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sábado, 9 de setembro de 2023

O canto sofrido no silêncio do peito - Percival Puggina

        Ao longo do dia de ontem, abri duas exceções à sábia decisão de não mais assistir a alguns canais de televisão. Desconheço suas programações. A exceção consistiu em não mais de cinco minutos, somados os tempos perdidos diante da tela, vendo imagens mostradas em dois ou três desses veículos.

Em pensamento, exclamei: “Bem feito!”. Colheram o que plantaram, numa sinistra mistura para a qual uns contribuíram com arrogância, tirania, desprezo às leis da República, à sociedade e suas opiniões, enquanto outros aportavam doses maciças de submissão, omissão, cumplicidade e semeadura de ódio. Imagino o que ia nas mentes de ambas as vertentes que ali se amalgamavam, constrangidas, diante da silenciosa e gigantesca vaia nacional!

A quem era essa vaia dirigida? A quem? É pouco provável que alguém, ali, escapasse ao desdém expresso no silêncio federal, estadual e municipal daquelas horas.  

Os dias anteriores evidenciaram o zigue-zague das avaliações oficiais. Segundo a Gazeta do Povo, o ministro Flávio Dino alertou o governo do Distrito Federal para possíveis atos organizados pelas redes sociais e colocou a Força Pública à disposição. 
O governo federal constituiu um Gabinete de Mobilização Institucional e o governo do Distrito Federal afirmou que as corporações (Polícia Civil e Polícia Militar) estavam vigilantes contra eventuais ameaças. 
Pouco depois, as notícias eram de que o ambiente nacional estava tranquilo. Cemitérios são, sim, locais bastante tranquilos. O féretro da liberdade, também.

Há um provérbio que parece aplicável ao caso sobre a má experiência de certo gato com água quente, mas o felino da história não pôs a água para ferver.

O jornal O Globo, em acesso de lulismo, deixou de lado o xoxo evento de 2023 e atacou o do ano passado, Bolsonaro e suas aparentemente “injustificáveis” críticas a ministros do STF
À época, lembro bem, alguns ativíssimos protagonistas do ambiente político nacional badalados pela Folha, pelo Estadão e pelo O Globo haviam decidido que era pouco saudável emitir opinião negativa a seu respeito. 
 
O 7 de setembro de 2023 tornou-se uma espécie de identificação facial, facilmente reconhecível, da triste “democracia” brasileira. Democracia entre aspas, sim, transformada em serventia dos donos do poder. 
Durante anos, parcela expressiva da sociedade brasileira gritou nas ruas e praças do Brasil para instituições cujas maiorias lhe viraram as costas. Muitos pagaram caríssimo pelo atrevimento de dissentir.

Silenciar neste 7 de setembro não é sinal de consentimento. Bem ao contrário, equivaleu a um ruidoso ato de resistência para quem o amor à Pátria cantou sofrido no silêncio do peito.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

domingo, 5 de dezembro de 2021

E O RADICAL SOU EU? - Adriano Marreiros

Todo bandido deveria conhecer uma cadeia antes de cometer crimes.

Todo juiz deveria visitar os hospitais e cemitérios onde estão as vítimas dos bandidos.

Toda prisão deveria ter, na entrada, uma galeria com fotos dos criminosos presos e a descrição dos crimes que eles cometeram.

 Um sistema de justiça criminal decente deveria proteger e beneficiar a vítima, não o criminoso."

 Roberto Motta

Outro desenho que era muito legal e que não passa mais (sem propaganda infantil acabou tudo...) era “O Fantástico Mundo de Bob”.  Podemos dizer que era algo que bem mostrava como uma criança via o mundo.  Em certo episódio praticamente todos os adultos disseram alguma vez a ele:  “se fulano se jogar da ponte você também vai se jogar?”.  Sim, nossa mãe também já nos disse isso, nossa avó, nosso tio...  Bob, no entanto, com sua lógica infantil que ainda não discernia o real da fantasia, e que não tinha a menor ideia de prioridade, respondia perguntando, sem entender a mensagem e cada vez mais exasperado: “mas que ponte?!!!”

Tenho visto muita gente se jogar infantilmente da ponte só porque outros o fizeram e eles também não têm a menor idéia de que ponte era essa.  Sequer conseguem vê-la na sua frente, apesar de estarem nela há muito tempo, como se fora o Piu-piu mencionado na crônica passada.  Bob não entendia a linguagem figurada:  essa turma não entende linguagem nenhuma, apenas desprezam argumentos fortes, repetem frases prontas e não pensam nas consequências.  Ainda mais que o papel aceita qualquer coisa e uma pena equilibrada sobre um papel pode resultar em  algo de dar pena, algo muito feio, uma imagem lamentável.  Algo que ajude a destruir o passado e condenar o futuro sem que o burocrata sem perspicácia sequer entenda o que fez.

Se não conseguem pensar por si próprios, se não conseguem perceber questões de causa e consequência,  deveriam perceber o equívoco ao notarem a alegria daqueles que devíamos combater ou dos que os defendem.  Toda vez que essa alegria é clara, é claro que vacilamos.  E eles sabem, como Napoleão, que não devem interferir quando nós estamos errando.  Quando estamos pulando da ponte, para imitar outros que já pularam e, com isso, estamos arremessando quem devemos defender.  Eles ficam  só acompanhando, batendo palmas, para depois colherem os frutos...

Ah, Adriano, você está sendo muito radical!”.  Estou?  Não vou te responder com nada novo... Já falei isso, em crônica que está no livro 2020 d.C. Esquerdistas Culposos e outras assombrações e,  e em vez ficar criando novidades, vou apenas repetir um trecho do que dissera naquele texto, parafraseando o Pessoa:

Nunca conheci quem tivesse sido radical

Todos que me cercam são moderados em tudo, isentos... isentões... modinhas[1]... “progressistas”...

E eu? Tantas vezes radical, tantas vezes fascista, tantas vezes ideológico...

Eu, tantas vezes tendencioso, parcial, miliciano digital

Que tenho espalhado “fake news” pelas redes mesmo quando digo verdades

Que tenho feito discursos de ódio apenas porque discordo de quem “eu não devia”...

Que tenho sofrido censura e calado

E que quando não tenho calado, tenho sido mais censurado ainda.

Eu que tenho sido cômico aos “garantistas” de plantão

Que tenho sentido o olhar blasé de bandidólatras e laxistas[2]

Eu que tenho me defendido com base nas liberdades da Constituição

E que quando a hora da mordaça chegou: as tenho tido negadas

Para fora da possibilidade da Constituição...

Eu que tenho sofrido a angústia da perda das coisas boas e belas do mundo

Verifico que quase não tenho pares nisto neste país.

Todo “progressista” que conheço, doloso ou culposo[3]

Nunca teve um ato radical, nunca assassinou reputações,

nunca atacou opositores, nunca criticou a imprensa,

nunca atacou argumentos com slogans e mantras,

nunca pregou intolerância com os conservadores,

nunca negou espaço a quem pensa diferente...

Nunca foram senão democratas nesta vida, grandes democratas...

Quem me dera ouvir uma voz franca que me confessasse não uma “firme” opinião, mas um duplipensar.

Que me dissesse uma palavra existente e não da novilíngua

Que assumisse uma usurpação e não uma interpretação...

Mas são todos, todos eles (com plural no masculino como manda a língua mãe do Fernando) todos democratas sem nódoa. 

Quem, neste país, confessaria sua vocação totalitária, oh, democratas, meus irmãos! 

Então só eu que sou odiento e radical nesta terra?

Poderão quebrar tudo, ameaçar idosos, avançar com violência sobre manifestantes pacíficos, execrar quem cumpre a Constituição, ofender quem aplica efetivamente a lei penal. Poderão  censurar, cancelar e até cometer crimes e abusos às vistas de todos, mas são “antifascistas”[4], são democratas: radicais?! Nunca!!!

Podem ter sido militantes em ambiente virtual, mas milicianos digitais: nunca!

Podem ter inventado um “novo” passado para alguém, mas divulgar “fake news” : nunca!

Podem ter escrachado e destruído reputações de opositores, mas discurso de ódio: nunca!

Podem ter apoiado isso tudo ou se omitido quando devia agir, mas partícipes: nunca!

Podem ter agido sem qualquer escrúpulo, mas radicais: nunca!

E eu, que tenho sido miliciano sem estar em nenhuma organização, eu que tenho dito fake News ao divulgar verdades e opiniões, eu que tenho feito discurso de ódio por dar opinião fundamentada e fazer crítica de fatos reais... Como poderei falar com esses meus iluminados superiores sem vacilar?

Eu que tenho sido radical, muito radical,

No sentido mais exagerado e infame do radicalismo!

Chega!  Estou farto de “progressistas” dolosos e culposos, de isentões e de modinhas!

Chamam conservadores de radicais e ideológicos quando o conservadorismo é justamente contra revoluções e contra ideologias[5].  Acusam-me do que eles fazem, xingam-me do que eles são.  E o radical sou eu?

Não conseguem enfrentar um bom argumento lógico, um argumento de realidade, um argumento de fatos, sem tentar distorcer, sem tentar desbordar, sem tentar ignorar e fingir que não foi dito, sem tentar tirar invenções ilógicas da cartola.  Precisam negar o debate para manter a hegemonia, precisam amedrontar todos os públicos por medo de serem desmascarados, precisam manter todos às cegas para implantar suas ideologias liberticidas. E o radical sou eu?

Precisam distorcer os diplomas legais, exercer poderes que não possuem e negar o poder àqueles de quem ele emana, mas o radical sou... EU?

Argh, estou farto de iluminados, estou farto do ódio “do bem”, estou farto do ativismo e do “garantismo” bandidólatra que despreza as vítimas e nos fez campeões de homicídios e outros crimes.

Argh, onde há democratas no Brasil?

 Continuemos procurando e buscando animá-los, porque já faz mais de um ano e nada melhorou...

O homem medíocre não acredita no que vê, mas no que aprende a dizer... (Olavo De Carvalho)

Na Tribuna Diária, publicado originalmente - Adriano Marreiros     

 

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Por que a revogação da PEC da bengala seria inconstitucional? - Sérgio Alves de Oliveira

Dos 209,5 milhões de brasileiros, ninguém mais do que aquele que  ora  vos escreve gostaria de ver a cabeça rolando  dos ministros do STF, Marco Aurélio ,Ricardo Lewandowski e Rosa  Weber, por aposentadoria compulsória, caso venha a prosperar a revogação da chamada  PEC Bengala,aprovada pela EC Nº 88/2015, após  10  anos de tramitação, desde 2005, de autoria do então senador gaúcho Pedro Simon, que passou  de 70 para 75 anos a idade de aposentadoria  obrigatória dos ministros do Supremo Tribunal Federal, dos diversos  tribunais superiores,e do Tribunal de Contas da União. E se houvesse qualquer  maneira de “aposentar” todos os 11 ministros do STF, e talvez outros dos demais tribunais, ainda seria melhor!!!

[Atualizando: os efeitos da chamada PEC da Bengala se estenderam a todos os funcionários públicos;

a PEC da Bengala foi fruto da mente fértil de algumas autoridades que se consideravam insubstituíveis - esquecendo, ou fingindo, em, que os cemitérios estão cheios de pessoas que se consideravam, ou eram consideradas, insubstituíveis.  

Tal PEC mostrou que a permanência de pessoas, notadamente autoridades, que estenderam seu tempo de serviço até os 75 anos, foi de pouca utilidade para o Brasil e algumas, talvez movidas por uma ranzinzice pós 75 anos, criaram mais encrenca, complicação, tumulto,  do que quando mais jovens, houve casos em que expediram comentários ou tomaram decisões, próximas a causar crise institucional.

Assim, defendemos a volta da aposentadoria compulsória aos 70 anos.] 

Ora, a PEC da Bengala,transformada na Emenda Constitucional Nº88/2015, aprovada pelo Congresso Nacional investido na condição  Poder Constituinte Derivado, altera a idade para aposentadoria compulsória dos agentes políticos antes citados, fixada originalmente  em 70 anos de idade, pelo Poder Constituinte Originário ,que aprovou a Constituição Federal vigente,de 1988.

Cogita-se agora de revogar,  ou simplesmente alterar, a citada Emenda Constitucional Nº 88 (PEC da Bengala), mediante proposição de nova PEC, retornando a idade  “original” para aposentadoria compulsória das autoridades citadas aos  70 anos.

Mas após essa singela exposição, confesso que acabo de entrar num terrível  conflito. Num terrível conflito ético entre  o meu “eu” pessoal, político e  ideológico, e o meu outro “eu”, aquele “profissional”, do operador do direito, do advogado. Explico: enquanto o meu “eu” pessoal pede a cabeça do maior número  possível de “ministros” dos tribunais em referência,”aparelhados” pela esquerda durante o seu longo tempo de domínio, especialmente  no Supremo, o meu “eu” de operador do direito pensa o contrário do “desejo” do  meu “eu” pessoal.

Essa “manobra” que estão tentando fazer na composição dos tribunais superiores de Brasília não passa de um escancarado golpe, de uma falcatrua política, de um conluio entre os Poderes Executivo e Legislativo, entre a Presidência da República e o Congresso Nacional, tendente a nomear, e aprovar, respectivamente, os 3 (três) novos  ministros do Supremo que substituiriam os outros 3 (três) ministros que sairiam por terem antes  atingido  os  70 anos de idade.

No entanto,essa manobra  por ”baixo dos panos”,não passa de flagrante  SIMULAÇÃO, com objetivos escusos, tendente a dar uma “harmonia” artificial, não expontânea, provocada, e  nada ética, entre, os Três Poderes Constitucionais, em prejuízo da seriedade desejada do “equilíbrio”, e da “independência” dos poderes, ferindo de morte a Teoria dos Três Poderes e  a balança de freios e contrapesos preconizadas desde Montesquieu, e hoje  adotadas  em todo o mundo livre e democrático.

Com essa “reforma” à vista, o que pretendem na verdade é alterar a composição  das forças políticas que vigoraram desde a instalação do Governo Bolsonaro, usando a “idade” como pretexto,pela qual os Poderes Legislativo (Congresso Nacional), e Judiciário (especialmente o STF), se uniram todo o tempo para boicotar e sabotar a governabilidade do país,ou seja,o Poder Executivo, ferindo os princípios da harmonia,equilíbrio e  independência entre os Três Poderes Constitucionais.

Toda essa situação significa dizer que se “antes” teve um inescondível conluio entre o Legislativo e o Judiciário no sentido de  boicotar e sabotar tanto quanto possível o Poder Executivo, a nova situação que se avizinha,caso revogada a PEC da Bengala, com a ”expulsão” dos 3 ministros  restantes com mais de 70 anos de idade, e a colocação de 3 novos ministros substitutos, do “agrado” dos Poderes Executivo e Legislativo, tudo facilitado pela  eleição dos  novos  presidentes  das Duas Casas Legislativas,de certo modo “centristas” e “bolsonaristas”, se inverte, e agora o “conluio” passaria a ser entre outras “partes”, entre o Poder Executivo e o Legislativo, “contra” o Poder Judiciário,que teria  a sua composição alterada por uma “manobra” política antiética  e flagrantemente “simulada” dos outros Dois Poderes.

Mas por expressa disposição do artigo  167 do Código Civil Brasileiro,”É nulo o negócio  jurídico simulado...”.  E  observe-se que nem se trata de “anulabilidade” de negócio  jurídico,ou seja,da possibilidade de provocar a anulação do negócio  jurídico,e sim da sua nulidade  absoluta,de “pleno jure”, não podendo surtir qualquer efeito no mundo jurídico.  

Na verdade o Código Civil meramente “exemplifica” algumas  hipóteses de ocorrência de negócio jurídico NULO, por incidência de SIMULAÇÃO na sua estrutura, o que o faz nos incisos I,II e III do parágrafo 1º do citado artigo 167.  Mas as hipóteses de simulação do negócio jurídico, geradora de  sua nulidade absoluta, não se restringem às hipóteses “exemplificadas” no artigo 167. Certamente vão muito além,e incluem necessariamente as hipóteses previstas nos dicionários da língua portuguesa, como a “falta de correspondência com a verdade”, o “fingimento”, o “disfarce”, a “dissimulação”, a “hipocrisia”,a “impostura” e a “falsidade”,todas certamente presentes nessa m PEC  em andamento.    Ora,uma  EMENDA CONSTITUCIONAL,como aquela que pretendem aprovar  para revogar a PEC da Bengala,também se constitui  em  “negócio jurídico”,e numa escancarada SIMULAÇÃO que pretende  esconder  o seu real motivo.

Evidentemente o princípio do “controle de constitucionalidade” admite  a revogação  não só de leis e outras normas infraconstitucionais, mas também  da própria  emenda constitucional, na hipótese de ferir a constituição. Por esse motivo qualquer pessoa, ou órgão, com legitimidade ativa constitucional  para propor  “ação direta de inconstitucionalidade” poderá pleitear  a revogação de uma  eventual  emenda constitucional que tenha  os objetivos  ilícitos aqui esmiuçados.

Mas por um “azar dos azares”, ou incrível “casualidade”, saberíeis porventura qual seria o tribunal competente para  apreciar  e julgar uma eventual ação direta de inconstitucionalidade contra essa “manobra” que os Poderes Executivo e Legislativo pretendem fazer no Supremo ? É isso mesmo,o tribunal competente  seria a própria “vítima” dessa “armação”, ou seja, o Supremo Tribunal Federal.

São “cositas” de Brasil,onde só falta mesmo acontecer que  os urubus que voam  num nível mais  baixo soltem  as suas fezes sobre os  urubus que voam mais alto.

Sérgio Alves de Oliveira - Advogado e Sociólogo


segunda-feira, 25 de maio de 2020

Ciência e autoritarismo - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S.Paulo

O que estamos presenciando hoje no Brasil é um retrocesso civilizatório

Não é qualquer ideia, por ser uma mera opinião, que tem validade. Se isso fosse verdade, o conhecimento não se estruturaria, a civilização não avançaria e a vida humana seria impossível. Ideias argumentadas são as que, tendo pretensão de validade, são submetidas à discussão e ao confronto, aceitando testes, debates e verificações. O primeiro tipo conduz ao arbítrio e o segundo, a ordenações políticas baseadas na liberdade.
A ciência, grande expoente do processo civilizatório, aquele que torna um bípede falante qualquer um verdadeiro ser humano, teve um longo percurso histórico, com pensadores mais avançados pagando até com sua própria vida. Foi um processo penoso e difícil através do qual a força das ideias terminou por vigorar contra a violência da dominação política.
O conhecimento se estrutura, a experiência é valorizada, o confronto público de ideias torna-se uma condição deste progresso e seus efeitos se fazem sentir no bem-estar de todos, graças à descoberta de novas técnicas. Vacinas, protocolos de saúde e medicamentos são seus frutos. A pesquisa termina por estabelecer suas próprias regras, de modo que todos se possam reconhecer enquanto agentes de um conhecimento de dimensões coletivas.
Do ponto de vista político, a liberdade no nível do conhecimento se traduz por novas formas de estruturação do Estado, vindo a ser um princípio a organizar as relações sociais e políticas. O espaço do arbítrio, embora não possa ser eliminado, é então circunscrito, de onde surge a noção moderna de cidadania.

Ora, o que estamos hoje presenciando no País é um retrocesso civilizatório. O bolsonarismo, nome para designar um amontoado de ideias carentes de fundamentação, porém eficaz do ponto de vista do convencimento de uma parte da população, tem como uma de suas características principais o menosprezo da ciência e, por via de consequência, da liberdade. O desrespeito ao outro é total, tanto do ponto de vista científico quanto moral, este último se traduzindo pela ausência de compaixão e pela banalização da morte.
Trata-se de um movimento de extrema direita, que deve, evidentemente, ser distinguido da direita conservadora e da direita liberal, que prezam a ciência, a moral, o debate livre a democracia, a despeito, muitas vezes, de divergências sobre o significado desses conceitos. Quisera aqui salientar princípios comuns por eles compartilhados, como os que são igualmente vigentes no campo da esquerda, excluindo sua franja autoritária e totalitária. A extrema direita não adere a esses valores democráticos.
O que temos visto no tratamento da atual pandemia é a afirmação de meras opiniões do presidente Bolsonaro como se fosse um pesquisador a emitir “verdades” de que só ele conheceria o fundamento. O exercício autoritário do poder se conjuga com o desrespeito completo aos procedimentos científicos. É simplesmente aterrador que dois ministros da saúde tenham sido substituídos em curto espaço de tempo por não concordarem com as opiniões “médicas” do presidente. Um presidente não precisa ser especialista em nada, basta cercar-se de assessores competentes. E o que fez o terceiro ministro? Simplesmente seguiu o arbítrio presidencial.
O que faz o presidente? Assessora-se com seus filhos e seguidores, cujo único “princípio”, se é que essa palavra possa ser aqui empregada, consiste em construir uma narrativa que lhe sirva, nas redes sociais, para seu projeto reeleitoral. Que isso seja bom para a saúde dos brasileiros é algo meramente secundário.
As redes sociais, aliás, são campo particularmente propício para esse tipo de prática autoritária, pois lá passa a valer a narrativa, a pluralidade e a desordem das narrativas, como se todas as opiniões fossem de igual valor. Uma ideia científica passa a ser uma simples narrativa, com a qual se confrontam outras narrativas que, uma vez desmentidas, são substituídas por outras narrativas carentes de validade, e assim por diante. A ideia balizada, argumentada, desaparece ante uma avalanche “informativa”, hoje identificada como fake news.
Protocolos científicos, laboriosamente elaborados e estabelecidos há décadas, se não séculos, são simplesmente atirados para o ar, passando a valer a solução mágica de um medicamento determinado, lançado ao léu por supostos cientistas que nem seguiram as regras do seu meio. No caos do vale-tudo, seria uma “solução” entre todas, como se fosse igual escolher entre a conservação da vida, a cura da doença e aventuras perigosas no corpo de cada um.
As consequências do desprezo pela ciência e pelos princípios democráticos se fazem igualmente sentir no domínio dos valores morais. Joga-se contra a ciência, a favor do autoritarismo, quando corpos se amontoam em hospitais e cemitérios. A compaixão humana desaparece, entra-se numa contabilidade de necrotérios, como se as pessoas devessem estar submetidas ao espectro desse tipo de morte. A política põe-se a serviço das trevas e da ignorância – em linguagem popular, do capeta.

Denis Lerrer Rosenfield, filósofo e professor - O Estado de S. Paulo



quinta-feira, 7 de maio de 2020

Covid -19: faltam coveiros? Ou inteligência? - Sérgio Alves de Oliveira


Emergencialmente, em virtude de não haverem disponíveis no mundo  remédios específicos para a cura, o combate,e  nem mesmo  vacina preventiva contra o  novo coronavírus, a “peste chinesa”,autoridades sanitárias e  da saúde  em todo o mundo têm ”improvisado”  receitar  o uso da Hidroxicloroquina,Cloroquina,ou Remdevisir, remédios baratos utilizados  como antivirais no combate a outras doenças, mas que   têm dado alguns resultados satisfatórios contra o Covid-19.

Mas particularmente no Brasil parece que o desastre  e a incompetência das autoridades responsáveis pela administração dessa crise têm sido o maior responsável pelo acúmulo de cadáveres, não só nos cemitérios, mas antes na porta de entrada, nos corredores, e nas UTIs do hospitais, bem como  nos necrotérios, que não mais estão dando conta de  guardar  tantos corpos.  Os cemitérios nem mais conseguem sepultar com a rapidez recomendável a grande quantidade dos corpos que chegam às suas  portas As pás cederam  lugar às máquinas para cavar túmulos.

Mas o  problema maior reside na “burrice” das autoridades responsáveis pela  administração  dessa questão. A burocracia infernal para que se comece  o uso dos únicos remédios disponíveis, antes citados, certamente será a responsável pelo maior número de mortes. Quando o sujeito consegue finalmente vencer todas as etapas da infernal  burocracia para começar a tomar o remédio, a última das quais a de conseguir o “milagre” de uma vaga no hospital, ou diretamente  na sua UTI, com aparelhos “respiradores” e tudo o mais, o “cara” certamente  já estará com um pé “na cova”, onde poderá  chegará  rapidinho para ser enterrado numa vala comum.

Porém,o que mais vai matar  gente  nesses “trâmites” será a  extrema demora em obter autorização para começar a usar os remédios mais apropriados. A primeira dificuldade será  conseguir uma  consulta  com algum profissional que possa  avaliar o paciente e  encaminhá-lo a um hospital, se for o caso.   Mas para isso, mesmo que o sujeito possa pagar uma consulta, ou algum plano de saúde, essa consulta  terá de  ser agendada ,e dificilmente ocorrerá de “uma hora para outra”. Após isso  vem a “maratona” de obter vaga em algum hospital, quase todos com lotação  máxima. E ao que parece esses remédios só poderiam ser usados a partir dos hospitais. E isso é “sinistro”. A luta “mortal”, portanto, será mais contra o “tempo”. É o tempo quem mais mata.

O próximo passo dessa  via crucis” do  paciente vai ser a coleta de material para avaliação  em laboratório habilitado ao exame de covid-19, o que geralmente demora alguns  dias. E o paciente deverá  dar “graças a Deus” se não tiver  morrido antes da chegada do exame de laboratório.
Finalmente, quando o resultado chega, é que os remédios apropriados começarão a ser ministrados. Mas em face da demora de toda essa burocracia infernal, com quase certeza o paciente já estará dentro, ou quase dentro, de uma UTI, ou já dentro, ou  bem “pertinho”, de um  cemitério. E tudo isso por causa da “burrice” burocrática que matou o paciente.

Urge, portanto, que se apresse  na utilização dos remédios mais apropriados, logo no início da doença, ou aparecimento dos primeiros “sintomas”, que já foram detectados, e  que se resumem em “tosse seca”,”cansaço”,”febre”,”tremores/calafrios”,”dor muscular”,”dor de cabeça”,”dor de garganta” e “perda do olfato/paladar”.  E que se desburocratize ao máximo  a possibilidade de aquisição e uso dos remédios, como se fosse uma “aspirina”, por exemplo, a não ser, evidentemente, que possa haver efeitos colaterais graves na administração desses remédios - o que parece não ser o caso-  sem os requisitos “formais” ainda exigidos (receitas médicas, hospitais, exames laboratoriais  positivos de Covid-19,etc).     
      
Mas que para não se “invadam” os “direitos”,”prerrogativas”,e privilégios corporativos das casas e profissionais da saúde habilitados,  , tradicionalmente, é evidente que essa “simplificação” dos trâmites burocráticos para adquirir e usar remédios, poderia ser provisória, enquanto perdurasse essa  demoníaca pandemia. Portanto, o que queremos   deixar bem claro  ,a tudo resumindo,é que os maiores  “assassinos” dos que  morreram,  morrem, e  ainda morrerão ,em decorrência do Covid-19, são exatamente a “dupla bu-bu”,ou seja a “(bu)rrice”, combinada com a “(bu)rocracia”.
Trocando tudo em miúdos: MUITO MELHOR SERÁ TOMAR O REMÉDIO  SEM PRECISAR DO QUE PRECISAR E NÃO TOMAR A TEMPO...

[dois renomados médicos contraíram a Covid-19 e se recuperaram em tempo recorde - tudo indica que utilizaram um dos remédios citados no inicio. Não confirmaram, mas a veemência de um deles ao desmentir resultou em quase confirmação.] 

Sérgio Alves de Oliveira - Advogado e Sociólogo


sexta-feira, 17 de abril de 2020

Exército pede informações a prefeituras do RJ sobre sepultamento em massa

O documento, diz o Exército, tem como objetivo coletar dados para um dos cenários aventados diante da pandemia do novo coronavírus

O Exército brasileiro, por meio do Comando Conjunto Leste, enviou um ofício a prefeituras do interior do Rio de Janeiro em que questiona a capacidade de sepultamento em massa desses municípios. Escrito no dia 9 de abril, o documento pede que seja realizado um "levantamento de dados estatísticos referentes a quantidade de cemitérios, disponibilidade de sepulturas e capacidade de sepultamentos diários, em suas respectivas áreas de responsabilidade." 


Quem assina o ofício é o coronel Luis Mauro Rodrigues Moura, chefe da Seção de Serviço Militar. O Comando Conjunto Leste tem atuação no Rio, Espírito Santo e Minas Gerais. O documento foi exposto nas redes sociais do prefeito de Três Rios, no interior fluminense, Josimar Salles (PDT).  "Diante de um documento como esse vindo de uma instituição das mais respeitadas do Brasil, o Exército brasileiro, pedindo informações sobre o número de cemitérios, o número de sepulturas, a nossa capacidade para poder sepultar pessoas, eu não posso de forma alguma afrouxar as nossas medidas", disse ele. "Se o Exército está perguntando isso é porque estão fazendo o levantamento estatístico sobre a possibilidade de um caos na nossa Saúde pública."

Em nota, o Comando Conjunto Leste afirmou que planeja sua atuação com base em cenários hipotéticos, "visando mitigar os efeitos nocivos da pandemia junto à sociedade." O documento, diz o Exército, tem como objetivo coletar dados para um dos cenários aventados.

Os militares também disseram que estão atentos às consequências da pandemia e que, "sob a ótica da missão constitucional do Exército Brasileiro e da proteção da Família Militar", apoiam o "esforço nacional" de combate ao coronavírus. No Rio, 301 pessoas já morreram vítimas da Covid-19. Ao todo, 3.944 foram confirmados no Estado até a tarde desta quinta-feira, 16. 

Correio Braziliense, MATÉRIA COMPLETA

quinta-feira, 16 de abril de 2020

A troca do virabrequim - Nas entrelinhas

“A decisão de afastar Mandetta já está tomada, o problema de Bolsonaro é montar uma nova equipe para tocar o Ministério da Saúde sem paralisá-lo”

É jogo jogado: o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, será demitido pelo presidente Jair Bolsonaro tão logo tenha quem o substitua. Político hábil, ontem, o ministro assumiu as divergências com o presidente da República e disse que está pronto para passar o cargo, quando seu substituto for anunciado, sem prejuízo para o funcionamento do SUS durante a troca de equipe. Jogou água na “fritura” a que vinha sendo submetido no Palácio do Planalto e pôs uma saia justa em Bolsonaro, que será responsabilizado por tudo o que der errado se a política de isolamento social for abandonada pelo governo. 
[mais uma recorrência - que, se tratando de doença se torna aceitável:
- o João Doria, eleito graças ao BOLSOdoria, é o campeão na implantação do isolamento e comparando os resultados paulista, infelizmente, se conclui que aquele estado é líder absoluto no Brasil em índice de letalidade.
Brasília, cujo governador andou copiando ideias do Doria, infelizmente, está com o índice de letalidade entre os maiores do país - e também de crescimento de casos confirmados.
Pelo tema da matéria vale ter presente que de 'insubstituíveis, os cemitérios estão cheios'.]

A decisão de afastar Mandetta já está tomada, o problema de Bolsonaro é montar uma nova equipe para tocar o Ministério da Saúde. Alguns nomes já foram sondados e não aceitaram o cargo. Chegou-se a especular com a possibilidade de o secretário-executivo da pasta, João Gabbardo, assumir o comando da Saúde, mas essa hipótese foi rechaçada por ele próprio. Gabbardo anunciou que sairá junto com Mandetta, pois não pretende “jogar no lixo” 40 anos de trabalho como funcionário do Ministério da Saúde. Gaúcho, Gabbardo foi secretário de Saúde de Osmar Terra na Prefeitura de Santa Rosa (RS), são amigos de longa data.

Quem quase deixou a equipe foi o secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson de Oliveira, que chegou a pedir demissão do cargo, mas foi demovido por Mandetta. A crise na equipe se instalou depois da entrevista de terça-feira, quando o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, fez um discurso duro, sinalizando alinhamento absoluto da equipe ministerial com a decisão do presidente Jair Bolsonaro de flexibilizar o distanciamento social e focar a atenção do governo na retomada da economia.

Mandetta não confrontou Onyx, o que foi interpretado como um recuo por sua equipe, principalmente Wanderson, que é o principal estrategista do combate à epidemia. Também houve muito assédio ao secretário-executivo. Gabbardo é uma espécie de “virabrequim” da engrenagem do Sistema Unificado de Saúde. No motor de um automóvel, o virabrequim é responsável por receber as forças dos pistões e transformá-las em torque. Por ser muito exigido e estar em contato com partes muito quentes do veículo, ele precisa ser forte e robusto. Se não estiver em bom estado, o carro enguiça.

Substituir Gabbardo sem paralisar o ministério é como trocar o virabrequim com o carro em movimento. Ele centraliza todas as operações do ministério e faz a ponte com o comitê de gerenciamento da epidemia coordenado pelo ministro da Casa Civil, general Braga Netto. Entretanto, Mandetta disse que todos vão colaborar com a transição e ninguém deixará o barco à deriva em meio à tempestade. A epidemia já matou 1.736 pessoas, com 28.320 casos confirmados até ontem.

Quarentena
Em meio à crise no governo, os demais poderes estão em pleno funcionamento. Por decisão unânime, o Supremo Tribunal Federal (STF), em videoconferência com nove ministros presentes, reconheceu a competência dos governos estaduais e municipais para determinar regras de isolamento, quarentena e restrição de transporte e trânsito em rodovias em razão da Covid-19. Por maioria, também entendeu que governadores e prefeitos têm legitimidade para definir quais são as chamadas atividades essenciais, aquelas que não ficam paralisadas durante a epidemia do coronavírus.


Os ministros julgaram uma ação do PDT contra medida provisória editada pelo presidente Jair Bolsonaro com o objetivo de concentrar no governo federal o poder de editar uma norma geral sobre os temas. A MP alterou uma lei de fevereiro, que previa quais ações poderiam ser tomadas durante a crise gerada pela pandemia. O ministro Marco Aurélio Mello, relator do caso, havia concedido liminar (decisão provisória) em março para reforçar que tanto União quanto estados e municípios têm competência para legislar sobre medidas de saúde. [convenhamos que reconhecer competência concorrente aos três entes federativos é semear, semear e/ou adubar, a INSEGURANÇA JURÍDICA que leva à judicialização da matéria.]

Também por videoconferência, o Senado aprovou em primeiro turno, por 58 votos a 21, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que cria o chamado Orçamento de Guerra, destinado, exclusivamente, a ações de combate à Covid-19. Entretanto, o texto retornará à Câmara, porque o relator no Senado, Antonio Anastasia (PSD-MG), modificou alguns pontos da matéria aprovada pelos deputados. O objetivo da PEC é separar do Orçamento-Geral da União os gastos emergenciais para conter os danos causados pelo coronavírus no Brasil, para não gerar impacto fiscal em um momento de desaceleração da economia.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense


segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Queda de homicídios é relevante, mas há que se reduzir a letalidade policial - Editorial - O Globo

Editorial

Em 2019, Rio teve o menor número de assassinatos desde 1991, porém nunca a PM fluminense matou tanto

Para um estado que nos anos 1990 chegou a registrar 8.438 homicídios dolosos (intencionais) por ano, as estatísticas divulgadas pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), na última terça-feira, não deixam de ser um alento. Segundo o órgão, no ano passado foram contabilizados 3.995 assassinatos no Rio de Janeiro, uma queda de 19,3% em relação ao ano anterior (4.950), e menor patamar desde o inicio da série histórica, em 1991, embora os números ainda sejam excessivamente altos. Não é fenômeno exclusivo do Rio, já que os índices têm caído nesse mesmo ritmo em quase todo o país, mas inegavelmente trata-se de um dado positivo. [um dado positivo e que a muitos pode parecer dificil reconhecer que se trata do EFEITO BOLSONARO - imagine quando desistirem de boicotar o Governo Bolsonaro e  o presidente possa se embrenhar de forma exitosa no cumprimento de suas promessas de campanha.]
 
A redução do número de assassinatos, porém, não deve ocultar um outro dado que salta aos olhos na mesma estatística: nunca a polícia fluminense matou tanto quanto no ano passado. De acordo com o ISP, em 2019 o estado registrou 1.810 mortes decorrentes de intervenções policiais, o maior número desde 1998, quando se passou a contabilizar esse tipo de crime. Evidentemente, o recorde reflete a política de confronto adotada pelo governador Wilson Witzel na segurança — estratégia que, por vezes, tem vitimado inocentes. No dia 16, uma operação da PM contra o tráfico de drogas no Vidigal deixou quatro mortos. Todos suspeitos, segundo a polícia. Mas moradores disseram que pelo menos duas das vítimas eram trabalhadores. [importante destacar que 'mortes decorrentes de intervenções policiais' é um conceito vago,exatamente para ser amplo, permitindo incluir tudo em um saco só: inclui policiais mortos por bandidos em confrontos, inclui inocentes mortos por balas perdidas - que podem ser tanto da polícia, quanto dos bandidos; 

quanto ao padrão de  sempre que os que tombam em tiroteios, são classificados por moradores como 'trabalhadores' é fácil entender tal classificação: 
imagine se um morador de um favela, que vive sob o tacão do tráfico, vai ter coragem para declarar de público que aquele morto, um 'trabalhador', na realidade era um traficante.

Quem falar isto, alguns minutos depois estará morto. Aos traficantes interessa 'queimar' a imagem da polícia.]
 
Não se deve fazer correlação entre um dado e outro. Os homicídios não caem porque a polícia mata mais. Dentro do próprio Rio há exemplos de que não se combate a violência gerando mais violência. Na Ilha do Governador, as mortes decorrentes de intervenção policial quase dobraram (90%) ano passado, e os homicídios não diminuíram — ao contrário, cresceram 63,6%. [a matemática, a estatística está sendo agredida, se a mortalidade "decorrente" de intervenção policial alcançou 90% e a mortalidade no geral cresceu 63,6 %, indiscutivelmente, em uma ponta diminuiu = a mortalidade dos cidadãos, de pessoas de bem, que mesmo morando em favelas são trabalhadores e também a de policiais.
Convenhamos que sendo inexatos, dados os critérios de contagem, o número das mortes   atribuídas a intervenção policial, fica evidente que morreu mais bandido, morrendo menos policiais e menor número de pessoas de bem o que não é a situação ideal, mas é menos danosa à sociedade  do que em 2018, suando só no Rio, morreram quase 200 PMs.]
Além disso, dados do Fórum Brasileiro de Segurança mostram que há unidades da Federação, como Distrito Federal, Acre e Maranhão, que têm conseguido reduzir tanto os homicídios dolosos quanto as mortes em confronto. [o DF sempre apresentou baixíssimo índice de mortes em confronto bandidos x polícia; 
já quanto aos homicídios, envolvendo paisanos - especialmente o latrocínio contra motoristas de aplicativos continua crescendo.]

Especialistas em segurança pública suspeitam que a queda de homicídios, ['especialistas', sempre assustam, por ter como principal especialidade adaptar suas interpretações às conveniência de seus entrevistadores. Além de que, suspeitas nem sempre se tornam realidades.] Principalmente na Zona Oeste, pode estar ligada à hegemonia das milícias, que reduziria a guerra entre facções e, consequentemente, o número de mortes. O uso de cemitérios clandestinos, prática comum desses grupos paramilitares, também poderia mascarar os números. De qualquer forma, há nas estatísticas do ano passado outros dados relevantes. Por exemplo: o número de roubos de carga caiu 19%, e o de roubo de veículos, 24%. Continuar baixando os índices de crimes, rumo a patamares mais aceitáveis, é meta a ser perseguida pelo governo. Tanto quanto a redução da letalidade policial. O combate à violência não pode ser seletivo.

Editorial - O Globo

 

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Só lamenta a polarização social e política quem acredita ter força para impor a unanimidade - Alon Feuerwerker

Análise Política

Uma fábula persiste desde a campanha presidencial: a possibilidade de eliminar a polarização política e social por meio de um consenso majoritário centrista. A tese naturalmente fracassou nas urnas, como previsto, mas o prejuízo dos seus elaboradores e propagandistas foi apenas relativo, eles continuam por aí prestigiados e ouvidos para delinear caminhos futuros. Faz parte.

O hit do momento é que a saída de Luiz Inácio Lula da Silva da prisão vai acirrar aquela polarização, quando o desejável seria o contrário. 

Há de cara um problema nesse desejo: ele supõe que 
1) Lula poderia de algum modo aderir a um status quo que lhe negasse protagonismo político ou 
2) sem Lula, seria possível, com o tempo, ou atrair Jair Bolsonaro para a órbita centrista ou removê-lo.

São apostas arriscadíssimas, mas às quais se aplica a velha metodologia de repetir indefinidamente certas coisas nos jornais (lato sensu), esperando o milagre acontecer. Vai que rola... Entrementes, os fatos, costumeiramente teimosos, abastecem a linha de montagem da vida real e do próprio jornalismo, uma das poucas atividades no Brasil em que a escassez de oferta não tem dado as caras.

Vamos resumir. Impor o consenso só interessa e é possível a quem tem hegemonia. A falta de consenso no Brasil não é resultado da ação de pessoas más que desejam ver brasileiros brigando com brasileiros nas ruas, nas redes sociais e nos encontros de família, mas do fato banal de nenhum dos três blocos político-sociais-culturais deter força suficiente para se impor aos outros dois.

Os três blocos são o liberal-progressista, liderado por Fernando Henrique Cardoso, o social-progressista, liderado por Lula, e o liberal-conservador, liderado por Bolsonaro. Note que nenhum dos três precisa estar completamente de acordo com o ideário dominante em sua turma, precisa apenas evitar ser desafiado na tribo. E ficar por aí esperando a roda da fortuna lhe sorrir.

Só acha que Lula “radicalizou” ao deixar a PF quem achava possível ele propor uma união nacional em torno da agenda Guedes para a economia. Ou acreditava ser da conveniência do ex-presidente aceitar a priori a hegemonia liberal para a formação de uma frente ampla anti-Bolsonaro. Se não aceitou algo parecido em períodos muito mais desfavoráveis para ele, por que agora?

O Chile é a prova viva de que mesmo experimentos liberais economicamente exitosos produzem déficits sociais, reais ou na esfera da percepção, que podem bem ser trabalhados por uma oposição com olho na estratégia. Lula está focado nesse mercado potencial. E se até os resultados econômicos faltarem para Bolsonaro, o plano fica mais viável ainda. Assim é a política. Nem Bolsonaro nem Lula serão derrotados por lamúrias contra a radicalização e a polarização, nem o liberal-centrismo vai atrair um dos dois simplesmente por prometer a paz dos cemitérios. Subestimar a inteligência das pessoas é sempre um erro. 


 Alon Feuerwerker, jornalista - Análise Política

 

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Os vários riscos das intervenções de Bolsonaro na Receita - Míriam Leitão

O Globo

O presidente da República quer trocar o delegado da Receita Federal no Porto de Itaguaí, no Rio de Janeiro. A surpresa é grande. É uma tentativa muito específica de intervenção, feita por Jair Bolsonaro no quarto ou quinto escalão do governo, em uma região próxima à sua base de atuação política. O presidente começou a intervir nos órgãos do Meio Ambiente e ataca agora os da economia.
 
O porto de Itaguaí durante uma operação policial, em 2018
Os auditores da Receita reagiram. A transferência do delegado José Alex Nóbrega de Oliveira não vem acompanhada de alterações amplas na Receita Federal. A tentativa de Bolsonaro mostra que ele está preocupado com o que se passa no porto. Itaguaí fica em uma área perigosa, dominada por milícias. O superintendente da Receita no Rio, Mário Dehon, se recusou a afastar Oliveira e está com cargo também ameaçado. Os auditores fazem bem ao reagir. Não existe pequena intervenção. Ou há autonomia funcional ou não há. A tentativa de intervenção de Bolsonaro mexe com a Receita inteira. [salvo improvável engano os únicos servidores públicos que não podem ser removidos, por gozarem da Prerrogativa de Inamovibilidade, são juízes e membros do Ministério Público.
Convenhamos que o presidente da República se preocupar em remover funcionário do segundo ou terceiro escalão da Receita Federal é, com o devido respeito, apequenar o cargo máximo da República.] 
 
O presidente tem sugerido mudar a Receita Federal, transformá-la numa agência ou autarquia independente. Mas o próprio Bolsonaro já defendeu que as agências têm que perder poder. Ao transformar a Receita em agência, ele poderá intervir como quer durante a reestruturação. É exatamente o que o presidente já está fazendo no Coaf. O Conselho vai para o Banco Central. O ministro Paulo Guedes não demitiu o chefe do Coaf, Roberto Leonel. Mas ao transferir para o BC, automaticamente terão que sair o Leonel e todos os outros. Fica apenas um, que já é funcionário do BC.  Nessa alteração, perde-se a memória do órgão e o trabalho que estava sendo feito. 

As apurações começarão do zero. Por mais que o presidente do BC queira fazer um órgão de inteligência financeira, nesse momento a transferência interrompe o que incomodou o presidente, a investigação sobre as movimentações financeiras estranhas no gabinete do então deputado Flavio Bolsonaro.  O governo tem feito intervenções na área do Meio Ambiente. Afastou, por exemplo, o presidente do Inpe após a divulgação de dados sobre o desmatamento. Aceitou-se a interferência. Agora, Bolsonaro ataca órgãos da economia.  O risco é enorme. Se a transformação da Receita em agência parar a máquina da Receita, a arrecadação vai cair. O mais grave, no entanto, é a tentativa de intervenção institucional, que para a máquina e constrange os funcionários. [comentando de forma bem ampla: o principio que deve nortear as ações de qualquer ser humano, em qualquer área é que NINGUÉM É INSUBSTITUÍVEL - os cemitérios estão cheios de pessoas que se julgavam ou eram julgadas insubstituíveis.
O mesmo critério vale para as instituições - elas ficam e os seres humanos vão, mas, elas também podem ser substituídas.]
 
A “Veja” noticia que o novo procurador-geral da República foi escolhido. Antonio Carlos Simão Soares, diz a matéria, será anunciado nos próximos dias. Ao contrário do que se imagina, o governo pode controlar a cabeça do Ministério Público, mas não o seu corpo. Antigos procuradores-gerais como Cláudio Fonteles contam que, naquela organização, o chefe do MPF não tem autoridade sobre um procurador de primeira instância.    Essa sequência de intervenções do governo é muito estranha. E tem que ser contida.

Blog da Míriam Leitão - O Globo - Transcrito em 18 agosto 2019 

 

quarta-feira, 24 de abril de 2019

Cara da morte: a ficha dos terroristas do massacre da Páscoa

Dois dos monstros que mataram 359 pessoas eram irmãos, outra era casada com um deles e explodiu os filhos, mais um tinha doutorado


É quase impossível resumir o horror que aconteceu no domingo de Páscoa no Sri Lanka num dos maiores atentados da história. As explosões em locais fechados como igrejas e hotéis, com cargas de C4 e bolinhas de aço levadas em mochilas pelos suicidas, deixaram tantos corpos despedaçados que foi preciso abrir novos cemitérios.

Em áreas mais fechadas, como as ruas próximas à igreja de São Sebastião, muita gente morreu dentro de casa. Foram mais de cem vítimas nessa igreja, onde a cabeça do terrorista arrancada pela força da explosão acabou em cima de um dos bancos, com os olhos abertos.

Aos poucos, vão sendo descobertos os autores. Num clássico do jihadismo, eles deixaram um vídeo tenebroso onde fazem a encenação típica do Estado Islâmico, declarando–se mártires, numa inversão total da realidade. Estão todos com roupas iguais e o rosto coberto, e usam nomes de guerra tradicionais (Abu, ou pai, alguma coisa). Menos o cabeça, Moulvi Zahran Hashim, já conhecido como pregador do ódio.

Filiado ao ISIS, o grupo se chama Tawid Jamaat Nacional. Tawid equivale a monoteísmo ou à unicidade de Deus, um dos princípios mais fundamentais do Islã e invocado frequentemente por jihadistas da linha sunita que acusam qualquer outra corrente de heresia. Jamaat é a comunidade ou assembleia dos fieis, englobando todos os muçulmanos. Outros dois de cara coberta já foram identificados. Eram irmãos, nascidos numa família rica que transformaram em célula terrorista. Ilham Ibrahim e Inshaf registraram-se nos hotéis Shangri-La e Cinnamon, em Colombo. Explodiram-se na hora mais movimentada do café da manhã.

Um deles usou dados verdadeiros na ficha. A polícia procurou o endereço e, ao chegar, a mulher do terrorista também se suicidou. Levou os dois filhos junto na explosão, além de três policiais. Mais de vinte membros da família, que sabiam dos atentados, foram presos.  O tipo de ideologia doentia que produz uma abominação assim já é bem conhecido, especialmente depois do Onze de Setembro nos Estados Unidos.

O perfil de alguns dos terroristas fanáticos também coincide: homens entre 20 e 30 anos, com um bom nível de vida e de instrução. Alguns eram formados em direito, segundo autoridades do Sri Lanka. Um dos terroristas fez faculdade no Reino Unido e pós-graduação na Austrália. O grupo terrorista planejava uma segunda onda de ataques. O clima de medo persiste. Os parentes que vão enterrar seus mortos são revistados para entrar nos cemitérios. Os padres avisam para não demorar muito, por receio de novas explosões.

Os católicos são cerca de 7% da população. Como as outras minorias, hinduístas e muçulmanos, são da etnia tamil. Muitos têm nomes ou sobrenomes portugueses, como na Índia, remontando à colonização original.
As reformas recentes na Igreja não fazem muito sucesso no Sri Lanka, como é comum em países onde a religião minoritária se apega a tradições como forma de identidade e sobrevivência.

Os padres usam batina branca e faixa preta, as missas solenes, como a de Páscoa, duram duas horas, os fieis fazem o sinal da cruz com as três persignações e o arcebispo de Colombo, cardeal Malcolm Ranjith, pediu punição sem piedade para os terroristas, “porque só animais fazem uma coisa dessas”. Depois, se retratou: “Não quero denegrir os animais, essa gente é pior do que eles”. Disse que os cúmplices mereceriam prisão perpétua e que os terroristas não deviam ser considerados muçulmanos.
Esse é um argumento frequente, enfraquecido pelo silêncio estrondoso de autoridades muçulmanas sobre o atentado, ao contrário da condenação unânime ao bárbaro ataque contra duas mesquitas na Nova Zelândia.
O papa Francisco pediu ajuda para as vítimas, mas ainda não havia telefonado ao arcebispo de Colombo.


 


terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Choques no Planalto

Militares adotam moderação, ao contrário de civis

O colapso da ditadura venezuelana expôs uma situação paradoxal em Brasília. Militares da ativa e aposentados empregados no Planalto têm expressado mais convicção na saída política do que civis representantes do Brasil na mesa diplomática.
A cacofonia deriva do embate entre a curadoria militar do governo Jair Bolsonaro e o agrupamento civil em torno do chanceler Ernesto Araújo, que é amparado por um dos filhos do presidente, o deputado Eduardo. Os choques ocorrem na definição de limites ao alinhamento do Brasil com os EUA. Existe interesse nas ofertas americanas para tecnologias bélicas inéditas no país. Mas há, também, ambiguidades que as Forças Armadas acham útil preservar. Por exemplo, em negociações na área nuclear, onde se explora um acordo.
Não incomoda a cruzada contra o “domínio cultural esquerdista-marxista”, como define o deputado Bolsonaro. Até porque nada se cria do nada. O centro da divergência está na condução da política externa a reboque do ideário fundamentalista. O debate sobre a hipótese de invasão da Venezuela tem sido exemplar, com veto unânime dos militares. Em contraste, a chancelaria tem elevado o tom nos ultimatos ao condomínio de cleptocratas da “revolução” chavista —a “robolución”, como é conhecida em Caracas. Araújo insiste na sintonia com a ala mais belicista de Washington, que vê na queda da ditadura de Maduro, com reflexos em Havana e Manágua, fator de influência no voto latino majoritário na Flórida, estado decisivo à reeleição de Trump.
No domingo, o Itamaraty atacou o “caráter criminoso” de Maduro, pelo “brutal atentado aos direitos humanos”, injustificável “no direito internacional”. Se adjetivos são úteis à diplomacia, substantivos errados em política externa ampliam cemitérios.
Na premissa, a chancelaria flerta com a admissão de guerra civil na Venezuela. Na lógica de Estado, esse raciocínio leva à legitimação do intervencionismo. A base está nos protocolos da Convenção de Genebra que proíbem a submissão da população civil à fome, como método de combate.
 
José Casado, jornalista - O Globo