O Brasil mostrou-se vulnerável. Um plano elementar de defesa garantiria com escolta armada a saída dos caminhões com combustível
A
crise que paralisa o país neste ano eleitoral é um estímulo para que as
pessoas compreendam a falta que um governo faz num país. O
governo tinha condições de prever a paralisação. Possui recursos para a
inteligência e, sobretudo, tinha uma posição privilegiada para entender
a evolução da crise: desde julho do ano passado estava negociando com
os caminhoneiros. Portanto, falhou nesse quesito.
Sua saída seria ter um plano para permitir que, apesar da greve, o país
funcionasse no essencial. Mas nunca se aprovou uma estratégia de defesa
nacional, apesar de o projeto ter uma década de existência. [civil na Defesa - só agora decidiram colocar quem entende do assunto, um general - só pode resultar no que estamos vendo e sentindo.]
O
Brasil foi pego de calças na mão. Mostrou-se um país vulnerável. Um
plano elementar de defesa garantiria com escolta armada a saída dos
caminhões com combustível. Isso aconteceu em Curitiba e, parcialmente,
deu certo para manter o transporte urbano em ação, aliviando o peso dos
que se deslocam para trabalhar. O Brasil poderia
estar menos dependente da gasolina. Mas congelou o projeto que
impulsiona os biocombustíveis. Seduzidos pelas descobertas do pré-sal,
acorrentamos nosso destino ao combustível fóssil.
Da
mesma forma, o Brasil poderia ter mantido e desenvolvido suas
ferrovias. Mas caiu na ilusão tão comum no Novo Mundo: uma nova opção
tecnológica remete as outras para os museus. [biocombustível
é apenas uma alternativa, sujeita as mesmas limitações dos combustíveis fósseis, que também pode falhar; o que tem que ser
priorizado é o transporte ferroviário, para cujo desmonte JK deu o
pontapé inicial, o Governo Militar adotou algumas medidas que
valorizaram mais ainda o transporte rodoviário aumentando nossa
dependência e FHC com a privatização fajuta acabou de vez com o que
ainda restava.
O transporte ferroviário reduz custos, é mais seguro e deve ser prioridade tanto para transportar cargas quanto passageiros.
Brasília
é um exemplo: grade parte pessoas que moram no entorno do DF e
trabalham em Brasília poderiam ser transportadas por trens, só que o
governo não se interessa no que é melhor para a população.
Prefere
pagar resgate a caminheiros (sem esquecer que vez ou outra é extorquido
pelos baderneiros, também chamados de rodoviários, que paralisam os
ônibus urbanos.]
O
preço da gasolina não precisava ser tão alto. Cerca de 45% são impostos.
A máquina dos governos em Brasília e nos estados não dispensa esse
dinheiro porque jamais soube reduzir seus custos. Os
políticos e a elite burocrática ainda não caíram na realidade. A
máquina administrativa é de um país ilusório, muito mais rico do que o
país de concreto, que todos habitamos de carne e osso. É
esse país da fantasia que precisa desaparecer com a sua máquina do
Estado catapultada para o mundo real. Vivemos um momento de avanços
tecnológicos que poderia tornar o enxugamento dos gastos mais fácil que
no passado. o ceio que gastando mais com o país e menos com o seu governo arriscaríamos a competência ou mesmo a dignidade dos cargos.
No
país real, a dignidade de uma elite governante também se mede pelo seu
esforço em ser austera, pela decisão de compartilhar nossas limitações
cotidianas. E não por construir um oásis particular no deserto de nossa
desesperança. A ausência de um governo revela também a nossa fragilidade
quando não dispomos desse instrumento. De repente, o Brasil parou,
somem os alimentos, em alguns lugares também a água mineral. É
como se o país trocasse de mãos. Não só estradas, como refinarias foram
bloqueadas. Uma coisa é fazer greve, outra intervir na vida dos outros e
do próprio governo. Os lances ilegais não foram punidos, [e com certeza não serão; o que mais acontece é em greves a Justiça fixar multas com valores vultosos a ser aplicada em sindicatos caso os grevistas não voltem ao trabalho ou mantenham percentual mínimo da frota, nada disso é feito, os grevistas voltam quando colocam o governo e a justiça de joelhos e as multas não são cobradas.
Se as multas fossem cobradas o 'sindicato dos rodoviários do DF', epa.... dos baderneiros, já teria vendido até o uniforme dos seus filiados para pagar multas e não conseguiria.] nem apurados
os indícios da presença das grandes empresas na greve. Paradoxalmente,
num momento de fragilidade como esse a sociedade encontra uma
possibilidade de mostrar sua força.
Para muitos, o
que se passa no universo político não interessa, o melhor é deixar de
lado e cuidar da própria vida. Mas eis que uma paralisação como essa
revela claramente que não existe vida própria, blindada contra os
descaminhos da elite dirigente. Gasolina, alimentos, água de beber tudo
isso invade a existência pessoal com seus vínculos familiares. A
greve foi um momento em que nos sentimos muito sós. Mas abre a chance
de nos reunirmos em torno da ideia de um país, uma cultura, enfim, de
retomar algum nível de sentimento nacional. Isso passa por uma grande
sacudida no país da fantasia.
Fernando Gabeira - O Globo