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segunda-feira, 7 de junho de 2021

Só no Brasil - Somos o único país no mundo onde há uma CPI 'para investigar a covid' na qual o presidente, um Omar Aziz, foi investigado pela PF por corrupção na área de saúde - Revista Oeste

J. R. Guzzo 

Somos o único país no mundo onde há uma CPI 'para investigar a covid' na qual o presidente, um Omar Aziz, foi investigado pela PF por corrupção XXXXL-plus na área de saúde 

 

No tempo em que o patriotismo ainda era um sentimento lícito, e o sujeito não precisava se esconder para dizer que gostava do Brasil e de ser brasileiro, ninguém achava nada de mais que um professor de ginásio recomendasse a leitura de algumas páginas de Porque Me Ufano do Meu País, do conde Afonso Celso. Hoje em dia, é claro, não passa pela cabeça de ninguém fazer algo parecido — principalmente numa dessas escolas que cobram mensalidades de R$ 10 mil, exigem a “inclusão social” e chamam alunos e alunas de “alunes”. O infeliz que citar um texto assim na sala de aula vai ser posto no olho da rua, sob o aplauso dos pais, acusado de vício fascista, direitista ou até bolsonarista. Já imaginaram? Melhor não imaginar nada. Tudo bem: mesmo naquela época de inocência, o texto já era visto como um belo exagero em matéria de ingenuidade. Nos dias de hoje, porém, o buraco é muitíssimo mais embaixo.

O problema não é só o risco de parecer bobo, ou de ser denunciado pela prática de crime ideológico. Com o país do jeito que está, até o patriota mais otimista não vê motivo para se orgulhar de nada — não em qualquer coisa que tenha algo a ver com a maior parte da vida pública nacional. Orgulhar-se de quê? Ao contrário. Onde se dizia que o Brasil era um lugar único no mundo, porque nosso céu tem mais estrelas, nossos bosques têm mais vida e nossa vida mais amores, hoje se diz: ”Só no Brasil é possível um negócio desses”. Você sabe muito bem o que significa esse “só no Brasil”, e que “negócios” são esses. Significa que o Brasil é o único país, entre outros mil (ou pelo menos os 200 e tantos que estão na ONU), onde acontece um certo tipo de aberração em modo extremo — tão extremo que não é possível, segundo a lógica comum, encontrar nada de equivalente em qualquer outro ponto do planeta.

A lista desses despropósitos é uma obra em aberto. Cada um pode fazer a sua, com quantos itens quiser — e a qualquer hora do dia ou da noite, mesmo fora do horário de expediente público, a relação dos tops de linha pode ser aumentada por uma alucinação novinha em folha. 
Feita essa ressalva, segue abaixo, com data de hoje, o pretinho básico, estritamente básico, em termos de “só no Brasil”.
O Brasil é o único país no mundo onde há uma CPI “para investigar a covid” na qual o presidente, um Omar Aziz, tem a seguinte anotação em sua folha corrida: foi investigado pela Polícia Federal por corrupção XXXXL-plus na área de saúde. (Não é piada; é o presidente mesmo.) Mais: sua mulher foi para a cadeia acusada de meter a mão em dinheiro público, também em questões de saúde. (Também não é piada; é a mulher dele mesmo, e foi mesmo para a cadeia.) Mais: além da mulher, nada menos do que três irmãos do homem foram presos nesse mesmo rapa e, mais uma vez, não é piada
Mais: dos 81 senadores que representam as 27 unidades da Federação, o escolhido para presidir as investigações vem, justamente, do Amazonas, o lugar onde mais se roubou no Brasil, e possivelmente no mundo, por conta das despesas públicas com a covid. 
A PF, por sinal, acaba de realizar busca e apreensão na casa e nos escritórios do atual governador do Estado, Wilson Lima, em mais uma operação para combater a ladroagem na compra de respiradores; um dos investigados, um dono de hospital a quem ele deu um contrato, recebeu a polícia à bala.

Como é possível que uma pessoa que jamais teve problemas com a Justiça seja interrogada por alguém com a ficha de Renan Calheiros?

Não gostou do presidente? Espere, então, pelo relator. Trata-se de ninguém menos que Renan Calheiros — o “Atleta” da lista de políticos corruptos registrados nos computadores do departamento de roubalheira da empreiteira Odebrecht, e um dos senadores mais encrencados com a Justiça criminal em todo o sistema solar. A presença de Renan nesse picadeiro é ainda mais inexplicável que a de Omar; do outro, pelo menos, ninguém tinha ouvido falar até a CPI. Mas o relator já está nessa vida há 30 anos. Como é possível que ele investigue alguma coisa? 

Como é possível que dezenas de pessoas que jamais tiveram o mínimo problema com a polícia, ou que jamais foram processadas por alguma coisa na Justiça penal, sejam interrogadas por alguém com a sua ficha? Renan, no papel misto de delegado de polícia, promotor e juiz, frequenta todos os dias as primeiras páginas e horários nobres da mídia como se fosse um Santo Tomás de Aquino, pelo menos. Mas ele é apenas o Renan Calheiros de sempre, que no momento responde a nove processos por corrupção. (Não são dez, nem onze, nem doze: as “agências de checagem de fake news” já fizeram questão de dizer que tudo isso é notícia falsa — são só nove processos penais no lombo, nem um a mais. Ah, bom. Ainda bem que avisaram.)

O Brasil é o único país no mundo onde o presidente da República é acusado de ser o responsável por quase 470 mil mortes causadas até agora pela covid, pelo que informam os atestados de óbito. No resto do mundo já morreram, até agora, cerca de 3,5 milhões de pessoas; segundo a oposição, os comunicadores e as classes intelectuais brasileiras, desses 3,5 milhões, por volta de 3,1 milhões não são culpa de ninguém. Só os mortos do Brasil são culpa do governo.

O Brasil é o único país no mundo onde uma campanha de vacinação que já aplicou perto de 70 milhões de doses em pouco mais de três meses é considerada um fracasso pelos cientistas de oposição — sim, porque no Brasil há tipos de ciência diferentes, a ciência boa e a ciência ruim, conforme a opinião política do cientista. Só três países, em todo o planeta, vacinaram mais que o Brasil. 

Dois deles são a China e a Índia, os maiores produtores de vacinas do mundo; além disso, a China tem 1,44 bilhão de habitantes, e a Índia, 1,38 bilhão. O outro são os Estados Unidos, país que tem um PIB de 21 trilhões de dólares, mais de dez vezes superior ao brasileiro, e também está entre os maiores exportadores; o “auxílio emergencial”, lá, equivale a mais de R$ 6 mil. Por que, então, o Brasil fracassou? 

“Vacinas para todos”, pede oficialmente a oposição. O país, na opinião da Frente Nacional Pró-Vírus, já deveria ter vacinado a população inteira, no mínimo — mesmo sem produzir aqui um único frasco de vacina, e depender 100% da importação de matéria-prima estrangeira. Os atrasos nas exportações de insumo por parte da China não são culpa da China — são culpa “do Bolsonaro”.

Há o argumento, também único, de que o Brasil vacinou apenas um terço da sua população total até agora — e a Inglaterra, ou Israel, já vacinou quase todo mundo. A Inglaterra tem um quarto da população do Brasil, além de ser um dos países que inventaram a vacina; Israel, então, não chega a ter 10 milhões de habitantes, e sua área é um pouco maior que a ocupada pelo território de Sergipe. Faça as suas contas.

∗ O Brasil é o único país no mundo onde o principal candidato da oposição, do centro moderado e dos defensores da democracia às eleições para presidente de 2022 é um ladrão condenado legalmente pela Justiça, em terceira e última instância, por nove juízes diferentes, por ter praticado os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. A mídia, o mundo político e os institutos de “pesquisa de intenção de voto" também já decidiram que ele está eleito, quase um ano e meio antes da eleição —  escolhe-se, no momento, o seu ministério, e discute-se a sério qual o cargo que vai ser ocupado pela ex-presidente Dilma Rousseff, que foi, ela própria, despejada do Palácio do Planalto por fraude contábil cinco anos atrás.

O Brasil, como outros países, tem uma lei que proíbe réus condenados pela Justiça penal de ocupar cargos públicos
Mas só aqui se consegue manter uma lei em vigor e, ao mesmo tempo, permitir que os interessados não façam nada do que está escrito nela — a saída, outra solução estritamente nacional, é dizer que o réu foi julgado num lugar e deveria ter sido julgado em outro. 
Nem é preciso inventar que ele não cometeu os crimes pelos quais foi condenado, ou perder tempo com qualquer fato que envolva a discussão de culpa ou de inocência: basta dizer que erraram de “foro”.

O Brasil é o único país no mundo onde um ministro do Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte de Justiça da nação no caso, o ministro Antonio Dias Toffoli —, reúne em si próprio, e ao mesmo tempo, as seguintes condições:

Foi reprovado duas vezes — isso mesmo: duas vezes seguidas — no concurso público para juiz de direito, o que significa o seguinte, em português claro: 
ele não está autorizado a julgar nem uma ação de despejo na comarca de Arroio dos Ratos, por falta de habilitação profissional, mas pode dar sentença sobre qualquer coisa no tribunal máximo do Brasil.

• Recebia, e só parou de receber depois que descobriram, uma mesada de R$ 100 mil da própria mulher, que é advogada num escritório da capital federal com causas em julgamento no tribunal onde o marido dá expediente.

Teve reformas na sua casa em Brasília, no valor de R$ 15 mil, pagas por uma empreiteira de obras públicas, quando já era ministro do STF.

É acusado de receber propinas no valor de R$ 4 milhões e, no julgamento que o STF fez do caso — sobre a validade da delação feita contra ele —, não achou nada de mais em julgar a si próprio. Também não achou nada de esquisito em declarar a delação inválida e, com isso, julgar-se inocente. 
Salvo o ministro Marco Aurélio, nenhum dos seus dez colegas de Corte Suprema imaginou que Toffoli deveria abster-se do julgamento. Ficamos assim, então. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pode ser investigado já.  
O presidente da República tem cinco dias para explicar por que não usa máscara
O governo tem três anos para resolver o problema das penitenciárias no Brasil — tudo por decisão do STF. E Toffoli? Nele é proibido mexer.
∗ O Brasil é o único país no mundo onde as pessoas existem ou deixam de existir, fisicamente, conforme a percepção visual, ética e política dos jornalistas. “Milhares saem às ruas contra Bolsonaro”, anunciaram alguns relatos sobre manifestações públicas no último fim de semana. Deveria ter sido noticiado, então, que “milhares saem às ruas a favor de Bolsonaro”, quando aconteceu a mesma coisa no fim de semana anterior, certo? Errado. Fotos, vídeos e testemunhos pessoais atestam a presença de gente nas duas ocasiões. 
Mas, segundo a mídia militante, há duas categorias de gente, como no caso dos cientistas — a gente que existe e a gente que não existe. A gente de quem você não gosta não existe.

Leia também “O bloqueio psicológico da imprensa”

J.  R. Guzzo, colunista - Revista Oeste


segunda-feira, 31 de maio de 2021

Por que as pesquisas erram tanto - Revista Oeste

Entenda as razões pelas quais o trabalho dos institutos que aferem tendências da opinião pública exibe cada vez mais inconsistências 

De tempos em tempos, e com intervalos cada vez mais curtos à medida que o calendário eleitoral se aproxima, a história se repete: os institutos de pesquisa colocam na praça levantamentos que, mais tarde, não conferem com o resultado das urnas. Nas últimas semanas, um novo fenômeno saltou aos olhos do brasileiro, seja ele o ainda adepto do #fiqueemcasa ou aquele que perdeu o medo de voltar às ruas. Em 30 dias, ao menos cinco levantamentos sobre a corrida presidencial do próximo ano apresentaram números diferentes — em alguns casos, com disparidade gritante.

Foto: Shutterstock

Antes de mais nada, é importante pontuar que o xadrez político para 2022 embaraça os institutos de pesquisa já na largada: como elaborar um cenário que agrade às redações do consórcio da mídia mainstream, no qual a tão desejada “terceira via” tenha musculatura para enfrentar o ex-presidente Lula e o atual, Jair Bolsonaro? E como achar esse nome sem que ele exista somente na prancheta do entrevistador — ou seja, muito além da cabeça do eleitor? É ali que começa a confusão. Nessa hora, alguém cita um governador que dá sinais de não ter votos sequer para buscar a reeleição, aparecem apresentadores de televisão, youtubers e políticos que só o editor da própria manchete conhece — como o “Joe Biden brasileiro” ou o onipresente ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro, que não quer nada com isso. Ao final, o que sobra é Ciro Gomes (PDT), sempre com menos porcentual de intenções de voto do que “os que não sabiam ou não responderam” ao questionário.

Recentemente, o instituto Paraná Pesquisas fez um comparativo entre os resultados de cinco sondagens para a eleição presidencial — uma delas, feita por eles. O resultado está abaixo. Colocadas numa régua, as intenções de voto de Lula nas cinco empresas variam de 29 a 41 pontos, e as de Bolsonaro, de 23 a 37 pontos.

Não por acaso, foi justamente a mais barulhenta delas a que rende manchetes até agora para a turma “meio intelectual, meio de esquerda”. Segundo o Datafolha, Lula teria hoje 41% das intenções de voto, ante 23% de Bolsonaro. No segundo turno, seria uma “barbada”: 55% a 32%. O leitor mais cético poderia se lembrar que na noite de 28 de setembro de 2018, dez dias antes da eleição, o mesmo instituto informou, em pesquisa encomendada pelo jornal Folha de S.Paulo e pela TV Globo, que Bolsonaro perderia para o petista Fernando Haddad em eventual segundo turno (45% a 39%). No mesmo dia, o portal UOL estampou a seguinte manchete: “Datafolha: Bolsonaro perde em todos os cenários de 2º turno; Ciro vence Haddad”.

Segundo o Datafolha, neste 2021, depois de passar muito tempo procurando pessoas pelo telefone na pandemia, seu time foi a campo nos dias 11 e 12 de maio. Fizeram-se 2.071 entrevistas com potenciais eleitores (acima de 16 anos) em 146 cidades. O que se sabe sobre quem respondeu é o seguinte: “As entrevistas foram realizadas mediante aplicação de questionário estruturado, com cerca de 25 minutos de duração. A checagem cobriu, no mínimo, 20% do material de cada entrevistador”.

Linha de produção
O questionário dessas sondagens, principalmente as telefônicas, é intrigante por si só porque, antes do ano eleitoral, ninguém tem acesso à estratificação dos dados. A legislação só reza sobre os levantamentos realizados dentro do calendário eleitoral — conforme o artigo 33 da Lei nº 9.504/1997 e as resoluções sempre atualizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na véspera do pleito. Questionar o estrato de uma pesquisa, portanto, torna-se tarefa hercúlea: quem foram os 2.000 eleitores ouvidos durante a pandemia, aliás, por telefone ou on-line —, onde e como eles foram localizados? 
Quantas perguntas foram feitas e em que ordem elas foram respondidas? Qual era o enunciado da questão? Se há algo possível de afirmar para além da ciência estatística, é que nessas dúvidas podem estar muitas respostas.
Na última terça-feira, 25, a reportagem de Oeste testou (fora de qualquer campo oficial de pesquisa) uma dessas abordagens telefônicas robotizadas feitas em maio para entender como elas funcionam. O diretor da empresa pediu sigilo da fonte. Não é nada muito diferente, leitor, de uma tentativa de conversar com o atendente virtual de uma TV por assinatura ou da bandeira do seu cartão de crédito: “Se você aprova o governo Bolsonaro, disque 1”; “Se você é do sexo masculino, disque 1; feminino, disque 2; se não quer declarar seu sexo, disque 3”; e por aí vai, com perguntas que misturam cenários eleitorais com avaliações sobre a gestão pública na área de saúde, o nível de satisfação com o atual presidente e o desempenho da CPI da Covid no Senado. Ao término, resta uma dúvida: quem é o cidadão que fica 25 minutos teclando no aparelho celular para responder a uma pesquisa dessas
Mais: qual o grau de confiabilidade que se tem sobre quem está do outro lado da linha respondendo à enquete?

Outro detalhe deve ser destacado: a guerra de preços das pesquisas in loco durante a pandemia foi voraz. Para levar uma equipe de profissionais confiável a campo, um instituto tradicional cobrava, antes da crise do coronavírus, até R$ 200 mil de uma emissora ou editora, valor muitas vezes compartilhado entre elas — como sempre fazem as TVs e os jornais/portais de notícia. Mas uma sondagem telefônica como a citada acima custa, em média, R$ 0,10 para cada ligação, no máximo, conforme a operadora. Ficou mais barato pesquisar na pandemia.

O questionário do Vox Populi, feito de 12 a 16 de maio em 116 municípios, com 40 telas em PowerPoint, também é autoexplicativo. Oeste apresenta parte das perguntas formuladas:

1) Como você se sente hoje em relação ao Brasil? Está satisfeito ou não?
2) Qual é o melhor presidente que o Brasil já teve?
3) Qual é o pior presidente que o Brasil já teve?
4) Embora as eleições para presidente ainda estejam longe… Se a eleição fosse hoje, em quem você votaria?

Esse roteiro já bastaria, mas piora ao longo do percurso. Seguem outras perguntas:

•   “Quando Bolsonaro foi eleito, muitas pessoas achavam que ele era um cara diferente, que ia mudar a política e fazer um governo mais próximo das pessoas comuns. Hoje, dois anos e meio depois, você acha que Bolsonaro é o que ele dizia ser, ou não?”

• “O Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes pelo coronavírus. Na sua opinião, quanto Bolsonaro é responsável pelas mortes por coronavírus no Brasil?”

Outra:
•  “Pelo que você viu ou ficou sabendo, você acha que Lula e o PT foram perseguidos nos últimos anos, com o impeachment da Dilma e a prisão de Lula, ou não houve uma perseguição contra eles, foram tratados da mesma maneira que outras lideranças políticas e partidos?”

Em setembro do ano passado, uma reportagem intitulada “Alerta: Pesquisas à vista”, da jornalista Selma Santa Cruz, publicada na Edição 24 da Revista Oeste, dizia: “Apesar de todo o vigor exibido em campanhas contra as chamadas fake news, a ponto de se aplaudirem medidas de censura, infelizmente ainda não se vê por aqui nenhuma mobilização para combater as fake polls. Caberá aos eleitores ficar alertas para não serem manipulados inadvertidamente”.

Na era da patrulha das agências checadoras de informações alheias a serviço das redações, fica uma sugestão: as pesquisas deveriam ser verificadas com lupa e, se os números não batessem com os fatos (mobilizações nas ruas em plena pandemia, por exemplo), poderiam ser devidamente rotuladas com a tarja que elas tanto gostam de colar: fake.

Silvio Navarro - Revista Oeste


segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Chefe do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx) relata como o ensino de militares precisou continuar na pandemia

Ante à impossibilidade de parar, chefe do Departamento de Educação e Cultura relata como o Exército se preparou para formar quadros

No Exército, a preocupação e os desafios não foram diferentes: como manter uma máquina educacional funcionando e formando jovens e militares de carreira sem que a qualidade ficasse comprometida. Nesta entrevista ao Correio, o chefe do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx), general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, salienta que, em todo o tempo, a máquina se manteve funcionando para que as soluções fossem encontradas –– mesmo porque, a Arma tem um compromisso permanente com a defesa do país e, portanto, não tem como interromper as atividades. “No que consiste às orientações do comandante do Exército, posso dizer que foram simples: preservar a família militar e manter a operacionalidade”, observa o general.

Para o chefe do DECEx, entre as adaptações realizadas, uma teve especial sucesso: a conjugação entre o ensino presencial e o virtual. O general, aliás, coloca-se à disposição para debater, com educadores e as redes de ensino privada e pública, o sucesso da experiência dos colégios militares durante a pandemia.

O tema do momento é a vacinação contra a covid-19. Há alguma previsão para quando a imunização será feita com os militares?
Isso fará parte de uma diretriz nacional, que vai ser encampada pelo Ministério da Saúde. Seguramente, temos um centro de operação de saúde do Exército que trabalhou o tempo todo, foi montado pelo comandante do Exército (Edson Pujol) para atender a todas as medidas sanitárias, orientar para dentro da Força. À semelhança do que tem acontecido com as outras vacinas, haverá prioridade para os profissionais da área de saúde, pessoas idosas, com comorbidades e pessoas que não podem parar. Seguiremos o faseamento determinado pelo ministério.

Mas, essa vacina será obrigatória ou ficará a critério de cada um?
Vai depender da interpretação da lei. Hoje, a vacina não é obrigatória, mas temos algumas que constam como regularmente aplicadas a todos aqueles que incorporam. Outras não –– vai depender da interpretação. Mas, aqui é diferente, pois cumprimos ordens. Quando o camarada entra na escola militar, e se tem um programa de vacinação, vamos vacinar todo mundo. O cara está constantemente em risco, é diferente. Quando se entra para a junta militar, há o cuidado e, a depender da missão, toma-se uma bateria de vacinas. Quando fui para o Haiti, por exemplo, tomei sete vacinas no mesmo dia.

Nada muda?
Absolutamente nada, porque o serviço continua e é essencial. Uma coisa tenho certeza: o ano que vem será melhor do que este ano. Porque já temos a expertise. Se conseguimos não parar neste ano, no ano que vem é que não iremos parar mesmo. Temos todas as condições, convicções de que o sistema tem plena condição de funcionar em segurança. Ainda mais com as vacinas que virão. E elas virão, é uma questão de decisão. E, nós estamos totalmente fora de qualquer contexto de discussão política.

Quais os principais esquemas montados para garantir a continuidade das escolas de formação durante a pandemia?
O sistema de educação e cultura do Exército é complexo. Envolve uma educação customizada, profissional, voltada para a formação de quadros, além de uma parte assistencial, dos colégios militares. A maior parte é voltada para proporcionar a formação, qualificação necessária para que os camaradas desenvolvam as habilidades e preencham os quadros, o que está diretamente envolvido com a operacionalidade da Força. Neste ano, temos cerca de 42 mil alunos passando pelo sistema, sendo 39 mil presenciais. Quando a pandemia chegou, o alto comando recebeu orientações do comandante do Exército e diretrizes também do ministro da Defesa (Fernando Azevedo e Silva). No que consiste às orientações do comandante do Exército, posso dizer que foram simples: preservar a família militar e manter a operacionalidade. Dentro da operacionalidade da Força, temos um compromisso em continuar formando, já que somos uma atividade essencial. Esse é o caso das academias militares, escolas de formação de sargentos, curso de formação de oficiais médicos, por exemplo. Todo esse pessoal, já do quadro militar, estava sujeito, em caso de necessidade, a ser utilizado. Desde o começo, a nossa intenção — de acordo com as diretrizes do comandante do Exército e que virou uma diretriz minha para o sistema — era a de não parar, tomar as medidas sanitárias para que a gente pudesse permitir prosseguimento das atividades.

Quais foram as principais preocupações?
Me preocupava especialmente com os cerca de 4,5 mil militares que estavam no sistema de internato. Esse pessoal não parou. Tivemos uma série de adaptações, flexibilizações e um acompanhamento sanitário muito acirrado. As pessoas tiveram muita responsabilidade, os alunos tiveram muita compreensão. No momento inicial, em março, optamos por mantê-los mais reclusos para protegê-los. Isso nos permitiu até mesmo um adiantamento de conteúdos presenciais, em acordo com os alunos. A residência do interno é a escola. Por esses fatores, e também porque tínhamos problemas com transportes, ele passou praticamente dois meses internado.
Depois disso, começamos a fazer saídas restritas para que os internos pudessem visitar familiares, fazer compras básicas. Permitimos saídas controladas e cuidando, monitorando muito acirradamente. Foi preciso mudar procedimentos. No primeiro semestre, diminuímos as atividades de campo mais intensas, conseguimos fazer tudo com cuidado. E, à medida que a pandemia foi passando, fomos alterando medidas e flexibilizando de local para local. Desta forma, no segundo semestre, começamos a ver que dava para fazer as atividades mais intensas. Essa experiência de preparo foi uma experiência exitosa e apresentá-la à sociedade é uma forma de mostrar que é possível manter atividade de educação presencial com cuidado.

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