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sexta-feira, 30 de julho de 2021

A verdade ressuscitada - Augusto Nunes

Documentário sobre Cuba rasga fantasias dos devotos de ditaduras

Com o uniforme de oficial de cordão carnavalesco, um charuto hospedado no canto da boca, Fidel Castro está de saída do Congresso do Partido Comunista Cubano promovido em 1975. No poder há 16 anos, o ditador quarentão está em boa forma: depois de discursar por 20 horas seguidas, não exibe sinais de cansaço. Só parece intrigado com aquele carrinho de bebê ao lado de três cinegrafistas que acompanham a movimentação da lenda em seu apogeu. Fidel se aproxima do carrinho que, em vez de passageiros da primeira infância, transporta instrumentos indispensáveis a quem trabalha no mundo do cinema. Mira o jovem desconhecido e pergunta quem carrega aquilo: ele ou ela? Ele é Jon Alpert, ainda um novato na arte que o transformaria em celebridade. Ela é Keiko Tsuni, mulher de Alpert. Câmeras de vídeo digital da primeira geração são bastante pesadas, explica o marido. Fidel ensaia a retirada e é detido pelo convite audacioso: “Tem uma mensagem para o povo dos Estados Unidos?”. Assim começou a primeira conversa entre o jornalista principiante e o homem que havia dois anos não concedia entrevistas à imprensa ianque.

O mais loquaz orador do Caribe ficou uns poucos segundos em silêncio antes de declamar a mensagem. Louvou as virtudes dos norte-americanos comuns, elogiou os esforços dos intelectuais e trabalhadores e desejou-lhes sorte. “Quanto ao governo”, ressalvou, “todos sabem que não há nenhuma simpatia entre os governos de Cuba e dos Estados Unidos.” Foi a primeira (e a mais curta) das muitas conversas que teriam nas quatro décadas seguintes. Em 2016, às vésperas do 90º aniversário do ditador aposentado, encontraram-se pela última vez na casa de Fidel em Havana. O anfitrião depauperado autografa o colete de trabalho do visitante. Agora um sessentão grisalho, Alpert beija o rosto da lenda em seu crepúsculo. Ele voltaria semanas depois para filmar o sepultamento do fundador do regime comunista. Ao partir de Havana, levava o material que faltava para a edição do melhor de todos os grandes documentários que concebeu: Cuba e o Cameraman, lançado nos EUA em 2017 e incorporado recentemente ao catálogo brasileiro da Netflix.

Documentaristas interessados no resgate de períodos históricos vivem derrapando em roteiros que enfileiram entrevistas cara a cara tão excitantes quanto um desfile militar na Bolívia. Alpert reconstituiu a trajetória de Cuba entre os anos 70 e a morte de Fidel amparado num microcosmo composto de interlocutores selecionados com argúcia e sensibilidade — e dividido em três núcleos. Os irmãos Borrego são agricultores que aram a terra com juntas de bois. O negro Luis Amores e seus amigos sobrevivem com transações comerciais situadas na difusa fronteira que separa a contravenção do crime. E Caridad tenta resistir ao lado do casal de filhos à desesperança que começou com a renúncia ao sonho de prosperar como enfermeira. Os diálogos e imagens resultantes das visitas aos vértices desse triângulo e das conversas com Fidel fazem de Cuba e o Cameraman o mais soberbo, tocante, honesto e revelador documentário sobre a Era Fidel. 

Graças às sucessivas incursões pela ilha, Alpert se torna uma espécie de primo norte-americano dos integrantes do elenco e um amigo temporão do líder revolucionário. Nada disso impede que veja as coisas como as coisas são e conte o caso como o caso foi. Na primeira viagem a Havana, era um admirador dos revolucionários triunfantes. A visita derradeira foi feita por mais um ferido pela decepção. Em nenhum momento o cameraman emite juízos de valor, opina ou argumenta. O que mostra dispensa manifestos e discurseiras. Ao longo de 154 minutos, o palco do drama estaciona no tempo ou piora. Só não mudam os carrões norte-americanos que sacolejam nas ruas seja qual for o ano, o dia ou a hora da visita de Alpert.

Sem barulhos nem berreiros, o documentário implode mitos e crendices plantados pelos jardineiros do paraíso socialista no Caribe. O sistema de educação é gratuito e universal, certo? “Gostaria de comer mais”, diz uma estudante instada a revelar seu maior desejo. Nenhum cubano passa fome? “Ninguém consegue carne há muitos meses”, lamenta uma mulher na fila do racionamento ao saber que, naquela semana, sua família teria de contentar-se com um pão por dia. Num encontro com os Borrego, Alpert constata que um dos irmãos perdera a voz para o câncer na garganta. Na cena seguinte, ele conversa no hospital desprovido de remédios onde o lavrador ficara internado. Assombrado com a aparência e a idade do instrumento jurássico utilizado na cirurgia, Alpert pergunta ao médico quanto o governo lhe paga por mês. Vinte dólares, ouve. Desolado, o documentarista aparece na visita seguinte com um aparelho que, acoplado ao pescoço, reproduz um som vagamente parecido com a voz humana. A euforia do agricultor octogenário revela as diminutas dimensões dos sonhos possíveis.

O mais repulsivo dos negacionismos é negar que uma ditadura é uma ditadura

Em 1975, as gordas mesadas remetidas pela União Soviética espalharam pela ilha a sensação de que as promessas revolucionárias seriam enfim cumpridas. A enxurrada de rublos financiou casas populares, novas escolas, equipamentos hospitalares, medalhas olímpicas, mais comida e outras razões para animar os intermináveis discursos de Fidel com gritos de Patria o Muerte. Nos anos 80, prédios em decomposição, a universalização da falta de água, o sumiço da coleta de esgoto e outras carências aflitivas prenunciaram mais uma estação tempestuosa. A queda do Muro de Berlim em 1989 e a dissolução da União Soviética dois anos depois anteciparam o pior dos invernos. É o único trecho do documentário que mostra Fidel Castro, um poço de certezas aparentemente inesgotável, sem saber o que dizer. 

Em algumas aparições, para espanto da plateia, vê-se um homem ligeiramente parecido com gente como a gente. Sempre traduzindo em voz alta para o inglês o que ele próprio acabara de dizer em espanhol, Alpert filma e narra momentos em que Fidel exibe o peito nu para provar que não usava coletes à prova de bala, ou garante que não teme atentados porque só morreria quando chegasse a sua hora, ou esparrama o corpo pela cama do quarto na Missão Cubana em Nova York, onde baixara para discursar na Assembleia-Geral da ONU. A bordo do avião que o trouxera de Havana havia um único cidadão norte-americano. Jon Alpert, naturalmente.

Cuba e o Cameraman confirma que o embargo decretado pelos Estados Unidos causa estragos de bom tamanho, mas infinitamente inferiores aos provocados pela economia planificada. Somem a cerveja, o rum, o leite, a carne. Multiplicam-se os exploradores do mercado negro, os traficantes de drogas, os ladrões, entre os quais os que consumiram em churrascos os animais que compõem o patrimônio dos Borrego. Camuflada pela ditadura comunista, a penúria em expansão é escancarada no documentário que, ao mostrar Cuba como Cuba é, torna bem menos surpreendente a onda de protestos que agitou a ilha há poucas semanas. Pena que Alpert não estivesse lá para filmar a verdade torturada por liberticidas sem remédio. O mais repulsivo dos negacionismos é negar que uma ditadura é uma ditadura. E não há patrulha mais torpe do que a que tenta silenciar quem enxerga a nudez do reizinho de estimação.

Essas torpezas ajudam a entender por que a chegada ao Brasil de Cuba e o Cameraman foi escondida pela Netflix e ignorada pelos segundos cadernos dos jornais. No País do Carnaval, os chamados críticos de cinema ficam com cara de criança que viu Nossa Senhora quando topam com idiotices do calibre de Democracia em Vertigem. E têm orgasmos múltiplos quando Petra Costa capricha na voz de quem canta incelenças desde o estágio no berçário. O documentário sobre Cuba comprova que uma Petra só teria chances de juntar-se à equipe que o produziu caso se escondesse no carrinho de bebê. Nesse caso, é provável que Fidel preferisse afastar-se às pressas. E não teria conhecido Jon Alpert.

Leia também “A escuridão da face externa”

Revista Oeste 


domingo, 18 de março de 2018

Cadê a solidariedade dos ativistas da maldita esquerda? dos psolistas? dos anarquistas?



Família não tem dinheiro para sepultar menino Benjamin morto no Alemão

Pai diz que vai recorrer à rede de solidariedade e se queixa de falta de apoio das autoridades

Além da dor da perda do filho de apenas 1 ano e 7 meses, vítima de uma bala disparada no fogo cruzado entre PMs e criminosos no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio, o gesseiro Fábio Antônio da Silva, de 38 anos, ainda enfrenta o drama não ter o dinheiro para fazer o sepultamento do menino Benjamin. O pai, que está desempregado desde 2015 e vem vivendo de pequenos trabalhos como autônomo, disse que espera contar com uma rede de solidariedade que se formou após a morte da criança. Algumas pessoas já ofereceram para ajudar, mas ele espera ainda tomar conhecimento do valor necessário para então recorrer a esse auxílio. 

— Eu não consegui nada até agora. Também não quis ser injusto com as pessoas e usar esse momento de dor para achacar ninguém. Hoje, de São Paulo, se ofereceram para me ajudar. Só que, como uma pessoa honesta, não quero me valer de uma situação para me beneficiar. Só quero dignamente sepultar meu filho. Estou vindo agora fazer a certidão de óbito e depois vou à funerária para saber o valor e começar a mobilizar a internet e as pessoas que se ofereceram para me ajudar. Vou disponibilizar uma conta para adquirir o dinheiro e poder pagar (o enterro).

Fábio disse que no Rio, o sepultamento ficaria entre R$ 1.500 e R$ 2.800. Porém, ele optou por enterrar o filho em Niterói, onde mora, mas ainda não tem ideia de quanto vai custar. O enterro deve ocorrer à tarde, provavelmente no Cemitério do Maruí. O pai disse que, entre as pessoas que já se ofereceram para custear as despesas, estão uma professora de Niterói e um amigo que trabalha para um político da cidade. Muito revoltado, o gesseiro se queixa da falta de apoio das autoridades. Ele reclamou que, desde a morte da criança, a família não foi procurada por nenhum representante do poder público. — Meu filho morreu na sexta-feira e até agora ninguém falou nada. Ninguém me procurou. Nenhuma autoridade. Hoje meu filho vai ser enterrado e depois acabou. Fica para a história e a lembrança passa com o tempo. Vai virar mais um. Nenhum órgão público veio me procurar. É como se fosse um lixo. Meu filho só tinha 1 ano e 7 meses. Cadê a resposta? Ninguém fala nada. Acho que alguma autoridade devia procurar a família. As pessoas estão se mobilizando para me ajudar pagar o enterro do meu filho. Pedi ajuda a uma professora de Niterói e a um amigo que trabalha com um político. Não fui eu quem matou meu filho. Se fosse, a impressa teria caído de pau em cima de mim, me chamando de cretino. Foi a violência do Estado do Rio que matou meu filho e eles estão quietos — desabafou. [parte desta violência é estimulada pelos próprios ativistas que ao proteger os direitos humanos pró-bandidos, estimulam mais ainda a criminalidade - o bandido vai à 'caça' com a certeza que matando ou morrendo, sempre a polícia fica mal.]

Fábio contou que conheceu Paloma Maria Novaes, de 29 anos, mãe de Benjamin, há cerca de oito anos, quando ela ainda vivia nas ruas do Centro do Rio. Ele tem também uma filha de 4 anos com ela. Porém, admitiu que sua relação com a mãe do menino era paralela à que tem com outra mulher, com quem vive em Niterói e com a qual tem outro filho. O gesseiro disse que a atual companheira só tomou conhecimento do sua relação com Paloma, após o nascimento de Benjamin.  — É uma segunda família que eu adquiri. Tirei a Paloma da rua, tive dois filhos com ela e vinha cuidando aos trancos e barrancos dessa família. Era uma pessoa que só tinha escuridão na vida dela e em oito anos eu consegui transformar isso. A felicidade que eu construí para ela alguém roubou.

No total, o gesseiro tem dez filhos de relacionamentos anteriores com outras mulheres, dos quais sete são registrados oficialmente por ele.  Benjamin foi atingido por um tiro na cabeça, a caminho da casa da avó, na Favela Nova Brasília, que faz parte do Complexo do Alemão. Paloma havia saído de um ônibus momentos antes de começar um tiroteio entre criminosos e PMs, num dos acessos à comunidade, na noite de sexta-feira. Ela contou que, após colocar o filho num carrinho de bebê, parou em frente a uma barraca para comprar algodão doce e, quando ouviu os tiros começou a correr, empurrando o carrinho. Só quando parou é que percebeu que a criança havia sido atingida.  O tiroteio fez outras vítimas, sendo mais três fatais, além de Benjamin: José Roberto da Silva, de 58 anos, que chegou a ser levado para o Hospital Estadual Getúlio Vargas, mas não resistiu; Maria Lúcia da Costa, de 58 anos; e um acusado de envolvimento no confronto. Outras sete pessoas ficaram feridas, incluindo três suspeitos.

O Globo