J. R. Guzzo
Não está clara qual a utilidade de um Parlamento que tem leis pura e simplesmente eliminadas pelo Judiciário
O Congresso
brasileiro está a ponto de se tornar uma repartição pública inútil – ou
um desses enfeites que as ditaduras mantêm para fingir que são
democracias, mas que não mandam nada, não representam ninguém e não têm,
na prática, a mais remota possibilidade de contrariar a vontade e as
decisões de quem de fato governa o país.
O Congresso Nacional existe,
faz votações em plenário e produz outros ruídos
próprios dos regimes democráticos.
Também custa R$ 40 milhões por dia,
ou R$ 14 bilhões por ano – o que talvez leve o pagador de impostos a se
perguntar se há algum arcabouço fiscal capaz de resistir a um negócio desses.
Mas
e daí? Cuba tem um Congresso. A China também. Até a Coreia do Norte tem
o seu; chama-se “Assembleia Popular Suprema”, que é formada, imaginem
só, por 687 deputados, um por distrito, e com mandatos de cinco anos.
O
Brasil, do jeito que vai, está ficando cada vez mais parecido com essas
notáveis democracias populares.
Talvez, aqui, se faça mais simulação de
atividade; às vezes, pelo barulho, até parece que há um Parlamento de
verdade em funcionamento. Mas na vida real não acontece nada.
Sua
capacidade de se opor ao consórcio STF-Lula, que é quem decide tudo neste país, é de três vezes zero.
O
que esperar de um Congresso onde a oposição consegue montar, depois de
muito esforço, uma comissão parlamentar de inquérito para apurar
suspeitas de má conduta por parte do governo – e essa comissão acaba sendo controlada justamente pelo governo?
Os requerimentos dos parlamentares da oposição são negados,
testemunhas-chave são excluídas, possíveis provas são bloqueadas.
Vão
acabar concluindo que o presidente da República, seus ministros e quem
mais eles quiserem são inocentes de tudo; os culpados, na verdade, são
os que quiseram investigar.
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Não
está clara, também, qual a utilidade de um Parlamento que tem as suas
leis pura e simplesmente eliminadas pelo STF – qualquer lei, sobre
qualquer tema, desde que o governo ou os próprios ministros não gostem
de alguma delas.
É o caso, neste momento, da lei que a Câmara acaba de
aprovar, por 283 a 155, estabelecendo regras para a demarcação de terras indígenas.
Apesar da flagrante maioria na votação, e do fato de que é essa a
vontade do povo brasileiro – que só o Parlamento pode expressar –, o STF
está para anular a lei.
Os ministros acham que ela é “injusta”; pronto,
lá se foi a lei.
O Congresso, da mesma forma, não é capaz de defender
os mandatos dos seus próprios integrantes. Acabam de cassar um deputado, preparam-se para cassar um senador, ambos da “lista negra” da associação STF-Lula. Câmara e Senado nem abrem a boca.
J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo