O Globo
Só a luta amada evita a ditadura
Pena que os militares tenham embarcado nessa canoa. São potenciais interlocutores. Conhecem bem o Brasil
Por isso, quando um grupo gaúcho sugeriu a ideia de uma luta amada, disse imediatamente que para mim caía como uma luva.
Durante muitos anos, ao lado de outros, construímos uma legislação ambiental para proteger nossos recursos naturais. Relatei, por exemplo, o projeto do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, conhecido como Snuc. Parece um nome de cachorrinho, Snuc, mas encerra uma realidade de florestas, montanhas, rios e manguezais que visito com frequência.
Quando vejo que estão querendo desmontar a legislação, aproveitando-se do nosso foco na pandemia, quando ouço que querem fazer uma boiada passar sobre a tenra grama de nossa rede de proteção, sinto claramente que estão nos levando o Brasil. Ao saber que Bolsonaro decapitou a direção do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, apenas para atender ao dono da Havan, sinto um calafrio. É um homem que vendia produtos chineses e tem uma cadeia de lojas com uma cafona Estátua da Liberdade na porta.
Pena que os militares tenham embarcado nessa canoa. São potenciais interlocutores. Conhecem bem o Brasil. O escorregadão geográfico do general Pazuello foi apenas um acidente isolado. Não sei se os militares estão usando Bolsonaro como um bode na sala, para depois se apresentarem como moderadores no pântano que ele criou. Ou se simplesmente se deliciam com o acúmulo de soldos e salários como os militares da Venezuela. Em ambos os casos, estarão perdidos para sua tarefa maior, a defesa nacional. Não importa quantos aparatos de guerra possam comprar, se não têm mais o respeito do povo brasileiro.
Nem todos sabem como este país é grande, diverso, solidário, magnífico em sua beleza. Impedir que se dissolva nas mãos de vendedores de bugigangas, grileiros, racistas, incendiários é a grande tarefa de construir uma civilização tropical onde querem apenas pasto, fuzis, asfalto, carros e eletrodomésticos. Como não suprimir o “r” das lutas passadas e chamar isto de uma luta amada?
Como não compreender que todas as gerações pretéritas nos lembram de que o Brasil existe para todo o sempre, e que reinventá-lo depende de nós?
Fernando Gabeira, jornalista - O Globo
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