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segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

A casa cai - O Estado de S. Paulo

J. R. Guzzo

Se alguém está precisando responder rápido qual é a safadeza número um do Brasil, dificilmente vai errar se disser: ‘É a hipocrisia’

Se alguém está precisando responder rápido qual é a safadeza número um do Brasil dos dias de hoje, dentro da calamidade permanente que marca o dia a dia da nossa vida pública, dificilmente vai errar se disser: “É a hipocrisia”. Sempre foi, é claro, mas em certas horas fica pior; acaba de ficar pior, mais uma vez. Dias atrás, num espetáculo que há 50 anos, ou mais, se repete com a regularidade da troca do dia pela noite, desabaram dezenas de casas num dos muitos purgatórios sem esperança que compõem a periferia de São Paulo. Muita gente perdeu o pouquíssimo que tinha. Podem ter morrido mais de trinta pessoas. Foi uma tragédia. 

Nessas horas sempre querem dizer ao público, em cinco segundos, o que aconteceu – e, principalmente, quem é o culpado.  
Já disseram, é claro. O culpado, segundo a sabedoria em vigor na praça, foi o presidente da República. Ele não tem “políticas sociais” corretas, dizem – e sem isso as pessoas morrem quando o tempo fica ruim. Outros, mais agitados, jogaram a culpa também no governador do Estado. Pois então: eis aí, com todos os seus holofotes, a hipocrisia fundamental, automática e histérica da elitezinha que quer pensar por todos neste país, o tempo todo e em todos os assuntos. 
As casas do fim de mundo paulistano não caíram por falta de uma política social. 
Caíram porque foram construídas em terrenos de morro onde não se pode construir uma casa. 
Estão dentro de ângulos em que nenhuma construção fica de pé. Carregam um peso que o solo não aguenta. Seus materiais são de quinta categoria. É impossível que não venham abaixo.

A Grande São Paulo, pelo que se informou, tem no momento 750.000 casas em situação de risco, e quase 1.000 áreas onde moradias correm perigo de desabar – uma vergonha que não foi construída em 15 minutos, e por nenhum governo individualmente, mas que o Brasil civilizado nem vê. De que jeito a culpa poderia ser só de um, ou de dois? Basta olhar os números. Os jornalistas, urbanistas e peritos em “questões habitacionais”, diante dessa demência, se lançam a discursos contra “a política social” do presidente. Faz bem para eles, mas é a melhor garantia de que jamais haverá solução real para o problema.

Há duas leis no Brasil. Da classe média para cima, as pessoas precisam de licença da Prefeitura, alvará, “habite-se” e sabe lá Deus mais o que para construir um metro de parede;  
daí para baixo a autoridade pública não toma conhecimento. Nem poderia: se abrisse a boca, a esquerda, o MP e o padre iam sair gritando “inimigo do pobre”, “higienista”, e daí para pior. Fica assim, então.
J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

A onda acabou - William Waack

O Estado de S. Paulo 

Presidente é, agora, a perfeita expressão do sistema que diz desprezar

A causa do fracasso eleitoral [sic]  de Jair Bolsonaro nas eleições municipais é simples de ser resumida. Ele interpretou de maneira equivocada a onda disruptiva que o levou ao Palácio do Planalto em 2018. Achou que tinha sido o criador desse fenômeno político quando, na verdade, apenas surfava a onda.

O fato é que essa onda, depois de arrebentar o alvo primordial (as forças políticas ao redor do PT), se espraiou, perdeu sentido e direção, dividiu-se entre seus vários componentes antagônicos. Esvaziou-se, com Bolsonaro achando que apenas falando, apenas no gogó, manteria o ímpeto de uma onda dessas – um fenômeno político raro.

Na verdade, a principal lição oferecida a Bolsonaro pelas eleições do último domingo é a do primado da organização, capilaridade e peso das agremiações partidárias no horizonte político mais extenso. Pode-se adjetivar como se quiser o conjunto de partidos que elegeu o maior número de prefeitos e vereadores ou colocá-los onde se preferir no espectro político. O denominador comum entre eles é a existência de estruturas profissionais voltadas para a política.

É exatamente o que Bolsonaro desprezou logo que assumiu. Trata-se de um dos aspectos mais relevantes para ilustrar o fato de o presidente eleito com 57 milhões de votos há apenas dois anos ter um desempenho tão pífio como cabo eleitoral. Todo dirigente populista, não importa a coloração política, cuida de criar um movimento para chamar de seu – com seus emblemas, palavras de ordem (ou “narrativa”), mitos e, sobretudo, uma estrutura razoavelmente hierárquica e definida, com sede e endereço.

Embora tivesse à disposição da noite para o dia um grande número de deputados federais e seus correspondentes recursos públicos, o surfista da onda política atuou para implodir o partido pelo qual se elegeu e não conseguiu colocar de pé nada parecido a uma agremiação consolidada com um mínimo de coesão. É bem provável que Bolsonaro tenha sido vítima do mito que criou para si mesmo (e dá provas quase diárias de acreditar nisso piamente): a de ter sido escolhido por Deus e beneficiado por um milagre (sobreviver à facada) para conduzir o povo do Brasil.

Com tal ajuda “de cima”, é só esperar as coisas acontecerem. Ocorre que mesmo os homens tornados mitos por desígnio divino precisam, como dizem os alemães, do Wasserträger”, aquele que vai trazer a água. E isto não se consegue apenas com redes sociais. Foi outro aspecto interessante das eleições de domingo: a demonstração dos limites de atuação das ferramentas digitais, que adquiriram relevância permanente como instrumentos de mobilização, sem serem capazes por si só de garantir predominância na luta política.

Passada a onda disruptiva (alívio para alguns, desperdício de oportunidade histórica para outros), o que se pode prever para as próximas eleições, em relação às quais Bolsonaro sacrificou qualquer outro plano? Se ele foi capaz, em 2018, de vencer o “establishment” e o jeito convencional de fazer política, ainda por cima dispondo de menos recursos que seus adversários “tradicionais”, em 2022 Bolsonaro só tem chances dentro do que ele mesmo chamou de “sistema”. 

Do qual, ironicamente, o “outsider” acabou se tornando uma perfeita expressão: vivendo para o próximo ciclo frenético de manchetes, sem um plano ou estratégia de longo prazo, cuidando em primeiro lugar de seus interesses familiares e paroquiais, cultivando popularidade com programas assistenciais e preocupado acima de tudo em ficar onde está. É onde a onda nos deixou.

William Waack, colunista - O Estado de S. Paulo

 

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

O dia em que a história desembestou - Blog do Noblat - VEJA

Ricardo Noblat

A unificação da Alemanha


Em junho de 1989 Mikhail Gorbachev, então presidente da União Soviética, visitou a Alemanha Ocidental, sendo aclamado por onde passou. Todos lhe fizeram a mesma pergunta: quando a Alemanha seria unificada? Diplomaticamente, o pai da perestroika dizia que o problema teria de ser resolvido um dia, mas não naquele momento. Isto havia sido combinado com o então primeiro-ministro alemão, Helmut Kohl: a unificação alemã era uma questão a ser equacionada apenas no século 21.

O mesmo ponto de vista tinha François Mitterrand, presidente da França, para quem a Europa deveria respirar por meio de dois pulmões: o da comunidade europeia e o do leste europeu renovado pela perestroika. A unificação da Alemanha deveria se dar pela renovação do bloco socialista, de forma lenta, gradual e segura.  Mas a história desembestou no outono de 1989, para utilizar uma expressão do próprio Gorbachev. Em 9 de novembro uma multidão derrubou o Muro de Berlim, pondo fim à fronteira física que separava os alemães em dois países de sistemas diferentes. Um capitalista e democrático e outro socialista e de ditadura do partido único.

Símbolo maior da guerra-fria, o muro era também o atestado de que os povos do leste europeu rejeitavam o modelo socialista implantado na esteira dos tanques do exército vermelho, após o fim da 2ª guerra mundial. Em toda a região o “socialismo real” foi uma imposição da União Soviética e só se sustentou por quarenta anos porque reprimiu a ferro e fogo os povos que tentaram se sublevar. Hungria em 1956, Polônia várias vezes, Checoslováquia em 1968 e a própria Alemanha Oriental em 1952.
Se deve a Gorbachev o mérito de liberar o gênio da garrafa. Sem ele, a queda do muro dificilmente aconteceria ou se daria muito tempo depois.

Os ventos da renovação e o sopro de liberdade daquele outono abalaram muito mais do que os alicerces do Muro de Berlim. Como peças de dominó, as ditaduras do leste europeu foram caindo uma a uma. Os escombros do muro enterraram a ilusão do comunismo como ideário libertário, sinônimo do paraíso terrestre.  Mais do que desembestar, a história atropelou quem quis detê-la.  Em 7 de outubro de 1989 a fina flor do “Pacto de Varsóvia” lotou a tribuna no desfile do aniversário dos quarenta anos da República Democrática Alemã. Os burocratas do “socialismo real” não percebiam a mudança dos ventos. E ela saltava a olhos nus. A multidão que desfilava olhava para Gorbachev e clamava: “ajude-nos, ajude-nos!” Espantado com o que via, o então premiê da Polônia, Mieczyslaw Rakovski, disse a Gorbachev: “você não percebe que isso aqui acabou?”

Indiferente ao clamor da multidão, o Secretário Geral do Partido Comunista e presidente da Alemanha, Erich Honecker, jactava-se que via no desfile a prova da vitalidade do socialismo na Alemanha Oriental. Ultra ortodoxo, dizia que seu país não precisava de nenhuma perestroika. Nada a estranhar. Dois anos antes, Honecker tinha rechaçado o conselho dos soviéticos de demolir o Muro de Berlim. Toda nomenclatura aboletada na tribuna iria cair em pouco mais de dois anos. Não sobrou ninguém. A começar pelo stalinista Honecker, destronado do poder um mês depois do desfile.

Nem a temida Stasi, polícia política com mais de 25 mil informantes, foi capaz de deter a avalanche da história. Em 9 de outubro, 70 mil pessoas participam de um ato público em Leipzig, exigindo democracia. As pessoas tinham perdido o medo e a ditadura não tinha mais condições de reprimir. Ironicamente acontecia o vaticínio de Lenin para o desaparecimento de um regime: “quando os de baixo já não querem e os de cima já não podem”.E já não podiam em todo o bloco socialista. Cinco meses antes da queda do Muro de Berlim, o Solidarność ganhou a primeira eleição livre na Polônia.  

Em agosto, dois milhões de pessoas formaram a maior corrente do mundo para abraçar os países bálticos. Por fim, a Hungria derrubou a cerca de arame farpado de sua fronteira com a Áustria, criando um enorme corredor para a fuga de alemães orientais.



Simbolicamente a queda do Muro de Berlim representou também a vitória da democracia como o grande valor do século 20.  Esse valor está em jogo hoje em países do antigo bloco socialista, como na Hungria de Victor Orban e  na Polônia. E também na antiga  Alemanha socialista, com o crescimento  da AFD – partido de extrema direita. A história tem dessas ironias.

 
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Blog do Noblat - Publicado na edição 2659, de VEJA, 06/11/2019

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

CASO MARIELLE - Sobrou para o porteiro - O Globo

Bernardo Mello Franco



Depois de quase 600 dias, as autoridades encontraram um culpado para o caso Marielle. É o porteiro do condomínio Vivendas da Barra, domicílio do presidente Jair Bolsonaro, de seu filho Carlos e do ex-PM Ronnie Lessa, preso sob acusação de matar a vereadora. Na noite de terça, o Jornal Nacional revelou o teor dos depoimentos do porteiro à polícia. Ele disse que Élcio Queiroz, outro ex-PM envolvido no caso, esteve lá no dia do crime e informou que iria à casa de Bolsonaro. Segundo o relato, a entrada foi autorizada pelo “Seu Jair ”.

[vale lembrar que o assassinato da vereadora e de seu motorista, desde os primeiros passos da investigação se destacou por autoridade citarem o surgimento de 'testemunha-chave';
o próprio Jungmann, então ministro da Segurança Pública, quase todo mês informava que uma testemunha-chave estava sendo ouvida.
Para desviar a atenção da acusação de assassinato contra Lula, tentaram fazer do porteiro uma testemunha-bomba, que por sinal se revelou ser apenas um inofensivo traque.]
 

O testemunho coincidiu com o livro do condomínio, onde o porteiro anotou a visita à casa 58. O JN apontou uma contradição: Bolsonaro não poderia estar no local. Meia hora depois da entrada do ex-PM, ele registrou presença no plenário da Câmara, em Brasília.  O presidente reagiu à reportagem com fúria. Direto da Arábia Saudita, atacou violentamente a TV Globo e o governador Wilson Witzel. Ele ameaçou não renovar a  concessão da emissora, fórmula usada por Hugo Chávez para calar o jornalismo independente na Venezuela. [com todas as vênias o presidente da República, expôs de forma desnecessária, seu entendimento de que a renovação da concessão da emissora só ocorreria se todas as exigências legais fossem atendidas - situação que é a praxe.]

“O que parece é que o porteiro mentiu, ou induziram o porteiro a cometer um falso testemunho”, sentenciou. Exaltado, ele chamou os jornalistas de “patifes” e “canalhas”. Depois afirmou que eles deveriam ser investigados, em mais um ataque à liberdade de imprensa.  Ontem o presidente disse ter mandado a Polícia Federal tomar um novo depoimento do porteiro. O ministro Sergio Moro reforçou a pressão e ameaçou enquadrá-lo em três tipos penais: obstrução à Justiça, falso testemunho e denunciação caluniosa. O novo procurador-geral da República, Augusto Aras, também desqualificou o funcionário do condomínio. 

Aproveitou para arquivar a citação a Bolsonaro, que o nomeou há um mês.
No Rio, a promotora Simone Sibilio se juntou ao coro. Ela apresentou uma gravação de áudio para sustentar que Queiroz foi à casa de Lessa, não à de Bolsonaro. “Todas as pessoas que prestam falso testemunho podem ser processadas”, emendou.
O porteiro terminou o dia como vilão, mas ninguém explicou por que ele inventaria toda essa trama para atingir o presidente. [atualização: as explicações para a conduta criminosa do porteiro são diversas - de qualquer modo, o fato é que porteiro foi desmentido por provas fornecidas pela Câmara dos Deputados e meios digitais do sistema de segurança do condomínio.
Tais provas foram validadas pelo MP, restando apurar a conduta da autoridade que tratou mentiras como se provas fossem.
A TV Globo transmitiu a manifestação da promotora Simone Sibilio em seus noticiários - inclusive no JN.]

Bernardo Mello Franco, colunista - O Globo


segunda-feira, 4 de julho de 2016

Lei do farol aceso de dia erra ao ignorar luz de circulação diurna (DRL)



Nova lei brasileira obriga o uso do farol baixo de dia, mas ignora uma opção mais moderna, segura e econômica
No último dia 23, o presidente interino Michel Temer sancionou a Lei 13.290, que alterou o Código de Trânsito Brasileiro, passando a exigir a utilização do farol baixo nas rodovias mesmo durante o dia. A lei entra em vigor no começo de julho e quem a descumprir cometerá infração média, com multa de R$ 85,13 e quatro pontos na CNH. O objetivo é aumentar a segurança no trânsito, claro. Mas há controvérsias.

O principal problema da lei é que ela diz que “o condutor manterá acesos os faróis do veículo, utilizando luz baixa e ignora uma solução mais moderna e eficaz, chamada DRL (Daytime Running Lamp/Light – farol/luz de circulação diurna). 

O que é DRL?
Farol de rodagem diurna, luzes de condução diurna ou, simplesmente, luz diurna.
São lâmpadas que se acendem sempre que o carro está ligado, mesmo que de dia e de farol apagado. Podem ser lâmpadas halógenas fracas (intensidade entre a da luz de posição e a do farol baixo) ou conjuntos de LEDs (na maioria dos casos). Têm função primordialmente de segurança, mas em muitos casos acabam dando oportunidade para interessantes criações dos designers. Hoje as DRLs estão disponíveis em praticamente todos os modelos acima de R$ 100.000, mas também em carros mais acessíveis, como Peugeot 208, Citroën C3 e Hyundai HB20.

A idéia nasceu em 1972 na Finlândia. A DRL era obrigatória no inverno, quando o país sofria com o tempo nublado e uma baixíssima incidência de luz solar mesmo de dia. Para aumentar a visibilidade dos carros, tanto para os demais veículos quanto para ciclistas e pedestres, o país passou a exigir que se usasse um conjunto de luzes auxiliar.

A experiência deu tão certo que dez anos depois o país decidiu adotar a DRL também no verão – e, em 1997, em todas as vias e durante todo o ano. Em 1977, a Suécia criou a mesma lei, depois copiada pela Noruega, (1986). Finalmente em 2011 a Comunidade Europeia fez um acordo para adoção da luz diurna em todos seus países-membros. Os Estados Unidos, por outro lado, não adotaram a obrigatoriedade da DRL. Por quê?

A DRL é mesmo eficaz?
Embora os principais estudos europeus tenha apontado uma redução no total de acidentes de trânsito de algo entre 10 e 20% com o uso da luz diurna, o principal órgão de segurança no trânsito dos Estados Unidos, o NHTSA (National Highway Traffic Safety Administration) não encontrou resultados tão significativos, e por isso deixou a critério dos fabricantes adotá-la ou não.

Em 2004 o NHTSA fez um estudo que mostrou vantagens da DRL. Mas o próprio órgão voltou ao assunto em 2008, atendendo a um pedido da General Motors para torná-la obrigatória. 
Após novo estudo, o NHTSA concluiu que “não há evidência dos benefícios associados à DRL; embora seja benéficas em certas situações [grifo meu], a agência não encontrou benefícios de maneira geral que justifiquem sua obrigatoriedade. Quando todos os acidentes são considerados, uma insignificante redução de 0,1% é observada, demonstrando que os benefícios da DRL nesse estudo são inconclusivos”. 

Vale observar aqui que esse era o resultado para os acidentes entre dois carros. Na hora em que eram analisados comerciais leves, se chegava a uma redução de 4,7% nos acidentes – e uma diminuição ainda maior (“um significativo impacto”) no caso de acidentes com motos, pedestres e bicicletas (e o estudo de 2004 já havia mostrado reduções de 23% nos acidentes com motocicletas e 12% com ciclistas e bicicletas). Mesmo assim, talvez influenciado por lobistas, o órgão manteve sua recomendação.

Não satisfeito com a decisão, o Estado do Minnesota decidiu fazer seu estudo próprio. Melhor, fez uma análise profunda de 41 estudos diferentes. As conclusões foram positivas:
  • “O uso da DRL reduz o número de acidentes diurnos em 5 a 15%. Todos os estudos apostaram redução nos acidentes, mas ela variava conforme o estudo”.
  • “Os efeitos positivos do uso da DRL são maiores nos casos de acidentes fatais que nos com apenas feridos, e maiores nos acidentes com feridos do que nos com danos apenas materiais”.
  • “O uso da DRL reduz consideravelmente o número de acidentes envolvendo pedestres, ciclistas e motociclistas”.
A conclusão é que, a despeito da “inconclusividade” do estudo norte-americano, podemos sim afirmar que a DRL reduz o número de acidentes. Se essa redução é de 5 ou 20%, não importa. Afinal, cada vida salva é uma grande vitória, não?

Mas a lei fala em DRL ou farol baixo?
Então, esse é o problema. Ignorando a “nova” tecnologia, a lei brasileira fala só no uso de luz baixa (farol baixo). Isso significa que mesmo que você tenha um carro com DRL, terá que acender a luz baixa na estrada. E isso torna a lei especialmente irritante se você tem um carro com acendimento automático dos faróis e se habitou a nem pensar no assunto – de dia a DRL atua automaticamente, de noite ou no túnel os faróis se acendem sozinhos.

A lei deveria obrigar a adoção da DRL por todos os veículos fabricados a partir de 2017. E tornar compulsório o uso do farol baixo apenas por modelos atuais e antigos sem DRL. E isso não apenas para valorizar a DRL já adotadas por muitos carros, mas porque ela é melhor que o farol – por vários motivos.

As vantagens da DRL
1-DRL é mais visível que farol
É uma questão de função. Como é feita exatamente para melhorar a visibilidade durante o dia, obviamente a DRL é mais visível pelos outros motoristas, pedestres, motociclistas e ciclistas que os faróis convencionais, feitos para serem usados de noite. Enquanto a DRL fica apontada para o alto, justamente para ser vista de dia pelos outros, o farol ficas mais para baixo, para não ofuscar os demais à noite (e o farol alto ofusca mesmo de dia). 
2-A luz de freio também fica mais visível
Quando se acende o farol baixo, a lanterna traseira também se acende. Para os demais motoristas, aquela luz vermelha acesa de dia causa estranhamento. Mas o verdadeiro problema é que a diferenciação entre ela e a luz de freio – a mesma luz, só que mais forte – não fica tão clara e imediata quanto de noite. Um estudo europeu já comprovou isso (Elvik, Rune; Peter Christensen; and Svenn Fjeld Olsen. Daytime Running Lights – A Sistematicidade Review of Effects on Road Safety, 2003). A terceira luz de freio (brake-light) atenua o efeito, mas nem sempre o motorista a vê (muitas vezes, como quando há um caminhão no caminho, vemos apenas uma das luzes de freio do carro adiante). Esse problema não acontece nos carros com DRL, pois apenas os LEDs dianteiros (lâmpadas convencionais, em alguns casos) ficam acesos. E não é só isso…

3-Visibilidade da seta é melhor com DRL do que com farol
Outro motivo que torna a DRL mais segura que os faróis de dia é que a visibilidade da seta dianteira nos carros com essas luzes diurnas é bem melhor. Também seguindo orientação de estudos, a DRL se apaga quando a luz de seta se acende (somente a de seu lado). Se isso não acontecesse, a seta ficaria bem menos visível de dia para o motorista à frente (ou um pedestre). É exatamente essa uma das contraindicações do uso da luz baixa durante o dia.

4-Consumo energético menor/durabilidade maior
Andar com os faróis normais também durante o dia reduz a durabilidade das lâmpadas e aumenta o consumo de combustível dos carros  (e consequentemente a poluição). A DRL gasta bem menos e dura mais. Um estudo canadense citado pelo IIHS aponta que seu custo anual – somados gastos extras de combustível e de troca das lâmpadas é quase desprezível: apenas US$ 3 nos carros com luzes diurnas das mais modernas. A CEC (Comissão de energia  da Califórnia) concluiu que o aumento na poluição com seu uso não chega a 1% e, considerando a redução de acidentes, não recomenda sua proibição por razões ambientais.
Já um farol convencional tem consumo até 10 vezes superior, chegando a um custo anual de US$ 40 por carro, considerando o custo do combustível naquele país. Não se trata de um valor desprezível – e o impacto ambiental também deve ser levado e conta. Mais um ponto a favor da DRL. A OSRAM diz que o uso do farol de dia, justamente por ser mais constante, acaba reduzindo sua vida útil. A marca indica, para esse tipo de uso, suas lâmpadas Ultra Life – que diz durar três vezes mais (garantia de três anos).
5-Quando mais carros com DRL,  menos acidentes
Os estudos citados também apontaram que quanto mais carros com DRL na frota de um país, maior a redução total no número de acidentes.
CONCLUSÕES
  • o uso do farol baixo de dia aumenta a visibilidade dos demais veículos e a segurança de modo geral;
  • por outro lado, prejudica a visibilidade de outras importantes luzes do carro – setas e luzes de freio e aumenta o consumo;
  • as luzes de circulação diurna reforçam as características positivas do uso do farol de dia e ainda eliminam as negativas;
  • o benefício do uso de farol baixo de dia ou da luz de circulação diurna acontece tanto nas estradas quanto na cidade – onde a redução de acidentes envolvendo bicicletas e pedestres é até maior;
Assim sendo, a lei é até positiva, mas deveria ser modificada para:
  • aceitar o uso das luzes de circulação diurna (DRL) pelos carros que já a possuem;
  • tornar obrigatória sua adoção por todos os carros novos;
  • tornar obrigatório o uso do farol baixo de dia (no caso dos carros sem DRL) não só nas estradas, mas também na cidade.
Um projeto de lei de 2012, de Jilmar Tatto, deputado federal do PT na época e atual Secretário de Transportes da cidade de São Paulo, já solicitava a adoção da obrigatoriedade para a DRL. Mas acabaram aprovando uma opção pior. 
ATUALIZAÇÃO (2/6/2016, 13h24): Consultado, o Ministério das Cidades diz que a DRL cumprirá a função. Mas não é o que está descrito na lei sancionada pelo presidente interino, o que pode gerar confusão. Se a lei não for modificada antes de entrar em vigor para deixar claro que a luz de posição diurna (ou farol diurno) pode ser usada em vez do farol baixo, dependerá da autoridade de trânsito multar ou não. E aí recomendo usar o farol.
ATUALIZAÇÃO (30/6/2016): Fontes junto ao Denatran dizem que a DRL será aceita, mas os guardas rodoviários com quem tenho conversado em SP dizem que a lei é clara em exigir faróis e multarão quem usar “farolete(foi como chamaram a DRL do Porsche 911) ou luz de posição+faróis de neblina/”milha”. Ou seja, como eu já havia dito, ou você usa o farol ou arrisca a multa pela interpretação do guarda.
Fonte: Motor Show