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sábado, 14 de setembro de 2019

Um país quebrado - Merval Pereira

O Globo

O ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga traçou um quadro dramático das contas públicas brasileiras na entrevista que deu ao programa Central da Globonews, na quarta passada. Segundo ele, o problema hoje é que 80% do gasto público do Brasil vêm de duas grandes contas, a do funcionalismo público e a da Previdência. “É preciso mexer nelas, sob pena de não sobrar dinheiro para nada”. Os demais gastos estão muito comprimidos, inclusive os investimentos públicos, que estão perto de 1% do PIB, quando nas últimas décadas chegou a um pico de cerca de 5% do PIB.

Arminio destacou que o volume de investimentos do setor público no Brasil nos últimos 4 anos não foi suficiente sequer para repor a depreciação. “Não à toa estamos assistindo a episódios frequentes de quedas de viadutos, pontes etc”.  Segundo Arminio Fraga, comparações internacionais mostram que os gastos com funcionalismo e previdência no Brasil estão muito acima dos observados em países de renda média. Ele vê como necessária a redução desses gastos de 80% para 60%, o que proporcionaria uma economia de 7 pontos do PIB, a ser buscada ao longo de dez anos.

Tanto como proporção do PIB quanto como do gasto total, o Brasil gasta bem mais com funcionalismo do que a maioria dos países do Ocidente, destaca Arminio Fraga. Parte desse excedente vem do fato de que temos 20% de participação de empregos públicos no total de empregos do país, um total relativamente alto se comparado a outros países. O economista Arminio Fraga mostra também, em trabalho recente, que há um elevado prêmio salarial, de cerca de 60%, que recebem os funcionários do governo federal, em comparação a assalariados do setor privado com qualificações semelhantes, como estima o economista Naércio Menezes.

Os gastos com Previdência mostram resultados semelhantes aos do funcionalismo: o Brasil gasta relativamente muito, o que surpreende, sobretudo, dada à demografia relativamente jovem do país.  Essa mesma constatação levou o deputado federal do Rio (DEM) Pedro Paulo a apresentar uma emenda constitucional que limita o crescimento de despesas obrigatórias, quando gatilhos serão acionados a cada momento em que os gastos passarem de limites predeterminados. Até chegar a uma série de medidas mais drásticas ao atingir o estágio de descontrole grave, como a redução da jornada de trabalho temporária, até que volte o equilíbrio.

No diagnóstico do deputado Pedro Paulo, que trabalha no desdobramento da emenda constitucional com técnicos do ministério da Economia e da Câmara, o Estado brasileiro quebrou há algum tempo. "Já quebramos todas as metas fiscais, e estamos a caminho de quebrar as que restam, com o teto de gastos", alerta.  Para ele, é preciso conter crescimento exponencial dos gastos públicos, em especial os obrigatórios, que consomem 96% do orçamento, não sobrando nada para investimentos. Emitir títulos e aumentar a dívida para pagar despesas correntes, o que o parlamento permitiu esse ano dando ao governo autorização para aumentar a dívida pública em R$ 248 bilhões (7% do PIB) sem uma medida sequer para resolver o problema, é cavar mais o buraco.  O problema central do desequilíbrio fiscal brasileiro, para Pedro Paulo, é o tamanho e o descontrole da despesa obrigatória, e a enorme rigidez orçamentária. A reforma da Previdência, ainda que seja a maior das despesas, é necessária, mas não suficiente para resolver o desequilíbrio fiscal.

Seus efeitos são de longo prazo, e faltam muitas outras despesas obrigatórias, vinculações e indexações. Se adotados, esses mecanismos de controle do gasto público podem garantir, em dois anos, a manutenção do teto dos gastos até 2026, quando a lei completa 10 anos, e proporcionar economia que poderia ser aplicada, em parte, em investimentos públicos. “Não seria apenas um programa de contenção de despesas, mas de estímulo ao investimento”, explica do deputado Pedro Paulo.

Merval Pereira, jornalista - O Globo



segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Pela racionalidade

Prejudica as pessoas de renda mais baixa não fazer o devido combate à inflação

Não há ajuste indolor na situação de descalabro a que chegou a economia brasileira com o descontrole das contas públicas decorrente da política voluntarista de Dilma Rousseff de forçar o crescimento do PIB com mais gastos do Tesouro. Temeridade amplificada em 2013 e 2014, para embalar a campanha à reeleição da presidente, inclusive com a aplicação ao extremo de técnicas de contabilidade criativa para maquiar as catastróficas estatísticas das públicas.

Num primeiro momento, deu certo para Dilma, que se reelegeu, mas a bomba começou a explodir antes da posse, em 1º de janeiro de 2015, já com um aumento dos juros básicos pelo Banco Central presidido por Alexandre Tombini, subjugado pela presidente. O estelionato eleitoral cobraria um alto preço da população. Claro que mais elevado para os mais pobres e menos instruídos.  As manipulações retardaram que se pudesse constatar o tamanho dos estragos do desequilíbrio fiscal — e isso garantiu a reeleição, uma vitória de fôlego curto que terminariam configurando crime de “responsabilidade”, passível de ser punido com a perda de mandato. E aconteceu.

Com outra equipe econômica, empossada com o novo presidente, Michel Temer, o ajuste que era necessário começou a ser feito. É fantasioso imaginar que as mudanças são feitas contra as faixas sociais mais baixas, porque é sobre elas que recai a maior parte do peso da crise. No caso, provocada por políticas executadas em nome dos pobres — que ironia.  A inflação, incendiada pelo governo Dilma Rousseff, voltou aos dois dígitos. E quem mais padece são famílias de renda mais baixa, entre as quais é relativamente maior o peso dos alimentos no orçamento doméstico, bens de difícil substituição. Também não contam com poupança aplicada no mercado financeiro que possa compensar a corrosão do poder aquisitivo pela inflação.


Qualquer programa, portanto, de estabilização econômica é em favor das classes menos favorecidas. Basta acompanhar o mais recente noticiário econômico, em que se destacam ligeira recuperação do mercado de trabalho — mesmo que seja por empregos informais — e algum crescimento setorial. Nada que estimule previsões muito otimistas para o curto prazo, mas são os primeiros e múltiplos resultados positivos internos, pelo menos desde 2014, exceto a agricultura, já em bom momento há algum tempo.

Categorias do funcionalismo reclamam do ajuste, mas é preciso entender que no centro da crise está um enorme desequilíbrio das contas: o déficit público nominal (inclui juros da dívida) bateu nos 10% do PIB, pouco mais de três vezes o limite praticado na área do euro da União Europeia. E ainda continua elevado. O déficit primário, sem a conta de juros, ainda está pouco acima dos 2% do PIB. É, então, por uma questão absoluta de racionalidade que gastos com salários e outros custeios da enorme máquina do Estado precisam ser contidos.

Fonte: Editorial - O Globo