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terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Lula vai usar o BNDES para financiar obras em países da esquerda - Alexandre Garcia

Vozes - Gazeta do Povo

Presidente Lula está na Argentina, e não vai se encontrar com Maduro porque Maduro decidiu não ir para evitar a possibilidade de um vexame de ser preso no aeroporto. 
Isso porque a oposição argentina botou a boca no mundo, avisou o departamento americano de combate às drogas. 
O Maduro está sendo procurado pelo DEA, que deve ter acordo com a Argentina, então Maduro decidiu não ir. 
E a oposição está brigando lá também porque não quer que a Argentina receba o ditador cubano, Miguel Díaz-Canel.
Hoje é dia da reunião da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e Lula aproveitou para oferecer o BNDES para todo mundo, para ajudar os outros a crescer, como se nós não precisássemos, como se estivesse sobrando aqui.  
Quem sabe, podiam fazer uma doação lá para os Yanomamis. 
O BNDES, para quem não sabe, é Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, mas agora vai ser, de novo, Banco Internacional de Desenvolvimento Econômico, que faz metrô em Caracas, porto em Havana, aeroporto em Moçambique, hidrelétrica no Equador, na Nicarágua, enfim, nos países “amigos”.

A moeda única de Lula

Lula também está entusiasmado com a ideia da moeda única com a Argentina. Imaginem, vão misturar o peso argentino, com quase 100% de inflação, e o real brasileiro, com menos de 6% de inflação. 
Tem de tirar a media, aí ficamos com 53% de inflação.
E como se já não bastassem as outras declarações de Lula por aí, ele disse que os ministros da Fazenda têm de ter sabedoria suficiente para poder fazer essa “união” entre as duas moedas.  
Gente, olha o trabalhão que deu fazer o euro, em países europeus, com muito mais história do que a nossa. [só que na Europa eles não tinham o 'demiurgo' de Garanhuns - o Brasil tem.]  
Nós somos Novo Mundo, é a partir de 1500, enquanto os europeus são desde sempre, do tempo das cavernas. Mesmo assim, eles tiveram muitos problemas, a Inglaterra, por exemplo, que entrou e saiu. Depois da reunião da Celac, Lula ainda passa em Montevidéu, onde tem uma reunião com o presidente do Uruguai.

  Lira aumenta em 137% o valor do complemento do auxílio-moradia às vésperas das eleições na Câmara
    O pacote fiscal do governo Lula e a fome por mais impostos

Prisão preventiva
A Procuradoria Geral da República pediu para aliviar a prisão preventiva dos que estão presos, preventivamente, depois da destruição da sede dos Três Poderes no dia 8 de janeiro. As penas previstas são inferiores a quatro anos, e por isso não caberia prisão preventiva. Já foram denunciados 98 pessoas e, claro, como vocês já sabem, não tem terrorismo nisso. Quem chama de terrorista o que não é terrorista, está sujeito a uma boa indenização por danos morais por calúnia.

Agora mesmo, lá em Monterrey, uma belíssima baia na Califórnia, um chinês entrou armado na festa do ano novo lunar chinês e matou dez pessoas, talvez mais, porque houve feridos gravemente, e está sendo tratado como suspeito. Aqui não, aqui ninguém é suspeito, já é terrorista, uma coisa pesada, negócio meio estranho, não foi esse o jornalismo que me ensinaram na PUC há mais de cinquenta anos.

Os omissos
E os denunciados, entre os quais tem 44 que foram presos em flagrante, principalmente no Congresso Nacional, são acusados de serem autores, financiadores e também gente que está sendo acusada de omissão.        Eu continuo achando que tem mais omissão aí, porque a PM é responsável pela segurança no logradouro público.  
A PM é subordinada ao governador. O governador, o secretário de Segurança e o comandante da PM estão nesse inquérito. 
Mas a segurança interna das sedes do poder são de responsabilidade de cada um dos poderes e não do Distrito Federal. Acho que precisam considerar essa história.

Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Ação de Graças - Rodrigo Constantino

Monstagem sobre a gravura <i>Pelgrims Holding Bibles</i> / Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Montagem sobre a gravura Pelgrims Holding Bibles / Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

O que poucos sabem, porém, é que as primeiras colônias fracassaram. E não foi apenas por fatores relacionados à sorte. Uma das primeiras colônias a instalar-se na América do Norte foi a Plymouth Colony, estabelecida onde hoje é o Estado de Massachussets, nos anos de 1620. Numa experiência inédita até então, um contrato coletivo estabelecia um sistema no qual as propriedades seriam todas comuns. Trocando em miúdos, os Estados Unidos começaram como um experimento socialista.

Toda a produção deveria ser entregue para armazenamento comunitário, do qual cada indivíduo receberia uma fração igual, não importando com quanto contribuísse. Esse coletivismo levou rapidamente a economia da colônia ao caos. Em 1623, apenas dois anos após a chegada dos primeiros pilgrims, a fome já era a regra. William Bradford, que viria a ser governador da província algumas vezes, assim descreveu aquele triste momento da história americana em seu famoso diário: “Aquela experiência durou alguns anos… E bem evidencia a vilania deste conceito de Platão e outros patriarcas antigos, aplaudido por muitos ultimamente, segundo o qual se acabarmos com a propriedade, em prol da riqueza comum, isto fará a comunidade feliz e próspera… Para esta nossa comunidade (até onde aquilo poderia ser chamado de comunidade), o experimento causou muita confusão e descontentamento. Os homens… lamentavam ter de gastar seu tempo e esforços trabalhando para as mulheres e as crianças de outros homens, sem que obtivessem qualquer recompensa…

O liberal João Luiz Mauad assim explica a reviravolta que ocorreu: “Encurralada pelas terríveis circunstâncias, a liderança dos colonos resolveu abolir a estrutura socialista, que engessava qualquer possibilidade de progresso, transferindo para cada família uma parcela das terras, e permitindo o usufruto de tudo quanto seu trabalho produzisse. A eliminação da propriedade comunal em favor da propriedade privada logo mudou o panorama. Os colonos rapidamente começaram a produzir muito mais do que eles mesmos poderiam consumir”.

Não tardou para que o comércio também florescesse e os excedentes da produção fossem trocados com os índios, que lhes entregavam carnes de caça e peles, estas últimas exportadas com largas margens de lucro para a nobreza europeia. “Esta decisão foi um grande sucesso, pois tornou todas as mãos diligentes e industriosas”, escreveria Bradford pouco tempo depois. Mauad apresenta a razão para esse sucesso:  “Uma das virtudes da propriedade privada é justamente estabelecer a conexão entre esforços e ganhos, custos e benefícios, criando incentivos para que as pessoas produzam conforme as suas necessidades e ambições. Porém, o direito de propriedade é também, e acima de tudo, a melhor arma contra a barbárie, a garantia de que o pão obtido com o suor do próprio rosto não será tomado de ninguém arbitrariamente.”

“O capitalismo de livre mercado, baseado na propriedade privada e troca pacífica, é a fonte da civilização e do progresso humano”, sintetiza Thomas DiLorenzo, autor de How Capitalism Saved America, livro em que resgata a transição redentora do socialismo ao capitalismo nas primeiras colônias.

Esse modelo cria um claro incentivo ao ato conhecido como “free ride”, ou seja, pegar carona no esforço alheio

Os primeiros colonos chegaram a Jamestown no ano de 1607 e encontraram um solo incrivelmente fértil, além de muitos frutos do mar e frutas. Entretanto, dentro de seis meses, 66 dos 104 colonos que vieram estavam mortos, a maioria por causa da fome. Dois anos depois, a Virgínia Company mandou mais 500 “recrutas” para se estabelecerem em Virgínia, e, dentro de seis meses, 440 tinham morrido de fome ou doenças.

DiLorenzo argumenta que a ausência de direitos de propriedade destruiu completamente a ética de trabalho desses colonos. Afinal, não existiam incentivos para o trabalho, já que a recompensa pela produtividade não era do próprio trabalhador, mas de “todos”. Esse modelo cria um claro incentivo ao ato conhecido como “free ride”, ou seja, pegar carona no esforço alheio.

Em 1611, o governo britânico enviou Sir Thomas Dale para servir como high marshalna colônia de Virgínia. Dale notou que, apesar de a maioria dos colonos ter morrido de fome, os sobreviventes gastavam boa parte do tempo em jogos. Dale logo identificou o problema: o sistema de propriedade comum. A propriedade privada logo foi adotada, e a colônia imediatamente começou a prosperar, inclusive praticando trocas voluntárias com os índios.

Os investidores no Mayflower chegaram em 1620 a Cape Cod, assumindo um grande risco financeiro, já que os investidores em Jamestown tinham perdido quase todo seu investimento. Ainda assim, eles cometeram o mesmo erro de seus antecessores, estabelecendo propriedade coletiva da terra. Cerca de metade dos 101 aventureiros que chegaram a Cape Cod estava morta em poucos meses. O principal investidor do Mayflower, o londrino Thomas Weston, chegou à colônia disfarçado para examinar a ruína do empreendimento. Mas os problemas logo seriam solucionados da mesma forma que ocorrera em Jamestown. A propriedade coletiva foi abandonada e, em 1650, as fazendas privadas já eram predominantes em New England.

Mas esses colonos, agora prósperos, estavam cada vez mais preocupados com outra ameaça: o governo britânico e sua tentativa de impor o mercantilismo nas colônias. A Declaração de Independência Americana condenava a tirania da Coroa Britânica, assim como sua postura econômica em relação às colônias americanas. A Declaração menciona diretamente o fato de o governo britânico cortar o comércio das colônias com as outras partes do mundo, e o rei foi acusado de criar impostos sem consentimento dos colonos. Nesse sentido, a Revolução Americana foi contra o mercantilismo, e a favor do capitalismo.

Uma das primeiras leis mercantilistas impostas aos colonos foi o Molasses Act, de 1733, que criou uma elevada tarifa para a importação de melaço. Uma série de leis conhecidas como Navigation Acts representou mais um grande passo em direção ao mercantilismo imposto na América. Essas leis foram importantes como causa da Revolução, segundo DiLorenzo.  O grau de imposição mercantilista nas colônias aumentou consideravelmente após o término da Guerra dos Sete Anos, em 1763. Apesar da vitória britânica contra a França, a Inglaterra estava com um enorme déficit e um império gigantesco cada vez mais caro de manter. Uma série de novas medidas para aumentar impostos foi adotada para subsidiar o Império. Em 1764, o governo britânico criou o Sugar Act, que aumentou impostos para a importação de açúcar. Em 1765, o Stamp Act criou a obrigação do uso de selos do governo para todas as transações com papel nas colônias. Em 1767, os Townshend Acts impuseram várias tarifas novas de importação de produtos ingleses.

Em 1773, novas tentativas de aumento de impostos ocorreram. Dessa vez, o Tea Act iria impor tarifas maiores para a importação de chá. Os comerciantes americanos, temendo a ruína econômica com esse ato, se uniram e orquestraram a famosa Boston Tea Party, onde colonos vestidos de índios jogaram toneladas de chá no mar. A Revolução Americana pode ser vista, então, como uma luta contra o mercantilismo, em defesa dos principais pilares do capitalismo de livre mercado, que tinham permitido a prosperidade das colônias.

Nesse feriado de Ação de Graças, muitos vão festejar sem a devida compreensão do que ele representa, especialmente numa época em que a esquerda promove enorme desinformação sobre o passado e o legado da nação. O economista Don Boudreaux resume bem: “Seremos como perus se não conseguirmos compreender a verdadeira fonte de nossa prosperidade. Essa fonte não é a terra em si — não é a sorte —, não é Deus, inexplicavelmente, sorrindo para os europeus que ocuparam o norte do continente americano: é a consistente e generalizada confiança dos mercados na propriedade privada”.

Leia também “A cidadania corre perigo”

Rodrigo Constantino, colunista - Revista Oeste


domingo, 17 de novembro de 2019

Por que tanto atraso? - Nas entrelinhas

“Na República, a constituição de empresas não dependia mais do governo, e sim da vontade dos empreendedores. Era uma revolução e o Brasil integrava-se à economia internacional”


Um comentário no Twitter do ministro da Educação, Abraham Weintraub, nos leva à indagação que intitula a coluna: “Não estou defendendo que voltemos à Monarquia mas… O que diabos estamos comemorando hoje? Há 130 anos foi cometida uma infâmia contra um patriota, honesto, iluminado, considerado um dos melhores gestores e governantes da História (Não estou restringindo a afirmação ao Brasil)”, disse o ministro, na sexta-feira, em meio a comemorações dos 130 anos da proclamação da República. Referia-se, obviamente, a D. Pedro II, que governou o país de 1840 a 1889.

A breve intervenção do ministro, que gerou muita polêmica nas redes sociais, revela muita coisa, a começar por um natural desconhecimento sobre a História do Brasil, sobretudo no Império, que sempre foi muito pouco estudado no ensino médio e nos cursinhos para vestibular. Em segundo lugar, indica uma nostalgia bem característica do pensamento reacionário, como já tivemos oportunidade de tratar por aqui. Em parte, isso acontece porque, para consolidar a República, nossos militares e políticos, impregnados de positivismo, tentaram passar uma borracha na história anterior ao15 de novembro de 1889. Diga-se de passagem, para alegria de uma elite latifundiária, patrimonialista e racista, que nunca admitiu a devida reparação aos ex-escravos e seus descendentes; muito pelo contrário, lutou para manter privilégios e obter indenizações, já que considerava o escravo uma propriedade privada, assegurada pela Constituição liberal de 1824, outorgada por D. Pedro I.

Ao contrário de todos os demais países do Novo Mundo, com exceção do Canadá e das Guianas, em 1922, o Brasil não se tornou uma república ao se tornar independente. Não foi apenas uma esperteza de D. João VI, que recomendou a iniciativa ao filho, se a ruptura com a Corte portuguesa fosse inevitável. Havia ali um projeto de reunificação do império colonial português, pois o príncipe D. Pedro I era herdeiro da casa de Bragança, e a intenção de manter o regime escravocrata (daí a tentativa, frustrada pelos ingleses, de anexar Angola para garantir o tráfico negreiro e dar a ele um caráter doméstico), com a qual conciliou José Bonifácio, patriota verdadeiro, mas monarquista convicto, traumatizado pelas revoluções europeias e a revolta dos escravos no Haiti.

Estagnação
No livro História da Riqueza no Brasil, Cinco Séculos de Pessoas, Costumes e Governos (Estação Brasil), o jornalista e sociólogo Jorge Caldeira, utilizando recursos de pesquisas como a antropologia e a econometria, lança luz sobre a estagnação econômica no período em que D. Pedro II governou o Brasil: “Com a acumulação dos dados, ficou cada vez mais evidente que, no final do século 18, a economia colonial brasileira era pujante, e pujante em decorrência do crescimento do seu mercado interno. Mais ainda, era uma economia bem maior que a da metrópole.”

Ao comparar dados do Brasil e de outros países, como os Estados Unidos, Caldeira mostra que foi exatamente aí que perdemos o bonde da história pela primeira vez (houve outras). Por volta de 1800, a economia brasileira tinha porte equivalente à dos EUA. Ao fim do período imperial, nos últimos anos do século 19, o peso econômico do país representava menos de 10% do ostentado pelos americanos. A economia brasileira era provavelmente maior que a dos Estados Unidos na primeira metade do século 19. As duas economias tinham exportações de valor semelhante (em torno de 4 milhões de libras esterlinas anuais), mas o mercado interno brasileiro ocupava uma área bem mais extensa e com atividades mais variadas que as 13 colônias originais.

A economia brasileira “teve uma expansão notável ao longo do século 18”, nos mostra Caldeira: “O ritmo de crescimento da produção econômica passa de 0,5% para nada menos de 1,5% ao ano, enquanto o crescimento populacional vai de 0,4% para 0,6%. O crescimento da renda per capita” salta de 0,1% para 0,9% anuais. No período que vai de 1820 a 1900, “a renda per capita do Brasil era de 670 dólares em 1820 — de 704 dólares no final do século. O crescimento teria sido de míseros 5% em um gigantesco período de 80 anos”. A economia local regrediu. A chave da estagnação foi a política monetária, focada nas exportações, e manutenção da escravidão, cujas sequelas estão presentes até hoje na sociedade brasileira, entre as quais a discriminação racial, os preconceitos e a profunda desigualdade.

Mas, entre 1906 e 1918, ou seja, após a proclamação da República, o Brasil volta a crescer de maneira vertiginosa. Durante a valorização [do café] a economia brasileira experimentou pela primeira vez uma taxa de crescimento real per capita superior à dos Estados Unidos. A taxa foi provavelmente maior que 2% ao ano. A economia cresceu rapidamente. Na República, a constituição de empresas não dependia mais do governo, e sim da vontade dos empreendedores. Era uma revolução e o Brasil integrava-se à economia internacional. O Estado finalmente liberava o mercado, o que levou ao crescimento econômico. Tratar a República Velha como um período de atraso é um equívoco, não resiste aos dados estatísticos comparativos; o que envelheceu foram certas análises sobre a formação econômica do Brasil. O Império, com suas restrições à iniciativa privada, travou parte da expansão econômica.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense

 

sábado, 26 de maio de 2018

A falta que um governo faz

O Brasil mostrou-se vulnerável. Um plano elementar de defesa garantiria com escolta armada a saída dos caminhões com combustível

A crise que paralisa o país neste ano eleitoral é um estímulo para que as pessoas compreendam a falta que um governo faz num país.  O governo tinha condições de prever a paralisação. Possui recursos para a inteligência e, sobretudo, tinha uma posição privilegiada para entender a evolução da crise: desde julho do ano passado estava negociando com os caminhoneiros.  Portanto, falhou nesse quesito. Sua saída seria ter um plano para permitir que, apesar da greve, o país funcionasse no essencial. Mas nunca se aprovou uma estratégia de defesa nacional, apesar de o projeto ter uma década de existência. [civil na Defesa - só agora decidiram colocar quem entende do assunto, um general - só pode resultar no  que estamos vendo e sentindo.]

O Brasil foi pego de calças na mão. Mostrou-se um país vulnerável. Um plano elementar de defesa garantiria com escolta armada a saída dos caminhões com combustível. Isso aconteceu em Curitiba e, parcialmente, deu certo para manter o transporte urbano em ação, aliviando o peso dos que se deslocam para trabalhar. O Brasil poderia estar menos dependente da gasolina. Mas congelou o projeto que impulsiona os biocombustíveis. Seduzidos pelas descobertas do pré-sal, acorrentamos nosso destino ao combustível fóssil.
 
Da mesma forma, o Brasil poderia ter mantido e desenvolvido suas ferrovias. Mas caiu na ilusão tão comum no Novo Mundo: uma nova opção tecnológica remete as outras para os museus. [biocombustível é apenas uma alternativa, sujeita as mesmas limitações dos combustíveis fósseis,  que também pode falhar; o que tem que ser priorizado é o transporte ferroviário, para cujo desmonte JK deu o pontapé inicial, o Governo Militar adotou algumas medidas que valorizaram mais ainda o transporte rodoviário aumentando nossa dependência e FHC com a privatização fajuta acabou de vez com o que ainda restava.
O transporte  ferroviário reduz custos, é mais seguro e deve ser prioridade tanto para transportar cargas quanto passageiros.
Brasília é um exemplo: grade parte pessoas que moram no entorno do DF e trabalham em Brasília poderiam ser transportadas por trens, só que o governo não se interessa no que é melhor para a população.
Prefere pagar resgate a caminheiros (sem esquecer que vez ou outra é extorquido pelos baderneiros, também chamados  de rodoviários, que paralisam  os ônibus urbanos.]

O preço da gasolina não precisava ser tão alto. Cerca de 45% são impostos. A máquina dos governos em Brasília e nos estados não dispensa esse dinheiro porque jamais soube reduzir seus custos. Os políticos e a elite burocrática ainda não caíram na realidade. A máquina administrativa é de um país ilusório, muito mais rico do que o país de concreto, que todos habitamos de carne e osso.  É esse país da fantasia que precisa desaparecer com a sua máquina do Estado catapultada para o mundo real. Vivemos um momento de avanços tecnológicos que poderia tornar o enxugamento dos gastos mais fácil que no passado. o ceio que gastando mais com o país e menos com o seu governo arriscaríamos a competência ou mesmo a dignidade dos cargos.

No país real, a dignidade de uma elite governante também se mede pelo seu esforço em ser austera, pela decisão de compartilhar nossas limitações cotidianas. E não por construir um oásis particular no deserto de nossa desesperança. A ausência de um governo revela também a nossa fragilidade quando não dispomos desse instrumento. De repente, o Brasil parou, somem os alimentos, em alguns lugares também a água mineral. É como se o país trocasse de mãos. Não só estradas, como refinarias foram bloqueadas. Uma coisa é fazer greve, outra intervir na vida dos outros e do próprio governo. Os lances ilegais não foram punidos, [e com certeza não serão; o que mais acontece é em greves a Justiça fixar multas com valores vultosos a ser aplicada em sindicatos caso os grevistas não voltem ao trabalho ou mantenham percentual mínimo da frota, nada disso é feito, os grevistas voltam quando colocam o governo e a justiça de joelhos e as multas não são cobradas.
Se as multas fossem cobradas o 'sindicato dos rodoviários do DF', epa.... dos baderneiros, já teria vendido até o uniforme dos seus filiados  para pagar multas e não conseguiria.]  nem apurados os indícios da presença das grandes empresas na greve. Paradoxalmente, num momento de fragilidade como esse a sociedade encontra uma possibilidade de mostrar sua força.

Para muitos, o que se passa no universo político não interessa, o melhor é deixar de lado e cuidar da própria vida. Mas eis que uma paralisação como essa revela claramente que não existe vida própria, blindada contra os descaminhos da elite dirigente. Gasolina, alimentos, água de beber tudo isso invade a existência pessoal com seus vínculos familiares.  A greve foi um momento em que nos sentimos muito sós. Mas abre a chance de nos reunirmos em torno da ideia de um país, uma cultura, enfim, de retomar algum nível de sentimento nacional. Isso passa por uma grande sacudida no país da fantasia.


Fernando Gabeira - O Globo