Vinte anos após ataque em Columbine, país teve maior registro anual de casos e vê crescimento da indústria voltada para proteção em câmpus
Vinte anos após o massacre de Columbine, no Colorado, o debate sobre
como evitar os tiroteios em escolas continua presente nos Estados Unidos
– e deve crescer no Brasil, após dois jovens deixarem 7 mortos em uma
escola em Suzano
(SP), antes de se matarem. Desde 1999, ao menos 221 mil jovens foram
expostos a situações de violência armada dentro de colégios americanos,
segundo levantamento feito pelo jornal Washington Post. De 2013
a este ano, pelo menos 61 pessoas foram mortas e 98 ficaram feridas em
tiroteios dentro de estabelecimentos de ensino. E as escolas tiveram de
repensar a segurança.
A cada tragédia perto de uma sala de aula, se reacende nos Estados Unidos
o debate sobre o maior rigor para compra de armas, mas o tema ainda
divide a sociedade e a classe política americana. O partido republicano,
do presidente Donald Trump e da maioria do Senado, é tradicionalmente contra um maior controle no acesso. A discussão está longe de ficar desatualizada nos Estados
Unidos – e 2018 foi o ano mais letal nesse aspecto em 13 anos, quando se
observam os dados da escola de pós-graduação da Marinha Americana. O
NPS Center for Homeland Defense and Security relatou 94 incidentes de
tiroteio em escolas no ano passado. É um aumento de quase 60% em relação
aos 60 registros de 2006 (maior número anterior, com o adendo de que a
estatística vem dos anos 1970). Entre os episódios, destacam-se os
ocorridos em Parkland, Flórida e Santa Fé. Enquanto isso, há Estados que passaram a adotar outras medidas de segurança. Menos acessos de entrada à escola – comparando com eventos esportivos ou com locais como a Disney –, câmeras de segurança em 3D, sistemas inteligentes e detectores de metal portáteis passaram a fazer parte da realidade de americanos. O distrito escolar na Flórida onde fica a escola que foi alvo do tiroteio em Parkland, em 2018, anunciou que vai adotar um novo sistema inteligente de vigilância e monitoramento. No caso, um ex-aluno da Stoneman Douglas High School, Nikolas Cruz, de 19 anos, chegou ao local com um rifle AR-15 e atirou contra estudantes e professores, deixando 17 mortos.
Entre outras coisas, esse novo sistema informa automaticamente autoridades quando identifica uma movimentação suspeita. O anúncio até causou controvérsia, uma vez que o software conta com algoritmos para rastrear o comportamento das crianças que supostamente representam ameaças. Ken Trump, da Associação Serviços de Segurança Nacional em Escolas, aponta que a indústria de tecnologias de segurança “dominou” os colégios. “As empresas se tornaram cada vez mais organizadas em seu lobby junto ao Congresso e aos governos estaduais para financiamento focado em produtos de proteção física, sob argumento de tirar as escolas do alvo”, avalia. Em 2018, o Congresso aprovou lei contra a violência escolar, destinando um fundo anual milionário para segurança nos estabelecimentos americanos pela próxima década.
E não faltam aparatos para isso. Após um caso em Oklahoma, em 2014, uma empresa chamada ProTecht passou a oferecer “escudos” dobráveis para proteger alunos em caso de tiroteio. O bodyguard blanket utiliza o mesmo material de armaduras militares. Depois do caso de Parkland, foram distribuídas milhares de mochilas transparentes – de forma a ser possível “controlar” a entrada de armas.
O conselho estudantil ainda prometeu para o futuro outras medidas, como identidades eletrônicas e detectores de metal nos principais ambientes.
Contrafluxo. Em contrapartida, a bandeira do maior controle de armas passou a ser defendida pelos próprios alunos sobreviventes. Os que escaparam do massacre em Parkland fundaram o movimento mais organizado, o March For Our Lives – em tradução livre, Marche Pelas Nossas Vidas. Eles visitaram escolas, foram a parlamentos, publicaram um livro e até inspiraram um documentário da HBO. Entre as conquistas do grupo está a mudança na legislação da Flórida, republicana e aberta ao lobby das armas. Ali, conseguiram que os juízes admitissem a possibilidade de confiscar armas de pessoas consideradas instáveis, aumentar para 21 anos a idade mínima para compra e vedar qualquer possibilidade de se adquirir armamento mais letal – que permite rajadas de tiros. A próxima meta é conseguir assinaturas suficientes para barrar de vez o comércio de fuzis de assalto – como o do massacre – no Estado.
Outro grupo muito atuante é o Sandy Hook Promise, que diz ter treinado mais de 5,5 milhões de pessoas de mais de 10 mil escolas em todos os 50 Estados para esse tipo de caso. O massacre de Sandy Hook aconteceu em 30 de novembro de 2012, no mesmo horário em que se registrou o massacre de Suzano, por volta das 9h40. Antes de se suicidar, Adam Lanza matou 20 crianças e 7 adultos, incluindo sua mãe.
Esse episódio teve um desdobramento nesta semana. Por 4 votos a 3, a Corte Suprema do Estado americano de Connecticut decidiu ontem que a fabricante de armas Remington pode ser processada pelo tiroteio. Lei federal de 2005 protegia a indústria de armas desse tipo de questionamento na Justiça. Segundo a ação contra a Remington, a publicidade da companhia glorificava a violência e associava virilidade às armas.
Ao menos 8 Estados liberam arma a funcionário de colégio
Após
o tiroteio de Parkland em 2018, o presidente Donald Trump chegou a
sugerir que se os professores da escola estivessem armados a tragédia
seria menor. A medida é defendida também pela Associação Nacional do
Rifle, que promove os interesses das empresas de armas nos Estados
Unidos. No Brasil, a mesma ideia foi cogitada pelo senador Major Olímpio (PSL-SP) no dia do massacre no colégio de Suzano, na Grande SP. Nos Estados americanos, as leis fixam diferentes restrições a armas dentro de colégios. Em ao menos oito Estados, funcionários – como professores ou inspetores – têm o direito de carregar armas. Isso é o que diz o relatório da Comissão Educacional dos Estados (Education Commission of States), entidade não governamental que monitora normas do setor. Se considerar os profissionais de segurança, mais de 30 Estados permitem o uso da arma, segundo o mesmo levantamento.
“Em vez de usar armas para criar a ilusão de escolas seguras, precisamos tornar as escolas de fato lugares seguros para as crianças, com aumento do investimento em apoio à saúde mental”, escreveu Michael Hansen, pesquisador do think tank Brookings, em Washington.
A legislação estadual do Texas, por exemplo, já permite que os distritos escolares indiquem uma ou mais pessoas para portar armas nas escolas locais. A norma, porém, estabelece requisitos, como um treinamento de 80 horas e a manutenção da arma em local fechado. Há também um limite para quantidade de funcionários que podem portar a arma com base no número de alunos. Mas um tiroteio recente fez acender a possibilidade de flexibilizar os requisitos. Em maio de 2018, um jovem de 17 anos protagonizou um ataque em uma escola de Santa Fé, no Texas, deixando dez mortos. O governador do Estado se reuniu com lideranças locais para aprovar um plano de sugestões ao Legislativo com medidas para ampliar a segurança dos estudantes.
O governador republicano Greg Abbot considera que parte desses requisitos é muito onerosa e torna a legislação ineficaz, sugerindo a flexibilização da medida. Ele também quer ampliar programas de saúde mental nas escolas, para que alunos identificados com comportamento agressivo sejam encaminhados para tratamento psicológico e monitorados.
Treinamento
No Brasil, projetos no Congresso não foram adiante
No
Brasil, com menor número de casos de ataques em escolas, o debate sobre
mudanças, sobretudo legislativas, avança pouco. Após o massacre de
Realengo, com 12 mortos, vários projetos foram apresentados no Congresso, mas não progrediram. Houve quem propusesse tornar obrigatória a presença da Polícia Militar 24 horas nas escolas das redes pública e privada. Outra sugestão era colocar chips nas armas, para facilitar rastreio. Os projetos foram arquivados. Ali, e em Câmaras e Assembleias, também não se deixou de sugerir os detectores de metais – sem aval final. E o caso de Suzano fez a discussão ser revista. Na Assembleia do Rio e na Câmara de Campo Grande já surgiram projetos na semana passada solicitando esse aparelhamento.