Somos o único país no mundo onde há uma CPI 'para investigar a covid' na qual o presidente, um Omar Aziz, foi investigado pela PF por corrupção XXXXL-plus na área de saúde
No tempo em que o patriotismo ainda era um sentimento lícito, e o sujeito não precisava se esconder para dizer que gostava do Brasil e de ser brasileiro, ninguém achava nada de mais que um professor de ginásio recomendasse a leitura de algumas páginas de Porque Me Ufano do Meu País, do conde Afonso Celso. Hoje em dia, é claro, não passa pela cabeça de ninguém fazer algo parecido — principalmente numa dessas escolas que cobram mensalidades de R$ 10 mil, exigem a “inclusão social” e chamam alunos e alunas de “alunes”. O infeliz que citar um texto assim na sala de aula vai ser posto no olho da rua, sob o aplauso dos pais, acusado de vício fascista, direitista ou até bolsonarista. Já imaginaram? Melhor não imaginar nada. Tudo bem: mesmo naquela época de inocência, o texto já era visto como um belo exagero em matéria de ingenuidade. Nos dias de hoje, porém, o buraco é muitíssimo mais embaixo.
O problema não é só o risco de parecer bobo, ou de ser denunciado pela prática de crime ideológico. Com o país do jeito que está, até o patriota mais otimista não vê motivo para se orgulhar de nada — não em qualquer coisa que tenha algo a ver com a maior parte da vida pública nacional. Orgulhar-se de quê? Ao contrário. Onde se dizia que o Brasil era um lugar único no mundo, porque nosso céu tem mais estrelas, nossos bosques têm mais vida e nossa vida mais amores, hoje se diz: ”Só no Brasil é possível um negócio desses”. Você sabe muito bem o que significa esse “só no Brasil”, e que “negócios” são esses. Significa que o Brasil é o único país, entre outros mil (ou pelo menos os 200 e tantos que estão na ONU), onde acontece um certo tipo de aberração em modo extremo — tão extremo que não é possível, segundo a lógica comum, encontrar nada de equivalente em qualquer outro ponto do planeta.
Como é possível que uma pessoa que jamais teve problemas com a Justiça seja interrogada por alguém com a ficha de Renan Calheiros?
Não gostou do presidente? Espere, então, pelo relator. Trata-se de ninguém menos que Renan Calheiros — o “Atleta” da lista de políticos corruptos registrados nos computadores do departamento de roubalheira da empreiteira Odebrecht, e um dos senadores mais encrencados com a Justiça criminal em todo o sistema solar. A presença de Renan nesse picadeiro é ainda mais inexplicável que a de Omar; do outro, pelo menos, ninguém tinha ouvido falar até a CPI. Mas o relator já está nessa vida há 30 anos. Como é possível que ele investigue alguma coisa?
Como é possível que dezenas de pessoas que jamais tiveram o mínimo problema com a polícia, ou que jamais foram processadas por alguma coisa na Justiça penal, sejam interrogadas por alguém com a sua ficha? Renan, no papel misto de delegado de polícia, promotor e juiz, frequenta todos os dias as primeiras páginas e horários nobres da mídia como se fosse um Santo Tomás de Aquino, pelo menos. Mas ele é apenas o Renan Calheiros de sempre, que no momento responde a nove processos por corrupção. (Não são dez, nem onze, nem doze: as “agências de checagem de fake news” já fizeram questão de dizer que tudo isso é notícia falsa — são só nove processos penais no lombo, nem um a mais. Ah, bom. Ainda bem que avisaram.)
∗ O Brasil é o único país no mundo onde o presidente da República é acusado de ser o responsável por quase 470 mil mortes causadas até agora pela covid, pelo que informam os atestados de óbito. No resto do mundo já morreram, até agora, cerca de 3,5 milhões de pessoas; segundo a oposição, os comunicadores e as classes intelectuais brasileiras, desses 3,5 milhões, por volta de 3,1 milhões não são culpa de ninguém. Só os mortos do Brasil são culpa do governo.
∗ O Brasil é o único país no mundo onde uma campanha de vacinação que já aplicou perto de 70 milhões de doses em pouco mais de três meses é considerada um fracasso pelos cientistas de oposição — sim, porque no Brasil há tipos de ciência diferentes, a ciência boa e a ciência ruim, conforme a opinião política do cientista. Só três países, em todo o planeta, vacinaram mais que o Brasil.
Dois deles são a China e a Índia, os maiores produtores de vacinas do mundo; além disso, a China tem 1,44 bilhão de habitantes, e a Índia, 1,38 bilhão. O outro são os Estados Unidos, país que tem um PIB de 21 trilhões de dólares, mais de dez vezes superior ao brasileiro, e também está entre os maiores exportadores; o “auxílio emergencial”, lá, equivale a mais de R$ 6 mil. Por que, então, o Brasil fracassou?
“Vacinas para todos”, pede oficialmente a oposição. O país, na opinião da Frente Nacional Pró-Vírus, já deveria ter vacinado a população inteira, no mínimo — mesmo sem produzir aqui um único frasco de vacina, e depender 100% da importação de matéria-prima estrangeira. Os atrasos nas exportações de insumo por parte da China não são culpa da China — são culpa “do Bolsonaro”.
Há o argumento, também único, de que o Brasil vacinou apenas um terço da sua população total até agora — e a Inglaterra, ou Israel, já vacinou quase todo mundo. A Inglaterra tem um quarto da população do Brasil, além de ser um dos países que inventaram a vacina; Israel, então, não chega a ter 10 milhões de habitantes, e sua área é um pouco maior que a ocupada pelo território de Sergipe. Faça as suas contas.
∗ O Brasil é o único país no mundo onde o principal candidato da oposição, do centro moderado e dos defensores da democracia às eleições para presidente de 2022 é um ladrão condenado legalmente pela Justiça, em terceira e última instância, por nove juízes diferentes, por ter praticado os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. A mídia, o mundo político e os institutos de “pesquisa de intenção de voto" também já decidiram que ele está eleito, quase um ano e meio antes da eleição — escolhe-se, no momento, o seu ministério, e discute-se a sério qual o cargo que vai ser ocupado pela ex-presidente Dilma Rousseff, que foi, ela própria, despejada do Palácio do Planalto por fraude contábil cinco anos atrás.
∗ O Brasil é o único país no mundo onde um ministro do Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte de Justiça da nação — no caso, o ministro Antonio Dias Toffoli —, reúne em si próprio, e ao mesmo tempo, as seguintes condições:
• Recebia, e só parou de receber depois que descobriram, uma mesada de R$ 100 mil da própria mulher, que é advogada num escritório da capital federal com causas em julgamento no tribunal onde o marido dá expediente.
• Teve reformas na sua casa em Brasília, no valor de R$ 15 mil, pagas por uma empreiteira de obras públicas, quando já era ministro do STF.
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J. R. Guzzo, colunista - Revista Oeste