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segunda-feira, 15 de junho de 2020

Só a luta amada evita a ditadura - Fernando Gabeira

O Globo

Só a luta amada evita a ditadura

Pena que os militares tenham embarcado nessa canoa. São potenciais interlocutores. Conhecem bem o Brasil

Felizes com a ideia, todos se preparam, sabendo que o bastão há muito foi passado para as novas gerações. Não importa a importância do papel, o que importa é estar presente. Da minha parte, a situação é clara. No passado, deixei o país. Hoje, sinto que o país é que está me deixando, dissolvendo-se numa bruma viscosa, tornando-se irreconhecível.

Por isso, quando um grupo gaúcho sugeriu a ideia de uma luta amada, disse imediatamente que para mim caía como uma luva.
Durante muitos anos, ao lado de outros, construímos uma legislação ambiental para proteger nossos recursos naturais. Relatei, por exemplo, o projeto do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, conhecido como Snuc. Parece um nome de cachorrinho, Snuc, mas encerra uma realidade de florestas, montanhas, rios e manguezais que visito com frequência.

Quando vejo que estão querendo desmontar a legislação, aproveitando-se do nosso foco na pandemia, quando ouço que querem fazer uma boiada passar sobre a tenra grama de nossa rede de proteção, sinto claramente que estão nos levando o Brasil. Ao saber que Bolsonaro decapitou a direção do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, apenas para atender ao dono da Havan, sinto um calafrio. É um homem que vendia produtos chineses e tem uma cadeia de lojas com uma cafona Estátua da Liberdade na porta.

O Iphan foi dirigido por intelectuais como Rodrigo Melo Franco, Aloísio Magalhães, e Bolsonaro escolheu agora a esposa de um dos seus seguranças, para tomar conta de 1.300 bens materiais e 25 mil sítios arqueológicos. Foi barrado pela Justiça Federal. Bolsonaro acha que nosso patrimônio se confunde com o que ele chama de cocô de índio cristalizado. Das estátuas do Aleijadinho às pinturas rupestres da Serra da Capivara, é desse rico conjunto que extraímos o sentido de identidade nacional e também postos de trabalho para muita gente. Passam com uma boiada sobre os bens naturais e com um bando de javalis sobre nossos bens culturais.

Pena que os militares tenham embarcado nessa canoa. São potenciais interlocutores. Conhecem bem o Brasil. O escorregadão geográfico do general Pazuello foi apenas um acidente isolado. Não sei se os militares estão usando Bolsonaro como um bode na sala, para depois se apresentarem como moderadores no pântano que ele criou. Ou se simplesmente se deliciam com o acúmulo de soldos e salários como os militares da Venezuela. Em ambos os casos, estarão perdidos para sua tarefa maior, a defesa nacional. Não importa quantos aparatos de guerra possam comprar, se não têm mais o respeito do povo brasileiro.

De que adianta entrar para o Ministério da Saúde e empilhar cadáveres com a naturalidade com que pintam as árvores de branco? Nossas populações indígenas estão sendo dizimadas pela Covid-19, nossa juventude negra massacrada pela opressão policial, nossas favelas organizam-se como podem para substituir um governo ausente na pandemia, ausente em todos os tempos. Só não saímos às ruas porque o vírus tem sido implacável com os mais velhos. Por mais que Bolsonaro arme seus aliados e os filhos lutem para trazer do exterior novos brinquedos de morte, é preciso viver um pouco. Na verdade, é preciso cautela nas ruas, pois todos precisam estar vivos. Cada um de nós que resiste é um pedaço do Brasil que pede socorro à humanidade, ao que resta de humano na humanidade.

Nem todos sabem como este país é grande, diverso, solidário, magnífico em sua beleza. Impedir que se dissolva nas mãos de vendedores de bugigangas, grileiros, racistas, incendiários é a grande tarefa de construir uma civilização tropical onde querem apenas pasto, fuzis, asfalto, carros e eletrodomésticos. Como não suprimir o “r” das lutas passadas e chamar isto de uma luta amada?
Como não compreender que todas as gerações pretéritas nos lembram de que o Brasil existe para todo o sempre, e que reinventá-lo depende de nós?

Fernando Gabeira, jornalista - O Globo


segunda-feira, 8 de junho de 2020

[se espera que Bolsonaro fique livre do guru de Virginia.] Bolsonaro dá aval à vaquinha de empresários para “sossegar” Olavo de Carvalho

Citado nominalmente em vídeo divulgado por Olavo de Carvalho, no qual ele diz que pode derrubar a “merda do governo Bolsonaro”, o empresário Luciano Hang, dono da Havan, deu início a uma vaquinha com empresários a fim de recolher pelo menos R$ 2,8 milhões para saldar dívidas do guru dos bolsonaristas com a Justiça.

 Segundo um integrante do Palácio do Planalto, Hang conversou com Bolsonaro sobre o vídeo no qual Carvalho critica e agride o presidente com palavrões. A conclusão foi a de que é preciso dar um socorro financeiro ao guru para que ele “sossegue”. Tanto Bolsonaro quanto o empresário se mostraram surpreso com a agressividade de Carvalho, que é idolatrado pelos filhos do presidente, sobretudo Eduardo Bolsonaro.

A desculpa encontrada por Hang para levantar o dinheiro para calar a boca de Carvalho é de que ele continue “trabalhando pelo Brasil”. Mas, por trás desta ação de benemerência, está o temor de que o guru desarticule a base de apoio a Bolsonaro nas redes sociais. Olavo de Carvalho movimenta nas redes o grupo mais ideológico de apoio a Bolsonaro. No entender de assessores do presidente, não é nada confortável ter o guru como adversário. Portanto, qualquer esforço para que ele se acalme é muito bem-vindo.

Não é qualquer quantia 
 Resta saber se os empresários estão dispostos a entrar na vaquinha encabeçada por Hang. Carvalho quer muito mais do que os R$ 2,8 milhões que ele precisa para pagar uma ação judicial que perdeu para o cantor Caetano Veloso. “Não é qualquer quantia que Olavo de Carvalho quer. Isso pode ser medido pelo tamanho da agressividade dele no vídeo.

O guru dos bolsonaristas gravou mensagem reclamando que está isolado e que nunca teve apoio de presidente. No vídeo, ele diz que está sendo cobrado por “multas” e que não tem como pagar, pois está sem dinheiro. O guru deixou claro que esperava estar numa situação financeira melhor com Bolsonaro no governo.

“Bolsonaro, o que ele fez para me defender? Bosta nenhuma! Chega lá, me dá uma condecoraçãozinha… enfia essa condecoração no seu cu”, disse Carvalho. “Essas multas que esses caras estão cobrando de mim vão me arruinar totalmente. Como é que eu vou poder sobreviver aqui nos Estados Unidos sem nenhum tostão furado?”, indagou. [quer uma palavra de consolo? f ... se.]

Correio Braziliense