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segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Feliz Agronatal - Revista Oeste

Evaristo de Miranda

Além da decoração, a agropecuária marca a ceia de Natal fornecendo a proteína animal e as frutas usadas nos pratos típicos desta época

 O tempo do Advento, iniciado quatro semanas antes do Natal, é marcado por luzes, enfeites, flores e decorações em residências, comércios e áreas públicas. Neste Ano da Graça de 2021, o primeiro domingo do Advento foi no dia 28 de novembro. Chegou o tempo de montar presépios, árvores de Natal, instalar luzinhas, guirlandas, decorações e comprar presentes. Poucos se dão conta: vive-se um Agronatal, tamanha a contribuição da agropecuária aos festejos natalinos.
 Galhos jovens de um pinheiro natalino | Foto: Shutterstock

 Galhos jovens de um pinheiro natalino  - Foto: Shutterstock

Em junho, no solstício de inverno, o campo invade as cidades com arraiais, fogueiras, danças e cultura rural. Em dezembro, no solstício de verão, o agro volta aos lares urbanos com flores, produtos decorativos e alimentos típicos do tempo natalino. Se as festividades juninas promovem reuniões públicas em quermesses e ruas, os festejos natalinos reúnem dentro das casas, na intimidade das famílias.

Entre os primeiros símbolos natalinos levados do campo às residências estão as árvores de Natal. São pinheiros e tuias, produzidos aos milhares por viveiristas, em vários tamanhos e formatos, para atender ao desejo e às possibilidades do bolso de cada consumidor. Os pinheiros natalinos, sempre verdes, simbolizam a esperança e a vida. Sua forma triangular evoca a Trindade. O inventor da árvore de Natal foi São Bonifácio, o apóstolo dos germanos. Em 718, o papa Gregório II enviou-o à Alemanha com a missão de reorganizar a Igreja.

Por cinco anos, Bonifácio evangelizou os territórios dos atuais Estados alemães de Hessen e Turíngia. Sem preocupações ambientais ou com costumes locais, em 723, o bispo da Germânia derrubou um enorme carvalho dedicado ao deus Thor, perto da atual cidade de Fritzlar, na Alemanha. Convenceu povo e druidas no machado. Esse acontecimento é considerado o início da cristianização da Alemanha. O carvalho destruiu tudo onde caiu, menos um pequeno pinheiro. Bonifácio interpretou esse fato como um milagre. Era Advento e ele declarou: “Doravante, chamaremos esta árvore de árvore do Menino Jesus”. O costume de plantar pinheiros para celebrar o nascimento de Jesus começou, estendeu-se pela Alemanha e de lá ao mundo. Prosseguiu a veneração vegetal, com outra árvore.

Os trópicos importaram símbolos natalinos de regiões temperadas: pinheiros, Papai Noel agasalhado, lareiras e até neve de algodão. Mas exportaram um símbolo natalino para a Europa e a América do Norte: a flor do Natal, ou poinséttia, também conhecida como cardeal ou estrela-do-natal. Originária do México, ela tem folhas verdes e, acima, folhas semelhantes a flores vermelhas. Seu nome científico Euphorbia pulcherrima significa a mais bela das eufórbias.

Esse símbolo vegetal não vem dos astecas, e sim dos franciscanos, especialistas em novidades natalinas. Como a do presépio, inventado pelo próprio São Francisco. A partir do século 17, no México, os frades utilizaram a poinséttia em comemorações natalinas e associaram suas brácteas vermelhas à estrela de Belém. Hoje, mais de 120 milhões de vasos servem para fins decorativos natalinos na Europa. Aqui, a poinséttia é a planta de decoração mais vendida no Natal para enfeitar shoppings, lojas e residências. Na Cooperativa Veiling Holambra, principal centro de comercialização atacadista da floricultura, só na época do Natal são vendidos 2 milhões de vasos. A produção, sempre em estufas, concentra-se em Holambra, Paranapanema, Alto Tietê e Ribeirão Pires.

As flores do Natal são a obra-prima de pequenos agricultores. Sua organização empresarial e tecnológica é avançada. São mais de 8.000 pequenos agricultores, com área média de 1,5 hectare. E empregam, em média, oito trabalhadores por hectare, segundo o Instituto Brasileiro de Floricultura. Juntos, cultivam mais de 2.500 espécies e 17.500 variedades. Nas pequenas propriedades, 20% da mão de obra é familiar e os demais 80%, contratados. O mercado de flores gera 209.000 empregos diretos e 800.000 indiretos. O faturamento em 2020 foi de R$ 9,6 bilhões. São mais de 600 empresas atacadistas no mercado de flores e 25.000 pontos de venda. O mercado nacional absorve 97,5% da produção e o restante é exportado. Deixe o plástico do lado, compre uma tuia, um pinheirinho e vasos de poinséttia e transforme sua casa num lar, onde as ideias florescem. Naturalmente.

E haja panetones. Só a Bauducco produz mais de 75 milhões. Haja farinha, ovos e açúcar

Além da decoração, a agropecuária marca a ceia de Natal fornecendo a proteína animal usada nos pratos típicos desta época. Num encontro eucarístico, familiares dispersos e distantes se reúnem nesse dia sagrado. Na ceia são consumidas proteínas nobres: peru, chester, tênder, pernil e outras carnes e cortes especiais. A BRF, empresa multinacional resultante da fusão da Sadia com a Perdigão, tem unidades dedicadas só à produção das carnes para a ceia de Natal. Assim como várias grandes empresas, como Seara, Minerva e outras.

O Natal coincide com a passagem da primavera para o verão, o tempo da colheita de frutas tropicais e subtropicais. Frescas e secas, elas acrescentam cor e sabor às ceias, integradas inclusive em farofas, bolos e panetones. E haja panetones. Só a Bauducco produz mais de 75 milhões. Haja farinha, ovos e açúcar. A pesquisa agrícola ampliou o tempo da frutificação e a disponibilidade de pêssegos, uvas, bananas, morangos, nectarinas, mangas, ameixas, maçãs e outras. O Brasil produz 45 milhões de toneladas de frutas por ano. É o terceiro produtor mundial, atrás de China e Índia.

No Natal, cresce o consumo de nozes-pecã, castanha-do-pará, castanha-de-caju, uvas-passa, cacau, castanha de baru, frutas cristalizadas e macadâmia. Segundo a Associação Brasileira de Nozes, Castanhas e Frutas Secas, a produção global de nozes cresce, em média, 6% ao ano. Um mercado de US$ 35 bilhões. O Brasil é o oitavo produtor mundial das saudáveis nozes e castanhas.

Se árvore de Natal, presépio, ceia, troca de presentes e outros momentos ocorrem no interior das casas, existe um símbolo colocado do lado externo. Sobre a porta de casas e apartamentos, a guirlanda natalina é um símbolo solar. Ela anuncia publicamente: nesta casa se festeja o Natal. Ela é um símbolo vegetal do entrelaçamento do divino com o humano. Deus se fez carne e habitou entre nós. Por isso, a guirlanda natalina é feita com dois ramos de plantas diferentes, de natureza distinta, entrelaçados. A guirlanda é um círculo, símbolo de um entrelaçamento sem fim, infinito. São muitos modelos de guirlanda, sempre com dois ramos diferentes. Sinos, fitas e enfeites a completam.

O círculo da guirlanda evoca a letra Ó, de Nossa Senhora do Ó, cujos “Ohs”, suspirados semanas antes do nascimento de Jesus, são cantados nos Motetos dos Ós em igrejas, sobretudo em Minas Gerais. O padre Antônio Vieira, imperador da língua portuguesa, discorreu sobre a simbologia do círculo e desse Ó, no Sermão de Nossa Senhora do Ó, a mesma da Freguesia do Ó, em São Paulo. A guirlanda é um Ó grande, um mega Ó, o Ômega do alfabeto grego. E não o Ômicron, da variante africana da covid. O amor dos cristãos a Deus e ao próximo não deveria ter fim. Como não tem fim o círculo solar, regendo o calendário rural, a alternância do semear, cuidar, colher e novamente semear, cuidar, colher… Marcas do verão e do solstício no ciclo das estações. Não deixe de circular, entrelaçar e presentear: coloque uma bela guirlanda na entrada de sua casa ou apartamento. Ela abençoará quem passar e evitará raios, dizem.

Para encerrar sobre este Agronatal, me permitam um pequeno conto, homenagem aos fruticultores.

O nascimento de Jesus acabou com o sossego na estrebaria de Belém. Os visitantes chegavam a todo o momento com presentes, olhares de espanto e contemplação. Eram pastores, pecuaristas, agricultores, magos, pescadores, comerciantes e artesãos. Curiosos para ver aquele menino tão especial. Ao anoitecer, Maria estava exausta. Mesmo assim, recebia da melhor forma possível quem se aproximava da manjedoura.

Em meio a tanta gente, Maria percebeu uma velha do lado de fora. Ela era curvada, feia, enrugada e parecia ter mais de mil anos. Movia-se de um lado para o outro. Não entrava. Depois da meia-noite, seguia lá fora, como uma bruxa. Quando o último visitante deixou o local, a velha entrou na estrebaria, sob o olhar desconfiado e até temeroso de José, do boi e do burro.

Hesitando, ela aproximou-se da Virgem e do Menino. Trazia nas mãos uma fruta bonita, perfumada e certamente saborosa. Maria nunca vira esse fruto. A velha entregou seu presente como se fosse o globo terrestre e balbuciou: “Este fruto, a humanidade quis comer verde no paraíso. Agora, está maduro”. Atrás das pregas das pálpebras, seus olhos encheram-se de lágrimas.

Maria acolheu o fruto, sem dizer uma palavra. Clarões no horizonte anunciavam um novo dia. A velha retirou-se. Maria então perguntou: “Senhora, qual é o seu nome?”. No limiar da entrada, a velha retornou-se lentamente. Aliviada e com um sutil sorriso nos lábios, ela disse: “Eva”.

Leia também “A multiplicação dos peixes”

Evaristo de Miranda, colunista - Revista Oeste