A terceira via nasceu como uma espécie de esquerda mais moderada, nunca como uma força realmente equidistante entre esquerda e direita. O discurso era que o comunismo falhara, mas o capitalismo também era muito imperfeito e precisava de uma face mais "humana" - leia-se um estado inchado e paternalista que cuidaria de todos do berço ao túmulo. Ou seja, na prática, um socialismo com concessões ao mercado. Ainda assim, socialismo, mesmo que Fabiano, mais "light".
É por isso que a disputa entre PT e PSDB no Brasil, como se fosse uma disputa entre esquerda e direita, nunca passou de um teatro das tesouras, uma forma de limitar a "briga" ao espectro esquerdista, deixando de fora qualquer visão de mundo mais à direita. Os tucanos faziam mais concessões ao mercado, tinha postura mais moderada, mas nunca deixaram de ser de esquerda, com uma visão "progressista" nos costumes e um papel de ativista social atribuído ao estado. A social-democracia é esquerda em qualquer lugar do mundo: um tipo de "socialismo com democracia".
Na prática, o socialismo "raiz" nunca se mostrou compatível com a democracia, pois quem prega a igualdade forçada de resultados acabará impondo à força, pela coerção estatal, um modelo opressor. Mas, justiça seja feita, é viável sim ter a tal social-democracia sem assassinar junto a própria democracia. De fato, a imensa maioria dos modelos ocidentais hoje é exatamente isso, o que não quer dizer que seja eficiente ou justo. Mas se mostra sustentável, ao menos.
Os social-democratas da tal terceira via, porém, insistem em dourar a pílula do comunismo ou do socialismo, a realidade de todo experimento utópico comunista. Por compartilharem da mesma essência, mas divergindo dos métodos, esses "socialistas lights" acabam passando pano para os seus "primos" radicais. Condenam muitas vezes os meios, é verdade, mas sem a convicção de que deveriam condenar junto toda a ideologia que leva inexoravelmente aos mesmos fins.
O editorial do Estadão hoje, um jornal com esse perfil tucano, deixa isso bem claro. Condena a inclinação totalitária de Lula, mas cheio de "dedos", com a esperança de que Lula possa ter alguma grandeza de abandonar sua defesa apaixonada por Cuba, ou que isso tudo não passe de um show para atrair universitários românticos. Falta ao jornal dar a real dimensão do problema. Eis um trecho: Lula não é um democrata, e seu apoio ao regime castrista, bem como ao governo tirano da Venezuela, é prova eloquente disso.
Até aqui, tudo bem. Mas aí o jornal rechaça a ideia de que Lula seja de fato um socialista: A Cuba castrista não inspira Lula da Silva por causa do socialismo. Como se sabe, o ditador Fidel Castro alinhou-se à União Soviética só depois da Revolução, e isso porque Moscou prometeu lhe dar generosa mesada, comprar açúcar cubano e armar a ilha contra os Estados Unidos, e não porque estivesse interessado no comunismo. Este era somente um pretexto retórico para implantar, primeiro, sua ditadura pessoal, depois, um regime familiar e, agora, um clã totalitário. Do mesmo modo, o discurso socialista, na boca de Lula, é apenas um embuste para enganar universitários e artistas.
Ora bolas, todo comunista fez a mesma coisa! Sem qualquer exceção, todo líder comunista usou a retórica igualitária para concentrar poder numa casta e parir um regime familiar, personalista e totalitário. Onde foi diferente? Por acaso algum experimento comunista levou a algo diferente, a uma "ditadura do proletário" em vez de uma ditadura sobre o proletário? Comunismo é o fim utópico pregado, socialismo é a prática: poder concentrado numa elite que toma o estado de assalto.
O editorial termina citando notórios socialistas, como o escritor Saramago, que "rompeu" com Cuba por não tolerar mais tanta opressão - sendo que ele a tolerou por décadas, enquanto milhares morriam fuzilados no paredão. E pede um ato de "grandeza" semelhante de Lula: "Lula poderia ter a grandeza de pelo menos parar de elogiar a terrível ditadura cubana. Ao não fazê-lo, autoriza a suposição de que, no fundo, quer mesmo é encarnar Fidel e governar até a morte – e além".
Rodrigo Constantino, colunista - Gazeta do Povo