi expedido um mandado de prisão por parte de Moraes contra o Bismark e o Eustáquio. Tudo isso comprova o que nossa fonte havia dito.
Bismark — Essa fonte citada pelo Paulo recebeu em mãos um dossiê meu, do Eustáquio, do Paulo e do Tacimar Hoendel — um influenciador das redes sociais —, com fotos e vídeos. Segundo esses documentos, nós já teríamos ordem de prisão. Agora, o Moraes está agindo de maneira diferente: ele dá o mandado na mão da polícia, e ela prende.
Vários influenciadores conservadores estão apoiando e incentivando as manifestações. No entanto, poucos estão sendo perseguidos no nível em que vocês estão. Por quê?
Bismark — Nenhum grande influenciador ‘deu a cara para bater’ como o Canal Hipócritas. Somente pequenos influenciadores fizeram isso, mas eles não possuem tanta voz como nós. Ao analisarmos os nossos seguidores, vemos que eles são de todo o Brasil. Os grandes influenciadores resolveram se calar, mesmo apoiando as manifestações. Não vou julgá-los, não cabe a mim. Como o nosso canal está muito presente nas manifestações, com certeza colocamos uma mira gigante nas nossas costas. Nós sabíamos que isso poderia acontecer. No primeiro dia em que estivemos em Brasília, divulgamos a live do Cerimedo [com informações sobre o processo eleitoral brasileiro] e perdemos nosso perfil no Instagram e no Twitter. Na ordem do Tribunal Superior Eleitoral, eles informaram que, se nós continuássemos com as publicações, seríamos presos. Isso é o que o Moraes quer, colocar medo para nos calar.
Como o senhor enxerga a escalada autoritária do STF?
Bismark — Eles foram testando o campo. Foram aos poucos e o brasileiro foi deixando. Isso começa com a ativista Sara Winter, o Eustáquio, o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), o deputado eleito Zé Trovão (PL-SC). Em 2015, o STF derrubou o voto impresso nas urnas eletrônicas. Ali foi o início de tudo. O Legislativo, que é a Casa do povo, votou em favor do voto impresso.
Qual a expectativa dos senhores para a gestão Lula, tendo em vista a presença dos senadores e dos deputados de direita que foram eleitos?
Paulo — Não vejo nenhuma expectativa boa a partir de 1° de janeiro. Estamos gastando todas as nossas fichas para que algo aconteça até 31 de dezembro, porque o que nos espera nesse governo Lula é um misto de terror e autoritarismo do qual o Brasil não vai conseguir sair.
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Rute Moraes, jornalista - Revista Oeste