Militares adotam moderação, ao contrário de civis
O colapso da ditadura venezuelana expôs uma situação paradoxal em
Brasília. Militares da ativa e aposentados empregados no Planalto têm
expressado mais convicção na saída política do que civis representantes
do Brasil na mesa diplomática.
A cacofonia deriva do embate entre a curadoria militar do governo Jair
Bolsonaro e o agrupamento civil em torno do chanceler Ernesto Araújo,
que é amparado por um dos filhos do presidente, o deputado Eduardo. Os choques ocorrem na definição de limites ao alinhamento do Brasil com
os EUA. Existe interesse nas ofertas americanas para tecnologias bélicas
inéditas no país. Mas há, também, ambiguidades que as Forças Armadas
acham útil preservar. Por exemplo, em negociações na área nuclear, onde
se explora um acordo.
Não incomoda a cruzada contra o “domínio cultural esquerdista-marxista”,
como define o deputado Bolsonaro. Até porque nada se cria do nada. O
centro da divergência está na condução da política externa a reboque do
ideário fundamentalista. O debate sobre a hipótese de invasão da Venezuela tem sido exemplar, com
veto unânime dos militares. Em contraste, a chancelaria tem elevado o
tom nos ultimatos ao condomínio de cleptocratas da “revolução” chavista
—a “robolución”, como é conhecida em Caracas. Araújo insiste na sintonia com a ala mais belicista de Washington, que
vê na queda da ditadura de Maduro, com reflexos em Havana e Manágua,
fator de influência no voto latino majoritário na Flórida, estado
decisivo à reeleição de Trump.
No domingo, o Itamaraty atacou o “caráter criminoso” de Maduro, pelo
“brutal atentado aos direitos humanos”, injustificável “no direito
internacional”. Se adjetivos são úteis à diplomacia, substantivos
errados em política externa ampliam cemitérios.
Na premissa, a chancelaria flerta com a admissão de guerra civil na
Venezuela. Na lógica de Estado, esse raciocínio leva à legitimação do
intervencionismo. A base está nos protocolos da Convenção de Genebra que
proíbem a submissão da população civil à fome, como método de combate.
José Casado, jornalista - O Globo