Nova lei brasileira obriga o uso do farol
baixo de dia, mas ignora uma opção mais moderna, segura e econômica
No último
dia 23, o presidente interino Michel Temer sancionou a Lei
13.290, que
alterou o Código de Trânsito Brasileiro, passando
a exigir a utilização do farol baixo nas rodovias mesmo durante o dia. A
lei entra em vigor no começo de julho e quem a descumprir cometerá infração média, com multa de R$ 85,13 e
quatro pontos na CNH. O objetivo é aumentar a segurança no trânsito, claro.
Mas há controvérsias.
O
principal problema da lei é que ela diz que “o condutor manterá acesos os faróis do veículo, utilizando luz baixa” e
ignora uma solução mais moderna e eficaz, chamada DRL (Daytime
Running Lamp/Light – farol/luz de circulação diurna).
O
que é DRL?
Farol de rodagem diurna, luzes de
condução diurna ou, simplesmente, luz diurna.
São lâmpadas que se acendem sempre que o carro
está ligado, mesmo que de dia e de farol apagado. Podem ser lâmpadas halógenas
fracas (intensidade entre a da luz de
posição e a do farol baixo) ou conjuntos de LEDs (na maioria dos casos). Têm
função primordialmente de segurança, mas em muitos casos acabam dando
oportunidade para interessantes criações dos designers. Hoje as DRLs estão
disponíveis em praticamente todos os modelos acima de R$ 100.000, mas também em
carros mais acessíveis, como Peugeot 208, Citroën C3 e Hyundai HB20.
A idéia nasceu em 1972 na
Finlândia. A DRL era obrigatória no inverno, quando o país sofria com o
tempo nublado e uma baixíssima incidência de luz solar mesmo de dia. Para
aumentar a visibilidade dos carros, tanto para os demais veículos quanto para
ciclistas e pedestres, o país passou a exigir que se usasse um conjunto de
luzes auxiliar.
A experiência deu tão certo que
dez anos depois o país decidiu adotar a DRL também no verão – e, em 1997, em todas as vias e durante todo o ano. Em 1977, a Suécia criou a
mesma lei, depois copiada pela Noruega, (1986). Finalmente em 2011 a Comunidade
Europeia fez um acordo para adoção da luz diurna em todos seus países-membros. Os Estados Unidos, por outro lado, não adotaram a
obrigatoriedade da DRL. Por quê?
A
DRL é mesmo eficaz?
Embora os
principais estudos europeus tenha apontado uma redução
no total de acidentes de trânsito de algo entre 10 e 20% com o uso da luz
diurna, o principal órgão de segurança no trânsito dos Estados Unidos, o
NHTSA (National Highway Traffic Safety Administration) não encontrou
resultados tão significativos, e por isso deixou a critério dos fabricantes
adotá-la ou não.
Em
2004 o NHTSA fez um estudo que mostrou vantagens da DRL. Mas o próprio órgão voltou ao
assunto em 2008, atendendo a um pedido da General Motors para torná-la
obrigatória.
Após novo estudo, o NHTSA concluiu que “não há evidência dos benefícios associados
à DRL; embora seja benéficas em certas situações [grifo meu],
a agência não encontrou benefícios de
maneira geral que justifiquem sua obrigatoriedade. Quando todos os acidentes
são considerados, uma insignificante redução de 0,1% é observada, demonstrando
que os benefícios da DRL nesse estudo são inconclusivos”.
Vale observar aqui que esse era o resultado para os acidentes entre dois carros. Na hora em que eram analisados comerciais leves, se chegava a uma redução de 4,7% nos acidentes – e uma diminuição ainda maior (“um significativo impacto”) no caso de acidentes com motos, pedestres e bicicletas (e o estudo de 2004 já havia mostrado reduções de 23% nos acidentes com motocicletas e 12% com ciclistas e bicicletas). Mesmo assim, talvez influenciado por lobistas, o órgão manteve sua recomendação.
Vale observar aqui que esse era o resultado para os acidentes entre dois carros. Na hora em que eram analisados comerciais leves, se chegava a uma redução de 4,7% nos acidentes – e uma diminuição ainda maior (“um significativo impacto”) no caso de acidentes com motos, pedestres e bicicletas (e o estudo de 2004 já havia mostrado reduções de 23% nos acidentes com motocicletas e 12% com ciclistas e bicicletas). Mesmo assim, talvez influenciado por lobistas, o órgão manteve sua recomendação.
Não
satisfeito com a decisão, o Estado do Minnesota decidiu
fazer seu estudo próprio. Melhor, fez uma análise profunda de 41 estudos
diferentes. As conclusões foram positivas:
- “O uso da DRL reduz o número de acidentes diurnos em 5 a 15%. Todos os estudos apostaram redução nos acidentes, mas ela variava conforme o estudo”.
- “Os efeitos positivos do uso da DRL são maiores nos casos de acidentes fatais que nos com apenas feridos, e maiores nos acidentes com feridos do que nos com danos apenas materiais”.
- “O uso da DRL reduz consideravelmente o número de acidentes envolvendo pedestres, ciclistas e motociclistas”.
A
conclusão é que, a despeito da “inconclusividade”
do estudo norte-americano, podemos sim
afirmar que a DRL reduz o número de acidentes. Se essa redução é de 5 ou
20%, não importa. Afinal, cada vida salva é uma grande vitória, não?
Mas
a lei fala em DRL ou farol baixo?
Então, esse é o problema. Ignorando a “nova” tecnologia, a lei brasileira fala só
no uso de luz baixa (farol baixo). Isso
significa que mesmo que você tenha um carro com DRL, terá que acender a luz
baixa na estrada. E isso torna a lei especialmente irritante se você tem um
carro com acendimento automático dos faróis e se habitou a nem pensar no
assunto – de dia a DRL atua automaticamente, de noite
ou no túnel os faróis se acendem sozinhos.
A lei deveria obrigar a adoção da
DRL por todos os veículos fabricados a partir de 2017. E tornar compulsório o uso do
farol baixo apenas por modelos atuais e antigos sem DRL. E isso não apenas para
valorizar a DRL já adotadas por muitos carros, mas porque ela é melhor que o
farol – por vários motivos.
As
vantagens da DRL
1-DRL
é mais visível que farol
É uma questão
de função. Como é feita exatamente para melhorar a visibilidade durante o dia,
obviamente a DRL é mais visível pelos outros motoristas, pedestres,
motociclistas e ciclistas que os faróis convencionais, feitos para serem usados
de noite. Enquanto a DRL fica apontada para o alto, justamente para ser vista
de dia pelos outros, o farol ficas mais para baixo, para não ofuscar os demais
à noite (e o farol alto ofusca mesmo de
dia).
2-A
luz de freio também fica mais visível
Quando se acende o farol baixo, a lanterna traseira
também se acende. Para os
demais motoristas, aquela luz vermelha acesa de dia causa estranhamento. Mas o verdadeiro problema é que a diferenciação entre ela e a
luz de freio – a mesma luz, só que
mais forte – não fica tão clara e imediata quanto
de noite. Um estudo europeu já comprovou isso (Elvik, Rune; Peter Christensen; and Svenn Fjeld Olsen. Daytime Running
Lights – A Sistematicidade Review of Effects on Road Safety, 2003). A terceira luz de freio (brake-light) atenua o efeito, mas nem sempre
o motorista a vê (muitas vezes,
como quando há um caminhão no caminho, vemos apenas uma das luzes de freio do
carro adiante). Esse problema não acontece nos
carros com DRL, pois apenas os LEDs dianteiros (lâmpadas convencionais, em alguns casos) ficam
acesos. E não é só isso…
3-Visibilidade
da seta é melhor com DRL do que com farol
Outro
motivo que torna a DRL mais segura que os faróis de dia é que a visibilidade da
seta dianteira nos carros com essas luzes diurnas é bem melhor. Também seguindo
orientação de estudos, a DRL se apaga quando a luz de seta se acende (somente a de seu lado). Se isso não
acontecesse, a seta ficaria bem menos visível de dia para o motorista à frente (ou um pedestre). É exatamente essa uma das contraindicações do uso da luz baixa
durante o dia.
4-Consumo
energético menor/durabilidade maior
Andar com os faróis normais também durante o dia
reduz a durabilidade das lâmpadas e aumenta o consumo de combustível dos carros (e consequentemente a poluição). A DRL gasta bem menos e dura mais.
Um estudo canadense citado pelo IIHS aponta que seu custo anual – somados gastos extras de combustível e de troca das lâmpadas
é quase desprezível: apenas US$ 3
nos carros com luzes diurnas das mais modernas. A CEC (Comissão de energia da Califórnia) concluiu que o aumento na
poluição com seu uso não chega a 1% e, considerando a redução de acidentes, não
recomenda sua proibição por razões ambientais.
Já
um farol convencional tem consumo até 10 vezes superior, chegando a um custo anual de US$ 40 por carro, considerando o custo do
combustível naquele país. Não se trata de um valor desprezível – e o impacto ambiental também
deve ser levado e conta. Mais um ponto a favor da DRL. A
OSRAM diz que o uso do farol de dia, justamente por ser mais constante, acaba
reduzindo sua vida útil. A marca indica, para esse tipo de uso, suas
lâmpadas Ultra Life – que diz durar três vezes mais (garantia de três anos).
5-Quando
mais carros com DRL, menos acidentes
Os
estudos citados também apontaram que quanto mais carros com DRL na frota de um
país, maior a redução total no número de acidentes.
CONCLUSÕES
- o uso do farol baixo de dia aumenta a visibilidade dos demais veículos e a segurança de modo geral;
- por outro lado, prejudica a visibilidade de outras importantes luzes do carro – setas e luzes de freio e aumenta o consumo;
- as luzes de circulação diurna reforçam as características positivas do uso do farol de dia e ainda eliminam as negativas;
- o benefício do uso de farol baixo de dia ou da luz de circulação diurna acontece tanto nas estradas quanto na cidade – onde a redução de acidentes envolvendo bicicletas e pedestres é até maior;
Assim sendo, a lei é
até positiva, mas deveria ser modificada para:
- aceitar o uso das luzes de circulação diurna (DRL) pelos carros que já a possuem;
- tornar obrigatória sua adoção por todos os carros novos;
- tornar obrigatório o uso do farol baixo de dia (no caso dos carros sem DRL) não só nas estradas, mas também na cidade.
Um
projeto de lei de 2012, de Jilmar Tatto, deputado federal do PT na época e
atual Secretário de Transportes da cidade de São Paulo, já solicitava a
adoção da obrigatoriedade para a DRL. Mas
acabaram aprovando uma opção pior.
ATUALIZAÇÃO (2/6/2016, 13h24): Consultado, o Ministério das Cidades diz que a DRL
cumprirá a função. Mas não é
o que está descrito na lei sancionada pelo presidente interino, o que pode
gerar confusão. Se a lei não for modificada antes de entrar em vigor para
deixar claro que a luz de posição diurna (ou
farol diurno) pode ser usada em vez do farol baixo, dependerá da
autoridade de trânsito multar ou não. E
aí recomendo usar o farol.
ATUALIZAÇÃO (30/6/2016): Fontes junto ao Denatran dizem que a DRL será aceita, mas os
guardas rodoviários com quem tenho conversado em SP dizem que a lei é clara em
exigir faróis e multarão quem usar “farolete”
(foi como chamaram a DRL do Porsche 911) ou luz
de posição+faróis de neblina/”milha”. Ou seja, como eu já havia dito, ou você usa o farol ou arrisca a multa pela
interpretação do guarda.
Fonte: Motor Show