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segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Prêmio Cuscuz Clã de jornalismo - Gazeta do Povo

Vozes - Guilherme Fiuza

Foto: Wikimedia Commons

Com o surgimento da teoria de que o 7 de setembro faz parte de um movimento supremacista branco, foi criado o Prêmio Cuscuz Clã de Jornalismo Investigativo. A seguir, listamos as manchetes das reportagens que concorrem à mais alta láurea do ofício de informar com isenção:

1. A cor branca do cuscuz seria uma referência à superioridade da raça ariana daí o surgimento da seita Cuscuz Clã;

2. Mussolini teria tido a ideia do fascismo na orla de Copacabana;

3. Hitler teria planejado os campos de concentração depois de ver a concentração na Avenida Paulista;

4. O líder máximo do nazismo teria comemorado a invasão da Polônia com uma motociata em Varsóvia;

5. O comportamento pacífico da multidão no 7 de setembro seria um disfarce para que os democratas não desconfiem do golpe;

6. Dois carrinhos de bebê empurrados por duas vovós de verde e amarelo deverão configurar formação de quadrilha, determina projeto de lei do Randolfe;

7. O lema “Independência ou Progresso”, inscrito na bandeira nacional, seria um truque positivista para disfarçar os negacionistas;

8. Getúlio Vargas teria sido ameaçado pelo gabinete do ódio momentos antes do suicídio;

9. Gengis Khan iniciou sua série de atrocidades após o trauma de assistir à onda de ódio na Avenida Atlântica;

10. De acordo com a CIA, o assassino do presidente Kennedy seria eleitor de Bolsonaro;

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    Doce paredão

 
11. O homem que matou John Lennon teria gritado “mito” antes de atirar;

12. A garrafa de água mineral que chegou ao comprador depois de sua nota de cinco reais passar por diversas mãos na multidão em Copacabana não seria água mineral, e sim um coquetel molotov;

13. O maníaco do parque obrigaria suas vítimas a gritar “Brasil acima de tudo”;

14. A ordem para o extermínio de girafas na Amazônia teria partido de dentro do Palácio do Planalto;

15. O governo brasileiro tem 48 horas para explicar o derretimento das calotas do Ártico;

16. A multidão na Esplanada dos Ministérios seria um truque de Photoshop, diz leitor;

17. A multidão na Esplanada dos Ministérios seria real e provaria a ascensão do fascismo no Brasil, diz outro leitor;

18. O despeito, a falta do que fazer e o espírito de porco estariam por trás da atual Era de Ouro do jornalismo, dizem especialistas;

19. Mentir e inventar é só começar, já dizia Gutenberg;

20. Hitler e Mussolini teriam sido vistos completamente bêbados no Baixo Leblon comemorando o sucesso do 7 de setembro.

Guilherme Fiuza, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

sábado, 18 de maio de 2019

Perseguição orquestrada?

Tendo como principal algoz o antigo funcionário Rogério Raucci, apanhado em desvios e fraudes, Laerte Codonho, criador dos refrigerantes Dolly, enfrenta uma cruzada judicial que, segundo ele, visa a inviabilizá-lo pessoal e empresarialmente

 No último dia 25 de abril, movido – conscientemente ou não pelos célebres ensinamentos de Sócrates, para quem os magistrados devem ouvir cortesmente, responder sabiamente, considerar sobriamente e decidir imparcialmente, o juiz Luiz Gustavo de Oliveira Martins Pereira revestiu-se de cautela para impedir que a Justiça se envolvesse ainda mais numa contenda no mínimo muito controversa. Contrariando pedido do Ministério Público de São Paulo, ele negou a prisão do empresário Laerte Codonho, suspeito de desmatar uma área de preservação permanente na cidade de São Lourenço da Serra, interior de São Paulo. Para o Ministério Público de São Paulo, o criador dos refrigerantes Dolly e mais 11 pessoas teriam supostamente destruído mais de cinco hectares de Mata Atlântica para construir uma distribuidora de água mineral paga com dinheiro de propina num terreno às margens da rodovia Regis Bitencourt, que liga São Paulo à região sul do País. Codonho nega enfaticamente. 

Garante ter reunido todas as autorizações para retirar parte da mata e erguer a distribuidora. “É um imóvel que eu comprei com uma lavra de água mineral, com autorização para montar o envasamento de água mineral e eu só pedi para uma pessoa que tinha que fazer uma obra maior para implantar uma fábrica de água mineral na qual eu vou gerar emprego na região”, afirma ele. O juiz, além de estranhar o fato de que apenas Codonho num grupo de 12 suspeitos tenha sido alvo de pedido de prisão preventiva, argumentou não ser possível afirmar que o empresário tivesse conhecimento ou concordava com os atos praticados.

 

Seria esse apenas mais um caso que se somaria a tantos outros no País de entrevero jurídico em torno de uma área ambiental não fossem por dois personagens comuns dos enredos envolvendo o nome de Laerte Codonho há pelo menos três anos. O primeiro é Rogério Raucci, sócio da RD Assessoria Contábil. Raucci atuou por 16 anos como representante jurídico da empresa de Codonho, mas está em litígio com ele desde 2016 sob a acusação de fraude. Raucci, no episódio do terreno em São Lourenço da Serra, atuou como uma espécie de agente duplo: é ele quem assina pela Dolly como testemunha da compra da área, segundo documento obtido por ISTOÉ, e ao mesmo tempo é o principal denunciante do MP no alegado crime ambiental. Ou seja, quem acusa seria partícipe direto do suposto crime praticado. “Cheguei a entregar um estudo sobre o custo dos serviços (para desmatamento do local) realizado por uma empresa do ramo, salvo engano Terran, mas tal custo ultrapassava R$ 2 milhões”, confessou Raucci em depoimento. O outro personagem é o próprio Ministério Público, mais precisamente a Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo – o que torna a prudência do magistrado em evitar a segunda prisão de Codonho em menos de um ano ao menos compreensível. 

Explica-se: no dia 21 de dezembro do ano passado, o empresário e seus advogados ingressaram com duas ações de indenização contra quatro procuradores federais e oito do Estado de São Paulo. Eles foram os responsáveis por decretar a prisão e o sequestro de bens do dono dos refrigerantes Dolly num processo assentado num erro já admitido pela Justiça. Codonho passou oito dias detido, acusado de fraude fiscal e lavagem de dinheiro, e mesmo depois de libertado foi impedido de entrar nas próprias empresas. Transcorridos doze meses, no entanto, não há sequer denúncia formal contra o empresário.

Para sustentar a prisão, os procuradores se fundamentaram aparentemente num equívoco. Segundo o MP, Codonho comprava imóveis no Brasil por meio de uma offshore com sede em Nevada (EUA): a Lumia Capital Industries LLC. O empresário não refuta ter criado empresas no exterior, mas a de sua propriedade é outra, a Lumia Industries. “A ideia era me quebrar, mesmo não achando nada contra mim”, alega Codonho. A detenção do criador da Dolly embute outra história nebulosa. Um dos relatórios da investigação foi elaborado pela empresa Neoway Tecnologia Integrada, contratada pela Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo numa licitação para fornecimento de análise de dados. A logomarca da empresa aparece na primeira página do PIC (Procedimento de Investigação Criminal) contra a Dolly e seu controlador. Haveria, porém, conflito de interesses, uma vez que a empresa, segundo Codonho, seria ligada à Coca-Cola, sua principal concorrente, por meio de investidores e parcerias. “Vivo esse tormento até hoje por causa da Coca-Cola. Desde 2003, eles usam práticas desleais para me prejudicar”, acusou o empresário. Quando foi detido, ele chegou a exibir um cartaz com os dizeres: “preso pela Coca-Cola”.

Se a disputa contra o MP é mais recente, o mesmo não se pode dizer do embate de Laerte Codonho com Raucci: remonta a junho de 2016. Foi nesta época que o empresário descobriu que Raucci falsificava chancelas de autenticação bancária em guias de recolhimento de impostos e se apropriava de cheques destinados a encerrar dívidas fiscais e acordos trabalhistas. Em depoimento à Polícia Federal, ao qual ISTOÉ teve acesso, o sócio minoritário da RD Assessoria Contábil, Esaú Vespúcio Domingues, confirma que as fraudes eram realizadas e arquitetadas por Rogério Raucci, mentor de tudo o que acontecia na firma. Um dos esquemas, segundo o depoente, consistia em falsificar sentenças trabalhistas já arquivadas e o objetivo era “arrecadar desvio de dinheiro e quebrar a empresa Dolly”. Recursos das empresas prejudicadas, acrescentou, eram sacados em espécie e na boca do caixa de bancos com Bradesco e Itaú. A própria esposa de Raucci, de acordo com Esaú Vespúcio, recebia na conta pessoal cheques provenientes da fraude. 

Uma perícia realizada pela empresa Dynamics constatou que as operações fraudulentas somaram R$ 5,7 milhões. “Foram elaborados documentos com informações falsas destinadas a obter cheques de valores expressivos (mais de R$ 163 mil) sob justificativa de pagamento de multa imposta pela Receita. Tais cheques nunca foram depositados em favor da Receita”, atestam os peritos segundo os quais os atos foram praticados entre março de 2013 e junho de 2016. A Dynamics ainda reiterou que, descoberta a trama, o advogado Luis Alberto Travassos da Rosa, contratado da RD de Raucci, acompanhado de uma “outra pessoa”, subtraiu documentos da empresa e abandonaram o local de trabalho. Procurado por ISTOÉ, Raucci preferiu não se manifestar. A PGE disse que agiu de acordo com a lei, “em virtude de fraudes fiscais estruturadas, origem de vultosa dívida tributária”.

 
Em litígio com Laerte Codonho, Rogério Raucci, com quem o controlador da Dolly cultivava uma relação de confiança de quase duas décadas, acabou se tornando o seu principal algoz e fonte do Ministério Público. Foi por ter descoberto a traição do então funcionário que o empresário se dirigiu ao MP, por iniciativa própria, em março de 2017. Na reunião, ele se propôs a celebrar um acordo para pagamento de débitos com a Secretaria de Fazenda do Estado de R$ 8 milhões. Mesmo com as tratativas avançadas, acabou surpreendido pela Operação Clone, por suspeita de fraude no recolhimento do ICMS, quando suas inscrições estaduais foram cassadas. Em maio, segundo o empresário, ele teve de efetuar o pagamento de R$ 33 milhões – quatro vezes o montante do valor inicial. Para Laerte Codonho, iniciava-se ali uma escalada de “erros” – para não dizer “perseguições” – que culminaram com sua detenção, sequestro de bens, quebra de sigilos bancário e fiscal e busca e apreensão.

MATÉRIA COMPLETA, em IstoÉ


sábado, 26 de maio de 2018

A falta que um governo faz

O Brasil mostrou-se vulnerável. Um plano elementar de defesa garantiria com escolta armada a saída dos caminhões com combustível

A crise que paralisa o país neste ano eleitoral é um estímulo para que as pessoas compreendam a falta que um governo faz num país.  O governo tinha condições de prever a paralisação. Possui recursos para a inteligência e, sobretudo, tinha uma posição privilegiada para entender a evolução da crise: desde julho do ano passado estava negociando com os caminhoneiros.  Portanto, falhou nesse quesito. Sua saída seria ter um plano para permitir que, apesar da greve, o país funcionasse no essencial. Mas nunca se aprovou uma estratégia de defesa nacional, apesar de o projeto ter uma década de existência. [civil na Defesa - só agora decidiram colocar quem entende do assunto, um general - só pode resultar no  que estamos vendo e sentindo.]

O Brasil foi pego de calças na mão. Mostrou-se um país vulnerável. Um plano elementar de defesa garantiria com escolta armada a saída dos caminhões com combustível. Isso aconteceu em Curitiba e, parcialmente, deu certo para manter o transporte urbano em ação, aliviando o peso dos que se deslocam para trabalhar. O Brasil poderia estar menos dependente da gasolina. Mas congelou o projeto que impulsiona os biocombustíveis. Seduzidos pelas descobertas do pré-sal, acorrentamos nosso destino ao combustível fóssil.
 
Da mesma forma, o Brasil poderia ter mantido e desenvolvido suas ferrovias. Mas caiu na ilusão tão comum no Novo Mundo: uma nova opção tecnológica remete as outras para os museus. [biocombustível é apenas uma alternativa, sujeita as mesmas limitações dos combustíveis fósseis,  que também pode falhar; o que tem que ser priorizado é o transporte ferroviário, para cujo desmonte JK deu o pontapé inicial, o Governo Militar adotou algumas medidas que valorizaram mais ainda o transporte rodoviário aumentando nossa dependência e FHC com a privatização fajuta acabou de vez com o que ainda restava.
O transporte  ferroviário reduz custos, é mais seguro e deve ser prioridade tanto para transportar cargas quanto passageiros.
Brasília é um exemplo: grade parte pessoas que moram no entorno do DF e trabalham em Brasília poderiam ser transportadas por trens, só que o governo não se interessa no que é melhor para a população.
Prefere pagar resgate a caminheiros (sem esquecer que vez ou outra é extorquido pelos baderneiros, também chamados  de rodoviários, que paralisam  os ônibus urbanos.]

O preço da gasolina não precisava ser tão alto. Cerca de 45% são impostos. A máquina dos governos em Brasília e nos estados não dispensa esse dinheiro porque jamais soube reduzir seus custos. Os políticos e a elite burocrática ainda não caíram na realidade. A máquina administrativa é de um país ilusório, muito mais rico do que o país de concreto, que todos habitamos de carne e osso.  É esse país da fantasia que precisa desaparecer com a sua máquina do Estado catapultada para o mundo real. Vivemos um momento de avanços tecnológicos que poderia tornar o enxugamento dos gastos mais fácil que no passado. o ceio que gastando mais com o país e menos com o seu governo arriscaríamos a competência ou mesmo a dignidade dos cargos.

No país real, a dignidade de uma elite governante também se mede pelo seu esforço em ser austera, pela decisão de compartilhar nossas limitações cotidianas. E não por construir um oásis particular no deserto de nossa desesperança. A ausência de um governo revela também a nossa fragilidade quando não dispomos desse instrumento. De repente, o Brasil parou, somem os alimentos, em alguns lugares também a água mineral. É como se o país trocasse de mãos. Não só estradas, como refinarias foram bloqueadas. Uma coisa é fazer greve, outra intervir na vida dos outros e do próprio governo. Os lances ilegais não foram punidos, [e com certeza não serão; o que mais acontece é em greves a Justiça fixar multas com valores vultosos a ser aplicada em sindicatos caso os grevistas não voltem ao trabalho ou mantenham percentual mínimo da frota, nada disso é feito, os grevistas voltam quando colocam o governo e a justiça de joelhos e as multas não são cobradas.
Se as multas fossem cobradas o 'sindicato dos rodoviários do DF', epa.... dos baderneiros, já teria vendido até o uniforme dos seus filiados  para pagar multas e não conseguiria.]  nem apurados os indícios da presença das grandes empresas na greve. Paradoxalmente, num momento de fragilidade como esse a sociedade encontra uma possibilidade de mostrar sua força.

Para muitos, o que se passa no universo político não interessa, o melhor é deixar de lado e cuidar da própria vida. Mas eis que uma paralisação como essa revela claramente que não existe vida própria, blindada contra os descaminhos da elite dirigente. Gasolina, alimentos, água de beber tudo isso invade a existência pessoal com seus vínculos familiares.  A greve foi um momento em que nos sentimos muito sós. Mas abre a chance de nos reunirmos em torno da ideia de um país, uma cultura, enfim, de retomar algum nível de sentimento nacional. Isso passa por uma grande sacudida no país da fantasia.


Fernando Gabeira - O Globo