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quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

A direita brasileira e as Forças Armadas - Flávio Gordon

Vozes - Gazeta do Povo

Positivismo

Sua arma contra a corrupção da inteligência. Coluna atualizada às quartas-feiras

 

A direita brasileira e as Forças Armadas - Foto: Edvaldo Belitardo

Em 15 de abril de 1964, o general Humberto de Alencar Castello Branco comparecia ao Congresso Nacional para tomar posse como o 26.º presidente da República. A cerimônia ocorria duas semanas após os eventos que culminaram na queda de João Goulart, eventos que os militares da época decidiram batizar de “revolução”; a esquerda, de “golpe”; e parte da nova direita contemporânea a meu ver, com mais razão –, de “contragolpe”. No discurso inaugural, Castello Branco exaltou o movimento cívico que se levantou em defesa da democracia, movimento por ele descrito como “uma Revolução nascida nos lares, ampliada na opinião pública e nas instituições e, decisivamente, apoiada nas Forças Armadas (...) uma Revolução a assegurar o progresso, sem renegar o passado”.

Em certo trecho do pronunciamento, o então chefe do Estado-Maior do Exército deu vazão à mentalidade tipicamente positivista da instituição militar brasileira. “Caminharemos para a frente, com a segurança de que o remédio para os malefícios da extrema-esquerda não será o nascimento de uma direita reacionária, mas o das reformas que se fizerem necessárias”

E, com efeito, a promessa foi mantida ao longo das duas décadas de regime militar brasileiro, que, embora seja retratado por nossa historiografia politicamente enviesada como uma “ditadura de direita”, tudo fez para impedir a consolidação de uma direita civil no país, previamente rechaçada por estigmas tais como “reacionária”, “extremista” e “radical”. Que boa parte da direita brasileira contemporânea se mostre decepcionada pela indiferença demonstrada pelos comandantes em relação aos manifestantes em frente aos quartéis-generais – bem como pela inação em face da tomada revolucionária do poder pelo socialismo do Foro de São Paulo – revela, talvez, uma má interpretação dos eventos dos anos 1960.

Antes de tudo, é preciso avaliar corretamente o sentido do positivismo no seio das nossas Forças Armadas. Em primeiro lugar, deve-se compreender o positivismo como uma espécie de movimento cujo gênero poderíamos chamar, grosso modo, de progressismo. Sim, primo próximo de movimentos intelectuais de massa como o marxismo e o liberalismo, o positivismo compartilha com esses outros rebentos do Iluminismo a crença utópica de que, graças ao progresso tecnocientífico, a humanidade atingiria um estágio de desenvolvimento em que a política se tornaria supérflua. De acordo com essa utopia, a mentalidade irracional e ultrapassada que havia caracterizado a humanidade ao longo dos séculos, e sobre a qual se haviam fundado todas as disputas político-ideológicas vigentes, tenderia mais cedo ou mais tarde a ser extinta pelo avanço do conhecimento e pela universalização da razão.

Assim entendido, o progressismo caracteriza-se principalmente por uma concepção teleológica e unilinear da história, que seria dotada de um fim predeterminado para o qual toda a humanidade, independentemente dos respectivos estágios evolutivos dos variados grupos humanos, caminharia necessariamente. Decorre dessa crença uma série de filosofias tripartites da história, começando por iluministas como Condorcet e Turgot, passando por Comte e sua lei dos três estados (teológico, metafísico e positivo), e chegando aos modelos da antropologia evolucionista, a exemplo da divisão entre as fases de selvageria, barbárie e civilização proposta pelo antropólogo americano Henry Lewis Morgan, que tanta influência exerceu sobre Marx e Engels.

Nesse esquema tripartite, concebe-se o último estágio como um “fim da história”, uma época de plenitude, de império da racionalidade e da ciência, na qual o pensamento irracional, supersticioso e mágico terá sido extirpado da mente humana. Em Comte, esse último estágio é chamado de “positivo” ou “científico”. Daí advêm as recorrentes propostas – incluindo as contemporâneas, referentes à gestão de pandemias – de uma sociedade inteiramente administrada pela ciência, na qual a política (a ação de uma vontade subjetiva contra outra) será substituída pela técnica (a ação de um sujeito sobre um objeto).
 

Veja Também:


       
O plano de governo do PT

Nessa etapa da evolução histórica, creem os positivistas e demais progressistas, a política se tornará dispensável, porque todos os homens passarão a compreender a realidade da mesma maneira, ou seja, racional e objetivamente. O corolário é que quem assim não a compreender será tido por algo menos que um homem, no pleno sentido da palavra.  
Algo como um louco, um criminoso, uma fera, um “negacionista”...  
Curiosamente, vem do marxismo, e não do positivismo, uma das formulações mais emblemáticas dessa crença. Ela está no Anti-Dühring, no trecho em que Friedrich Engels anuncia a utopia do fim do Estado, que se seguiria à tomada do poder pelos proletários: “Em todos os domínios, a interferência estatal nas relações sociais torna-se supérflua, e acaba por morrer de inanição; o governo das pessoas é substituído pela administração das coisas”.

Os generais brasileiros de 1964 eram positivistas e, portanto, progressistas nesse sentido. Daí que, embora fossem difusamente anticomunistas, sobretudo no enfrentamento à luta armada, mostravam-se, no âmbito da história das ideias, bem mais hostis a conservadores do que a marxistas, com quem partilhavam uma série de premissas filosóficas. Eis por que o regime militar tenha investido muito mais energia contra o conservadorismo que contra o marxismo cultural. Se o primeiro foi simplesmente extirpado do debate público, o segundo floresceu justamente nesse período, sob a proteção e a benevolência do regime.

Num antigo texto sobre o destino da filosofia brasileira, o intelectual colombiano Ricardo Vélez Rodríguez, ex-ministro de Bolsonaro, dá pistas sobre o desaparecimento geral de uma intelligentsia de direita no país:“Os artífices dessa façanha (ocorrida nas três últimas décadas do século passado) foram os burocratas da Capes no setor da filosofia, comandados pelo padre jesuíta Henrique Cláudio de Lima Vaz. Os fatos são simples: no período em que o general Ruben Ludwig foi ministro da Educação, ainda no ciclo militar, os antigos ativistas da Ação Popular Marxista-Leninista receberam, à sombra do padre Vaz, a diretoria dos conselhos da Capes e do CNPq, na área mencionada. Especula-se que o motivo da concessão fosse uma negociação política: eles prometiam abandonar a luta armada. A preocupação dos militares residia no fato de que foi esse o único agrupamento da extrema-esquerda que não se organizou explicitamente em partido político. Os grupos da denominada ‘direita’ (conservadores, ultraconservadores, liberais, liberais-sociais etc.), toda essa imensa gama, ficou do lado de fora dos favores oficiais, no período militar e após.”

Portanto, justamente ao contrário do que afirmaram alguns intelectuais de esquerda do período – e penso, por exemplo, em Roberto Schwarz e no seu conhecido ensaio Cultura e Política, 1964-1969 –, a hegemonia cultural da esquerda não surgiu apesar da ditadura de direita, mas justamente por causa dela. Essa hegemonia é um efeito da concepção particularmente autoritária e arrogante da elite fardada sobre a relação entre Estado e sociedade, concepção fundada no fetiche positivista da técnica e da ciência. Num estilo de governo que muitos chamam de “bonapartismo”, o regime militar caracterizou-se pela hipertrofia do Poder Executivo, que, pretendendo pairar tecnocraticamente acima das disputas ideológicas, restringiu a participação política e se afirmou como representante direto e verdadeiro da “nação”.  

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

Flávio Gordon, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Reação ao governo Lula veio rápida demais com movimento dos caminhoneiros - O Estado de S. Paulo

É um sinal de que a direita brasileira criada em função de Jair Bolsonaro está aí para ficar 

O movimento dos caminhoneiros em apoio ao presidente Bolsonaro e contra o [futuro]  governo Lula, que vem deixando tão aflitas as almas progressistas, os jornalistas e os outros agrupamentos que ganharam a eleição presidencial, é primeiro conflito que o novo governo tem para enfrentar. Veio rápido demais – poucas horas depois de anunciado o placar final do TSE e dois meses inteiros antes de Lula assumir. 
É também um sinal, ou talvez se devesse dizer uma prova, de que a direita brasileira criada nos últimos anos em função de Jair Bolsonaro está aí para ficar. Não se trata, agora, de uma direita que faz discurso e age pouco, no estilo PSDB de fazer “oposição”
Os caminhoneiros são outro animal: o Brasil se inquieta de verdade, porque as suas ações mexem diretamente com necessidades básicas e interesses materiais da população
Estarão aí pelos próximos quatro anos; é bom começar a pensar como se vai lidar com isso. Os caminhoneiros não estão pedindo aumento no frete ou subsídio para o diesel querem, agora, participar da política, e não vai dar para dizer a eles que, nesse caso, devem se contentar em concorrer a uma cadeira de deputado ou senador.
A esquerda, os seus associados no sistema STF-TSE e demais forças a seu serviço estão jogando a solução desta dificuldade na repressão. Nada de “diálogo” ou de “negociação, como recomendam em 101% dos casos de conflito que envolvem as “categorias populares”. Aqui é pau direto
 
 

Bloqueio na Raposo Tavares, em Sorocaba; movimento dos caminhoneiros é sinal, ou talvez se devesse dizer uma prova, de que a direita brasileira criada nos últimos anos em função de Jair Bolsonaro está aí para ficar.  Foto: José Maria Tomazela/Estadão
 
O que se quer não é algum tipo de entendimento como o adversário – é a sua eliminação. Manda a Polícia Rodoviária Manda a PM. Manda a Tropa de Choque. Manda bomba de gás lacrimogêneo. Dá multa – já foram dados 18 milhões reais em multas até o momento processa, prende; é assim que querem resolver o problema dos caminhoneiros – e, possivelmente, quaisquer outros problemas que aparecerem.

É natural. Sob o seu novo líder político e espiritual, o ministro Alexandre de Moraes, os esquerdistas brasileiros se acostumaram a agir cada vez como policiais, e estão encantados com isso – imaginam hoje que é a polícia, em vez dos proletários, a vanguarda da revolução socialista no Brasil. Acham que o novo enfoque pode dar certo e acabar deixando Lula e o PT para sempre na presidência.  
Contam, é claro, com a colaboração estreita da atual ditadura judiciária, que conseguiu anular as funções do Poder Executivo e do Congresso, e está governando o país com grupos da Polícia Federal; acabou, aliás, de ganhar a eleição presidencial que vai ficar conhecida como a “eleição do STF-TSE”.  
Mas a direita é uma realidade nova. Ela vai muito além dos caminhoneiros. Dá para fazer com que desapareça através de ordens do ministro Moraes? [alguns constataram que enquanto a polícia tenta desmontar um bloqueio, consegue após algum tempo;
só que minutos depois um outro bloqueio é montado alguns quilômetros antes ou depois do recém desmontado - fácil perceber  que os policiais não tem a mobilidade que permita se antecipar à montagem de outros bloqueios..]

Você pode tirar os caminhões das estradas; a PM não gosta de fazer isso, porque acha que deveria estar agindo contra criminosos, e não contra trabalhadores essenciais para o funcionamento do país, mas faz. [sem esquecer que o eleito não considera policial "gente" e que os petistas pretendem acabar com a polícia militar - via desmilitarização.] Mais difícil é tirar a nova direita do Brasil. Vão por onde? Campos de “reeducação”? 

 Há muito mais que caminhoneiro, aí; para começar, há uma parte considerável dos 58 milhões que votaram em Bolsonaro. Lula, [o eleito],  fez discursos dizendo que quer governar para “todos os brasileiros”, e não apenas para os que votaram ele; falta combinar com as vastas nações petistas petistas que hoje operam na extrema esquerda, com Alexandre de Moraes e com o STF. Ninguém, aí, quer que Lula governe “para todos”; querem que os eleitores de Bolsonaro sejam destruídos, junto com os caminhoneiros e quem mais estiver criando problema. 

O mandamento principal da sua Bíblia; “Não podemos, de jeito nenhum, admitir a possibilidade de que eles voltem um dia para o governo.” Se não admitem a alternância de poder, qual o destino que reservam para os brasileiros que não concordam com eles?

Fazer bloqueios de tráfego com caminhões impede todos os demais cidadãos, que não são caminhoneiros, de usarem estradas que são comuns; é uma violação do direito e ir e vir. Os caminhoneiros têm o direito de se manifestar e reivindicar como qualquer cidadão brasileiro, mas não podem tirar os carros e ônibus das estradas. Podem, por exemplo, fazer greves, deixando os caminhões nas garagens; seria interessante, aliás, saber o que os ministros do STF iriam fazer para resolver isso. No movimento atual, de qualquer forma, tem contra si a lei e a razão. Tudo bem: mas porque a esquerda, a mídia e as classes que aparecem na mídia dizem sistematicamente, sem variar as palavras, que estão praticando “atos antidemocráticos”, ou “ilegais”, que exigem punição, e não acham “atos antidemocráticos, nem “ilegais”, as invasões de terra pelo MST? [aliás, o eleito já estava ameaçando usar os bandidos do MST e MTST para acabar com as manifestações; o sujeito petista ainda está como eleito, segundo degrau do cronograma do falecido  Carlos Lacerda, e já quer colocar uma organização criminosa nas ruas para combater manifestantes desarmados.] Também não pode, pela lei. Mas aí é preciso “dialogar”como o ministro Barroso acaba de decidir, ao exigir que todos os processos de reintegração de posse, inclusive os já encaminhados, têm agora de passar pelo exame prévio de “comissões”, com a participação de “todas as artes”, antes de seguir para juiz

É perseguição direta e imediata ao produtor rural, a ser destruído porque votou em Bolsonaro e irritou o ministro Barroso. É este o “governo para todos os brasileiros”?

J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo