O que os caciques da esquerda pensam sobre o gesto de aproximação de Lula
, Daniel Pereira
Até o próprio PT busca uma forma de convencer o ex-presidente de que seu tempo passou, mas ele insiste em continuar se colocando na condição de protagonista
Os partidos de esquerda há muito teorizam sobre a oportunidade de testar uma estratégia eleitoral que já deu certo em alguns países: unir forças para derrotar um adversário comum. Foi essa perspectiva que levou muita gente a festejar um encontro do ex-presidente Lula (PT) com seu ex-ministro Ciro Gomes (PDT) — ocorrido há dois meses, mas só revelado recentemente — como se fosse o início de um projeto nessa direção. A conversa entre eles seria um sinal de reaproximação de dois líderes que se afastaram depois do embate das eleições de 2018. Mais: indicaria, inclusive, que Lula estaria disposto a abrir mão do projeto hegemônico e até da candidatura presidencial petista para apoiar um aliado na próxima disputa presidencial. Em suma, estaria se materializando uma chapa encabeçada por Ciro tendo Lula como vice para enfrentar Jair Bolsonaro em 2022. O problema é que isso não passa de uma miragem. O ex-presidente é dono de algumas qualidades políticas, mas a magnanimidade não é uma delas.
As eleições deste ano são uma prova disso. Setores importantes do PT defendiam a ideia de que o partido abrisse mão de candidaturas em capitais e grandes municípios em favor de postulantes de legendas de esquerda, como o PSB, o PDT e o PSOL. O intuito dessa ala era não disputar, por exemplo, as prefeituras do Rio e do Recife. Não deu certo. Sob influência de Lula, o comando partidário decidiu lançar o maior número de candidatos a prefeito, com o objetivo de defender não só o legado da sigla, mas principalmente a biografia e os feitos governamentais de seu maior líder. A ordem pode até ajudar na recuperação da imagem do ex-presidente, que ficou um ano e sete meses preso, mas até agora não rendeu frutos em colégios eleitorais importantes. Em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, os candidatos do PT estão, segundo as pesquisas, fora do segundo turno. “O Lula hoje é o nosso caudilho. Nenhuma decisão das alianças políticas passa sem a autorização dele. É uma subserviência total. O PT é governado quase que por um papa. Enquanto isso continuar assim, as derrotas continuarão no horizonte”, diz um integrante do partido que, por razões óbvias, pede para não ter o nome revelado.
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É dessa época a célebre frase “O Lula está preso, babaca”, proferida pelo senador Cid Gomes, irmão de Ciro. Hoje, o PDT mantém conversas com o PSB, com quem fechou parcerias em oito disputas em capitais, e até com o DEM, legenda que tenta costurar uma candidatura presidencial de centro (veja a reportagem na pág. 38). Por enquanto, uma aproximação com Lula não faz parte do projeto — a não ser, é claro, que ele ceda a cabeça da chapa.
Entre esquerdistas, há quem defenda uma saída à la Cristina Kirchner.
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Lula ainda é um político popular. Mas é também um ex-presidiário, condenado a 26 anos de cadeia, [e respondendo a mais meia dúzia de processos criminais, com grandes possibilidade das penas unificadas ultrapassarem os 75 anos de cadeia - caindo a bizarra prática de bandido rico só ir para a cadeia após a sentença ser confirmada em todas as instâncias, o multicondenado petista será encarcerado e só um indulto humanitário.] artífice e beneficiário de um dos mais impressionantes esquemas de corrupção já descobertos. Em seus dois governos e nos dois de sua sucessora, Dilma Rousseff, empresas estatais foram saqueadas em bilhões de reais. O dinheiro roubado engordou os cofres de empreiteiras amigas do PT, subornou parlamentares e enriqueceu políticos e dirigentes partidários. Apesar dos recursos jurídicos que podem até anular os processos do ex-presidente, esse roteiro revelado pela Operação Lava-Jato é indelével. É um peso que Lula levará consigo aonde quer que vá, tóxico a ponto de contaminar e comprometer quem dele se aproxime. Só Lula parece não perceber isso — ou faz de conta que não percebe, e insiste em tentar continuar enrolando a plateia.
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Publicado em VEJA, edição nº 2712, de 11 de novembro de 2020